Os heróis povoam o imaginário humano como referências de virtude, coragem, tenacidade, superação e altruísmo. São capazes de feitos excepcionais, incomuns para o humano comum. E, por isso, são exaltados e idolatrados; às vezes a tal ponto que não importa a correção de suas ações, mas a grandiosidade dos resultados.
O mais recente herói brasileiro é o ex-Juiz e Ministro Sérgio Moro.
Moro ganhou notoriedade por sua atuação como Juiz Federal, à frente da 13ª Vara de Curitiba, onde foram e ainda são julgados os processos da Operação Lava-Jato, que revelou os detalhes sórdidos da corrupção entranhada na administração pública brasileira, condenou muita gente poderosa à prisão e recuperou mais de um bilhão de reais em recursos públicos desviados. Antes disso, também atuou em outros julgamentos de corrupção, como o Banestado e o Mensalão.
Tem sido idolatrado ao ponto de ter o rosto estampado num boneco gigante do Superman e de ser homenageado com “Como é grande o meu amor por você”, icônica música de Roberto Carlos que, em condições mais normais, costumávamos dedicas às nossas mães, namoradas e esposas. Francamente, me parece um pouco exagerado dizer que o amor por Moro é maior o céu, as estrelas, o mar e o infinito.
O grande problema da idolatria é que passamos a julgá-los perfeitos ao ponto de ignorar seus deslizes. Quem assistiu ao “Homem de Aço”, filme de 2013, viu o Superman furtar (sim, furtar!) roupas logo depois de salvar petroleiros numa plataforma marítima em chamas.
O deslize do Super Moro parece ter sido desprezar um dos princípios fundamentais do Estado de Direito ‒ a imparcialidade do juiz ‒ e participar ativamente da acusação que levou o ex-presidente Lula ao xilindró. Como parece que Lula é culpado dos crimes que lhe foram imputados (a sentença foi confirmada no TRF e no STJ) parece haver uma predisposição em relevar as escapadas do Dr. Sérgio Moro.
Imparcialidade de juiz é um dos mais relevantes fundamentos de qualquer Estado que se pretenda democrático, a garantir que o tratamento paritário entre quem acusa e quem defende. Acusar e julgar é prática típica de sistemas autoritários, como foi a “nada santa” Inquisição.
Na essência, a paixão por Moro cantada prosa e verso não é diferente daquela que os lulistas alimentam por seu chefe e os faz exaltar apenas os seus méritos, desprezando seus malfeitos. É preciso muito cuidado para não criar novos ditadores (ditadores há de todas as ideologias).
Importante: não pretendo que Moro seja crucificado em praça pública (isso poderia levar a idolatria a níveis ainda mais alarmantes). Penso que ele não deveria ter deixado a magistratura, pois os últimos seis meses revelaram que ele era mais útil em Curitiba e não batendo boca com parlamentares. Mas já que ele aceitou o ministério, que fique lá. Talvez a chefia da Polícia Federal combine mais com os desejos acusatórios de Sérgio Moro.
Minha visão sobre a autuação dele e de outros juízes é mais pragmática: se um juiz recebe um processo, encontra nele elementos para condenar o réu e o faz, ou, se não encontra estes elementos e absolve o réu, ele cumpriu sua missão institucional. Nada mais que isso.
O Brasil tem mais de dezesseis mil juízes que fazem o mesmo diariamente, com zelo, coragem e competência. A maioria dos magistrados tem um acervo descomunal de trabalho e recursos materiais e humanos insuficientes.
O fato de julgar, mesmo em casos relevantes como a Operação Lava-Jato, não cria heróis, mas revela servidores públicos dignos, corretos, honestos e comprometidos com as instituições democráticas. Quando juízes se afastam dos deveres de suas atividades ‒ no que se inclui a imparcialidade ‒ põem a perder o trabalho realizado.
É quando os pretendidos heróis se tornam vilões. É isto mesmo: se Lula e outros corruptos forem liberados em razão da imparcialidade de Sérgio Moro, a culpa não será do Judiciário ou das instituições, mas do próprio Sérgio Moro!
É preciso ter cuidado: quando a idolatria se sobrepõe às instituições democráticas, corremos o risco de relevar o Direito e fazer serenata para os tiranos.