Caros leitores e leitoras desta coluna, nesta edição gostaríamos de compartilhar com vocês um pouco de nossa experiência de trabalho e pesquisa no Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Batatais, durante o ano de 1999, sob a presidência do vereador José Roberto Ricci.
O trabalho em questão foi uma parceria do legislativo e do executivo, apoiada pela Lei nº 8.159 (de 08 de janeiro de 1991) que dispõe sobre a obrigatoriedade da organização e preservação dos documentos públicos, sendo que:
“Art. 1º – É dever do Poder Público a gestão documental e a proteção especial a documentos de arquivos, como instrumento de apoio à administração, à cultura, ao desenvolvimento científico e como elementos de prova e informação.
Art. 2º – Consideram-se arquivos, para os fins desta Lei, os conjuntos de documentos produzidos e recebidos por órgãos públicos, instituições de caráter público e entidades privadas, em decorrência do exercício de atividades específicas, bem como por pessoa física, qualquer que seja o suporte da informação ou a natureza dos documentos.
Art. 3º – Considera-se gestão de documentos o conjunto de procedimentos e operações técnicas referentes à sua produção, tramitação, uso, avaliação e arquivamento em fase corrente e intermediária, visando a sua eliminação ou recolhimento para guarda permanente. (…)”
O grupo de trabalho foi composto por uma equipe multidisciplinar formada por Walter Cardoso (professor universitário, historiador e voluntário neste trabalho), Karina Elizabeth Serrazes (professora, historiadora), Danilo Pastorelli (graduando em História pela UNESP Franca) e nós duas, Luciana Squarizi (historiadora e funcionária do MHP Washington Luís que articulou a formação da equipe) e Alessandra Baltazar (arquiteta e urbanista).
Durante cerca de 6 meses, estivemos em contato direto com a documentação avulsa produzida desde o período da instalação da Câmara em 1839 até o ano de 1947, e entre os diversos temas que cabiam aos cuidados do serviço público, um em especial nos chamava a atenção no que se referia ao diferencial estético na forma de apresentação da documentação.
Tratava-se das plantas de projetos arquitetônicos anexadas aos documentos de serviços urbanos e rurais relacionados à licença de edificação, instalação de água e esgoto, alvará de estabelecimentos comerciais ou pedidos de isenção de impostos de viação ao erário público.
Algumas plantas eram apresentadas apenas em traços simples com as divisões dos ambientes, mas outras são dignas de emoldurar e transformar em quadros tamanha a beleza tanto do traço como da arquitetura.
Grande parte dos projetos são em um papel de gramatura mais espessa, na cor azul e com as linhas do desenho em branco. Este tipo de papel é na verdade uma cópia heliográfica do projeto original que deve ter sido feito em papel vegetal e nanquim. A cópia heliográfica é a reprodução através de um processo à base de compostos férricos fotossensíveis com a utilização de citrato de amônio férrico e ferricianeto de potássio, muito usado até meados do século 20.
A planta mais antiga deste acervo data de 1895 e corresponde ao projeto para a construção do Matadouro Municipal de Mato Grosso dos Batataes, atual Altinópolis.
Algumas relíquias documentais não estão diretamente relacionadas à arquitetura ou construção civil, como no caso do projeto encaminhado pelo padre Atílio Cocci solicitando a aprovação para a construção do Pavilhão de Exposição “Japão no Brasil”, no bazar em benefício na Escola Agrícola dos Salesianos, em 1905.
A maior quantidade de plantas arquitetônicas aos quais tivemos acesso para realizar a devida catalogação, se concentra nos 30 primeiros anos do século XX, período este de grande desenvolvimento da cidade, que já estava abastecida de iluminação elétrica e sistema de água e esgoto. Além disso, as primeiras décadas da República trouxeram novas soluções para a implantação das edificações nos terrenos, que passaram a recuar os limites laterais mantendo o alinhamento da via pública. Tal alteração proporcionou mais incidência da luz solar e ventilação à edificação trazendo benefícios à salubridade, além de estimular a criatividade dos projetistas para a inserção de novos elementos à arquitetura, como os jardins e as entradas por varandas laterais.
Com o fim da escravidão e início da imigração europeia, muitos imigrantes italianos vieram para Batatais, trazendo consigo novas técnicas construtivas e sonho do trabalho remunerado que não foi destinado aos ex-escravizados. Os principais construtores no início do século 20 foram: Rômulo Rigotto, Manoel Pereira Pimenta e Benedicto dos Santos (com a sociedade Pimenta & Santos), o empreiteiro de obras Ângelo Rossini, o arquiteto Guilherme Rosada, o arquiteto Frederico Bombonato (com projetos autorais e outros em parceria com Rômulo Rigotto), Cordiano Degani, Marcello Comparini, Angelo Caroli, Juliano Bologna, José Rossi, Conte Sante, João Victor de Almeida, José Victor de Oliveira, Bergamini Constante, Lincoln Braga, Ernesto Ziviani, Astolpho Bertholino Tambellini e Luiz Lupato.
É sabido que muitos construtores possuíam também serrarias, como no caso de Manoel Pereira Pimenta, proprietário da Serraria Batataense Rodrigues & Pimenta em sociedade com Luiz Rodrigues, e Rômulo Rigotto que era proprietário da Serraria Rigotto & Roncaratti.
A dissertação de mestrado escrita por Maria Stella Teixeira Fernandes Dutra em 1993 intitulada A Arquitetura de Batatais – 1880 a 1930 apresenta algumas informações sobre os construtores, entre as quais a que Cordiano Degani era natural em Vicenza (Italia) e veio para o Brasil com seu pai Ricardo Degani, que era empreiteiro e passou a profissão ao filho (DUTRA, 1993, p.252). Frederico Bombonato nasceu em 27 de dezembro de 1889, em Castelbelforte (Mântua), se formou arquiteto em Milão e faleceu durante a construção do sobrado de José Faggioni, em 10 de agosto de 1928 (DUTRA, 1993, p.255).
Já Guilherme Rosada nasceu em Padova (Itália) no último dia de 1882 e trabalhou como empreiteiro de obras em Batatais e região, destacando-se na construção de edificações católicas. Rosada dirigiu as obras de reconstrução da nova igreja matriz no início do século XX, (onde também trabalharam Ernesto Degani e Cordiano Degani) e foi autor dos projetos das capelas do Colégio Santa Úrsula e Seminário Diocesano de Ribeirão Preto, além de responsável pelo acabamento da Catedral Metropolitana de São Sebastião na mesma cidade. Outro significativo projeto atribuído a Guilherme Rosada corresponde à ampliação do Colégio São José, dirigido na época pelos padres da Congregação do Verbo Divino (1910-1925), projetado em dois pavimentos.
Mas o que nos chama a atenção é a grande quantidade de projetos apresentados por Rômulo Rigotto neste período entre 1913 e 1930. São mais de 50 projetos desenvolvidos em menos de 10 anos! Um grande sucesso no ramo da construção.
Rigotto nasceu em Batatais no dia 19 de fevereiro de 1898 e provavelmente iniciou seus trabalhos na construção civil acompanhando seu pai, Luiz Rigoto, imigrante italiano que tinha a profissão de pedreiro. Com 27 anos de idade Rigotto obteve do governo estadual a “carta de architecto”, porém, antes mesmo de receber a certificação de arquiteto, já havia projetado e construído a residência e fábrica de chapéus de Affonso Vieira e a fábrica de tecidos Jafet em 1924.
Provavelmente os projetos de Rigotto tinham a preferência dos que sonhavam com a casa própria, também pelo fato dele produzir as portas, janelas, forros, assoalhos, escadas e madeiramento dos telhados em sua própria serraria. Apesar de todo este significativo acervo, a qualidade estética dos projetos de Rômulo Rigotto não foi suficiente para preservar algumas dessas edificações até os dias atuais, mas ainda temos belos exemplares a compor a paisagem de Batatais, como o prédio da Câmara Municipal, o Coreto da Praça Cônego Joaquim Alves, a antiga Casa Bancária de José Lazzarini Sobrinho (atual Belcid’s) e o palacete da família Gaspar Gomes na Rua Dr. Alberto Gaspar Gomes.
Vale ressaltar que todos os italianos construtores citados neste artigo foram membros atuantes das sociedades italianas existentes na época.