Em fevereiro deste ano, a companhia chinesa de tecnologia Hauwei patrocinou uma exibição da English Session Orchestra para apresentar ao mundo o que seria a conclusão da Oitava Sinfonia de Schubert. Detalhe: Schubert morreu em 1828 sem terminar a Oitava que, justamente por isto, é conhecida como “A Inacabada”. A “conclusão” foi composta um algoritmo de inteligência artificial utilizando celulares fabricados pela Hauwei.
A IA mapeou e compilou a parte composta da sinfonia e utilizou os mesmos conceitos e técnicas na tentativa de intuir (sim, intuir!) as notas e ritmos que ainda estavam na cabeça de Schubert.
Eventos desta natureza põem em discussão: será que a IA vai nos superar até mesmo na arte?
Inteligência artificial não é parte de alguma distopia de Asimov. É real e já está embrenhada no nosso dia-a-dia. O professor Eduardo Magrani, da FGV-Rio e do Instituto Tecnologia e Sociedade, estudioso da correlação entre Direito, Democracia e tecnologia disse em entrevista recente que “a fronteira entre online e offline acabou. A nova fronteira é entre orgânico e inorgânico.”.
Ainda vivemos a era do deslumbramento com as tecnologias. Ainda estamos nos lambuzando do mel da hiperconectividade, das redes sociais, da informação e, principalmente, da pseudoinformação, tudo disponível a poucos toques no celular.
A composição da IA da Hauwei é parte deste deslumbramento.
Uma sinfonia é uma obra de arte grandiosa, via de regra atribuída a gênios da humanidade, executada por um grupo composto por dezenas de humanos altamente qualificados, que executam harmoniosamente a obra musical.
Quando chega a notícia de que um celular compôs uma sinfonia, ou, mais que isso, terminou a sinfonia que um dos grandes nomes do Classicismo não conseguiu acabar antes de morrer, pode ficar a impressão de que os gênios da música foram superados pela tecnologia.
Sou fã da tecnologia, especialmente esta de natureza computacional e informacional; trabalho com ela e penso que ela pode melhorar a vida humana.
Não acho que devamos estabelecer uma competição entre a inteligência orgânica e a artificial.
Porém, maior é o meu encantamento pelas manifestações do espírito humano e, dentre estas, a arte em especial. Não sei conceituá-la com precisão, mas tenho para mim que é a mais alta manifestação da humanidade, do que mais belo ao que é mais sombrio; das maiores alegrias às piores tristezas; da realidade à fantasia.
É fruto do esforço humano, com suas habilidades e também com suas limitações e contradições. Entender a arte é o desafio de entender o outro para compreender a si; e não apenas naquilo que nos conforta, mas no que nos desafia.
Procure atrás da música, da pintura o do livro: lá está o ser humano e a combinação do esforço com a criatividade.
Deve ser por esta razão que continuamos a frequentar shows, concertos e pelas; que continuamos a vasculhar a entrelinhas em busca dos sentidos ou da falta de sentido.
Este encantamento, pelo outro, pelo humano, a IA não consegue roubar.
Falando em arte…
Quem foi ao Teatro Municipal Fausto Bellini Degani no último domingo se deliciou com a Rapunzefa. A peça é de autoria do meu amigo e irmão Luciano Dami (corpo franzino, alma gigante) e está registrada em livro lindamente ilustrado por Marcos Garuti. Foi deliciosa e magistralmente encenada pelo competentíssimo Núcleo Teatral Evoé. Valeu, Luciano! Valeu, Evoé! Vocês fazem a vida melhor!