Na última terça feira, dia 15, acompanhei a partir das 17 horas a discussão na nossa Câmara Municipal do Projeto de Lei que proibia a adoção de passaporte vacinal no âmbito de nosso município. O que assisti foi um bizarro festival de desinformação, e cito aqui alguns pontos abordados por alguns vereadores, que na minha opinião beiraram o nonsense.
Primeiramente, a discussão que deveria se restringir à proibição de adoção ao passaporte vacinal por aqui, foi desviada para um debate sem pé nem cabeça sobre a eficácia da vacina, isso por parte dos vereadores que defendiam o projeto, e aí as pérolas inacreditáveis começaram a surgir.
Por exemplo, a tese da “Imunidade natural” foi defendida com pompa e circunstância no combate ao coronavírus, o que, comprovadamente seria uma verdadeira catástrofe, uma vez que, com a alta letalidade do vírus, nossa rede de atendimento da saúde não teria condições de acolher todos os infectados graves, e milhares morreriam aguardando um leito para tratamento. Chega a ser desumano abordar a possibilidade de considerar essa tese.
Também foi afirmado (!) que as vacinas que estão sendo aplicadas no Brasil contra o coronavírus não são eficazes, uma vez que não imunizam contra o contágio pelo vírus. Uma simples pesquisa no Google esclareceria que nenhuma vacina é esterilizante, isto é, capaz de impedir a transmissão do Sars-CoV 2, e que a imunização atingida pela vacinação é para evitar a evolução da doença para níveis de gravidade que exijam a internação do paciente, seja em leitos de suporte para baixa ou alta complexidade.
Pra quem entende o básico de estatística, em maio do ano passado, no pico da segunda onda da pandemia e com cerca de 10% de vacinados, tivemos em Batatais a constatação de 1.849 casos, 43 óbitos (média de 23,25 óbitos por mil habitantes) e 100% de leitos Covid ocupados, com 21 pessoas na fila de espera por leitos (no pior momento). Em janeiro passado, no pico da terceira onda da pandemia e com mais de 80% dos batataenses vacinados, foram registrados 3.791 casos, 9 óbitos (média de 2,37 óbitos por mil habitantes) e 6 pessoas internadas, sem fila de espera por leitos. Pergunta retórica: a vacina funciona, ou não?
Outra afirmação estapafúrdia feita na discussão do projeto, foi a de que o cidadão vacinado transmite o vírus na mesma intensidade que aquele que não vacinou, quando já está comprovado que o tempo de permanência do vírus no organismo em indivíduos não vacinados é de 40% a 60% maior que no organismo dos vacinados (link do estudo realizado nos EUA pelas Universidades de Harvard, Yale e Columbia: https://www.medrxiv.org/content/10.1101/2021.02.16.21251535v3.full).
Também me causou espanto ouvir que as vacinas contra o coronavírus não serão incluídas no PNI (Plano Nacional de Imunização) porque não imunizam! Pensei comigo: o que diabos isso tem a ver com o projeto em discussão? Até porque a vacinação contra o coronavírus foi incluída no ano passado no Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19, pelo próprio Ministério da Saúde, incluindo a vacinação de crianças de 5 a 11 anos.
No julgamento conjunto das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 6586 e 6587 – que tratam unicamente de vacinação contra a Covid-19 – e do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1267879 – em que se discute o direito à recusa à imunização por convicções filosóficas ou religiosas – o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o Estado pode determinar aos cidadãos que se submetam, compulsoriamente, à vacinação contra a Covid-19, prevista na Lei 13.979/2020. De acordo com a decisão, o Estado pode impor aos cidadãos que recusarem a vacinação as medidas restritivas previstas em lei (multa, impedimento de frequentar determinados lugares, fazer matrícula em escola, prestar concurso público etc.), mas não pode fazer a imunização à força.
A decisão tem por base a supremacia do direito coletivo sobre o direito individual, uma vez que, neste caso, as decisões individuais prejudicariam o coletivo – como é o caso do negacionismo e da recusa ao recebimento de imunização ao COVID-19 – colocando em risco a saúde da população. Fica claro que o Projeto de Lei não fazia nenhum sentido, até porque em nosso município não foi adotado, por ora, o passaporte vacinal.
Apenas para finalizar: preferi não fazer referência neste artigo aos nomes dos vereadores que fizeram as colocações aqui referidas, e por mim rebatidas, uma vez que a íntegra dessa sessão da Câmara encontra-se disponível no YouTube pra quem quiser assistir. E continuo respeitando os posicionamentos, por mais absurdos que me pareçam, mas de forma alguma ofereço concordância e tenho dever cívico de colocar meu ponto de vista, em defesa da saúde de todos nós.