A disputa entre “esquerda” e “direita” nas eleições desse ano, expos uma faceta bem desprezível do eleitor, pelo menos daquele mais radical, de qualquer lado do espectro político. A rejeição seletiva, movida exclusivamente por critérios políticos, mesmo que vá contra valores que cultivamos uma vida inteira.
Esse “fenômeno” já havia ocorrido nas eleições de 2018, mas de uma forma mais branda, sem movimentos coordenados nas redes sociais, por exemplo. Nesse ano, tudo está mais raivoso, consequência direta do embate Lula x Bolsonaro.
A pandemia também ajudou a dividir e radicalizar as opiniões entre, por exemplo, os anti e os pró-vacinas, aqueles a favor e contra o isolamento, ou os favoráveis e os contrários ao tratamento precoce. Naquela ocasião, já observávamos os grupos irem se formando, e se distanciando.
Para exemplificar o quão ridículas e incoerentes são essas avaliações, hoje tomadas exclusivamente com base nesse ou aquele posicionamento político de qualquer pessoa, me recordo quando foi divulgada a notícia de que o guitarrista inglês Eric Clapton era contra a vacina da Covid, e um amigo meu me questionou: “Você vai continuar ouvindo Eric Clapton?” De pronto respondi: “Lógico que sim, ele não deixou de ser um dos meus guitarristas favoritos, só porque ele é anti-vacina”. Essa seria a lógica, na minha opinião. Mas não é bem isso que vemos hoje, e compilei os exemplos que já presenciei, abaixo.
Quando o eleitor do Lula, por questões políticas, toma as seguintes decisões, entre outras:
– Deixa de curtir Ultraje À Rigor porque o seu vocalista, Roger, é Bolsonaro;
– Não considera mais Nelson Piquet e Emerson Fittipaldi ídolos do nosso automobilismo, porque são bolsonaristas;
– Desmerece o goleiro Marcos (Palmeiras e Seleção), só porque ele é admirador do Bolsonaro;
– Não assiste mais o SBT ou a Record porque as emissoras são simpáticas ao Bolsonaro;
– Não compra mais na Havan (mesmo mais barato), só porque o dono é amigo do presidente;
– Declara que a Regina Duarte não é mais boa atriz, porque é do Bolsonaro;
– O Ronaldinho Gaúcho e o Romário passam de craques para pernas-de-pau, por terem declarado voto no Bolsonaro;
– Nas suas festas não se toca mais Zezé Di Camargo, Gusttavo Lima e Sérgio Reis, por serem bolsonaristas…
E quando um simpatizante do Bolsonaro, também somente por questões políticas, decide que:
– Rita Lee não é mais a rainha do rock nacional, porque ela é contra o Bolsonaro;
– Não ouço mais Titãs, porque o Nando Reis, Arnaldo Antunes, Paulo Miklos e Tony Belotto votam Lula;
– Fernanda Montenegro, Marieta Severo, Osmar Prado e Paulo Betti não são mais ótimos atores, porque apoiam Lula;
– Não assisto mais a Globo, que é “contra” o Bolsonaro;
– Os jornalistas Chico Pinheiro e Vera Magalhães deixaram de ter credibilidade porque confrontam Bolsonaro;
– Djavan, Caetano, Gil, Chico Buarque, Gal Costa, Bethânia, Marisa Monte, Maria Rita… não ouço mais! São do Lula!
– Raí, a “rainha” Marta, Casagrande, Ademir da Guia deixam de ser atletas relevantes, pois apoiam Lula;
– O ex-ministro do STF Joaquim Barboza agora não presta mais, porque declarou apoio ao Lula…
Perceberam o nível de incoerência nisso tudo? Pior… isso está acontecendo cada vez mais dentro de nossas casas, afastando parentes, amigos de infância, colegas de trabalho, companheiros do futebol, pessoal da igreja, nas academias… Uma amizade verdadeira é infinitamente maior do que qualquer preferência ou posicionamento político, até porque, política muda com uma rapidez incontrolável, e o que se prega hoje por esse ou aquele político, amanhã pode não valer mais nada.
A eleição vai passar, outras virão. Nossos valores, nossas convicções e nossas amizades por tanto tempo cultivadas e aprimoradas, não tem lado, cor, credo, ideologia ou origem. Continuarão sendo indispensáveis, seja quem quer que seja eleito.