Muito comum no Brasil Imperial, no Brasil da República Nova, no Brasil do Estado Novo, no Brasil da Ditadura, no Brasil da Redemocratização, descobrimos nesta semana que a famosa e centenária “carteirada” continua na moda por aqui. A vergonha só não é maior que a repercussão negativa que o caso vem tendo. Vejamos.
Resumo rápido: Abordado numa fiscalização da GCM de Santos, o Excelentíssimo Desembargador Eduardo Siqueira foi flagrado (e filmado) negando-se a transitar de máscara pela orla da cidade, contrariando Decreto Municipal, destratou o guarda municipal que o autuava na ocasião, chamou-o de analfabeto, tentou constrange-lo ao ligar para o seu superior hierárquico, rasgou a multa e jogou-a ao chão, virou as costas e foi embora como se fosse o dono da cocada preta! No momento apoteótico do vídeo, soltou a seguinte pérola, mostrando ao guarda sua identificação funcional: “Olha bem aí e veja com quem você está lidando!”
O vídeo causou na sociedade em geral uma onda de repulsa, raiva e vergonha, tudo junto e misturado, que ganhou as manchetes dos meios de comunicação e lógico, as redes sociais com a rapidez habitual. No sentido contrário, os guardas municipais Cícero Neto e Roberto Guilhermino, responsáveis pela autuação, foram catapultados para a condição de heróis, tamanha a serenidade altivez que tiveram durante o episódio, simplesmente cumprindo seu dever de fiscalização do cumprimento de uma determinação que visa proteger toda a população contra a disseminação da Covid-19.
É certo que a grande maioria de nossa população rapidamente compreendeu que a necessidade do uso das máscaras ao sair de casa é um ato de proteção de a todos, e uma demonstração de respeito à convivência em sociedade, mas uma pequena parcela ainda resiste, insistindo em mostrar que não está nem aí para o próximo, imaginando ter imunidade ao “vírus da gripezinha”. Esta minoria, ao assistir o vídeo em questão, vai deduzir que tem razão, que realmente pode andar por aí sem máscara, uma vez que um importante Desembargador além de passear sem a máscara, fez de gato e sapato o fiscal, xingou-o e rasgou a multa na cara dele. Perceberam que didático foi o ocorrido para uma parcela da população?
O Ministro Marco Aurélio de Melo do STF comentou a situação, e foi bem mais didático, dizendo: “Autoridade na rua é o guarda, não o Desembargador”, e pronto!
O Desembargador além de demonstrar desrespeito, soberba, empáfia, prepotência, mal educação, cinismo, autoritarismo, entre outras, também demonstrou desconhecimento à legislação, justo ele, um Excelentíssimo Desembargador.
O artigo 23, item 2 da Constituição estabelece o que “é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, cuidar da saúde e assistência pública…”. Em abril deste ano, o STF decidiu que, além do governo federal, estados e municípios têm poder para determinar regras sanitárias de combate ao coronavírus, do isolamento social ao uso de máscara, passando por interrupção de atividades comerciais não essenciais e suspensão do funcionamento de escolas, valendo sempre o que for mais abrangente.
O certo é que o país deve acompanhar atento o desenrolar desse lamentável caso, aguardando uma punição exemplar a este cidadão, sob o risco de vermos desmoralizar a determinação do uso de máscaras por todo nosso país.
Por enquanto, o que posso dizer com convicção é que nesse episódio identificamos um único analfabeto. Um Excelentíssimo Analfabeto!