Por AB e LS

Não é fácil falar com originalidade sobre personalidades que marcaram seu tempo, pois como a própria palavra já sugere, se é ‘personalidade’ muito já foi escrito sobre a mesma ou a quantidade de fatos é tão extensa que se torna um desafio resumir em poucas páginas.
Este é o caso de Washington Luís Pereira de Sousa (26.10.1869 – 04.08.1957), nosso ‘paulista de Macaé’, que muito antes de se tornar o último presidente da República Velha (1926 a 1930), iniciou sua carreira política na cidade de Batatais/SP, onde não possuía nenhum vínculo, a não ser a sólida amizade com seu colega de faculdade, Joaquim Celidônio Gomes dos Reis Júnior.
Washington e Celidônio provavelmente se conheceram lá pelos idos de 1889, na Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Joaquim Celidônio, pertencente a 59ºturma, colou grau em 04 de dezembro de 1890 e Washington Luís foi seu calouro da 60ª turma, colando grau um ano depois, a 01 de dezembro de 1891.
Imediatamente após a conclusão da faculdade, Washington Luís já estava empregado no estado do Rio de Janeiro como Promotor Público. Na carta escrita em 26 de fevereiro de 1931 ao Desembargador Otávio Costa, outro colega de turma e companheiro de residência na época da graduação, Washington Luís relembra que
Nomeado Promotor Público de Barra Mansa em dezembro de 1891, tomei posse em janeiro de 1892, fui removido em junho de 1893, quando me achava com licença em Batatais, para Cabo Frio, Comarca de que não tomei posse porque em julho de 1893 pedi demissão do cargo de Promotor de Cabo Frio. (BRITO, 1958, pp.90 e 91)
Quem convenceu Washington Luís a sair de Barra Mansa em 1893 e se mudar para Batatais para abrirem juntos uma banca de advogados foi Joaquim Celidônio (Areias, 1880-São Paulo,1944), com quem passou a dividir moradia na antiga Rua do Comércio, atual Rua Celso Garcia. Uma das primeiras atividades desenvolvidas pelos advogados foi o oferecimento de aulas particulares a outro graduando da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, que se encontrava de férias em Batatais, estudando para exames de recuperação de notas em duas disciplinas.
Este estudante viria a ser outra personalidade da cidade, Altino Arantes Marques (governador de São Paulo de 1916 a 1920), que na época cursava o quarto semestre em Ciências Jurídicas e Sociais, tendo aulas particulares de Direito Criminal com Washington Luís e de Direito Civil com Joaquim Celidônio. De acordo com Altino Arantes (1957, p. 10), os professores eram tão competentes e dedicados, que muitas vezes trocavam objeções e argumentos durante as explicações, gerando acalorados debates entre ambos que chamavam a atenção da vizinhança.
As aulas particulares surtiram bons resultados e Altino Arantes, após colargrau em janeiro de 1895, retornou à Batatais e trabalhou por um tempo junto aos professores advogados, pois conforme o próprio Altino
Celidônio e Washington eram advogados de maior clientela, num fôro que, na época, era bastante animado pela multiplicidade de inventários, de processos divisórios e questões possessórias e territoriais. (ARANTES, 1957, p.11)
Posteriormente, Washington Luís e Celidônio mudaram para outra casa na mesma rua do Comércio e recebiam aos sábados alguns médicos e advogados que se reuniam ao redor da mesa da sala de jantar para ler e comentar os artigos do jornal ‘A Imprensa’, principalmente os textos de Rui Barbosa.


Apesar da extensa carreira política, no início de sua jornada profissional Washington Luís não era afeito à vida política, recusando a insistentes convites de seu amigo Celidônio, que em 1894 já era vereador e presidente da Câmara. (vide tabela 01)
Tabela 1– Cronologia política de Washington Luís
Vereador em Batatais | 1896-1898 |
Intendente em Batatais | 1898-1900 |
Deputado estadual | 1904-1905 / 1912 -1913 |
Secretário de Justiça e Segurança Pública de SP | 1906-1912 |
Prefeito de São Paulo | 1914-1919 |
Presidente do Estado de São Paulo | 1920-1924 |
Senador da República | 1925-1926 |
Presidente da República | 1926-1930 (deposto) |
Politicamente, a primeira grande contribuição de Washington Luís para o município de Batatais foi a elaboração do Código de Posturas dentro das novas premissas republicanas, serviço este contratado pela Câmara Municipal em substituição às normas vigentes desde 1872. O novo Código de Posturas foi aprovado pela Lei nº 16, em 10 de junho de 1894, pelos vereadores Joaquim Celidônio Júnior, Martinho Ferreira Rosa, Joaquim Alves da Costa, Lúcio Enéas de Mello Fagundes e o intendente Alfredo da Silva Leitão.
A partir das necessidades da localidade e baseado em códigos modernos de outros municípios, Washington Luís elaborou o Código de Posturas dividido em três partes. A primeira parte tratava das posturas urbanas: salubridade (cemitério, limpeza pública e particular, fábricas e oficinas anti-higiênicas, escoamento das águas, arborização, moléstias contagiosas e epidemias), tranquilidade pública, segurança pública (construções e demolições, medidas preventivas de incêndio, trânsito), moralidade pública, comércio e indústria (casas de negócios, açougues, padarias e farmácias), comodidade pública (divertimentos, polícia, destruição de animais daninhos) e viação urbana (alinhamento e iluminação). A segunda parte era sobre as posturas rurais: viação rural (classificação e fiscalização), segurança pública (limites ou tapumes, caça e pesca, comodidade rural); e a terceira parte versava sobre posturas especiais: servidões, impostos (descriminação, modo de lançamento, tempo e modo de cobrança, escrituração, reclamações e recursos, tabelas) e empregados municipais (intendente, fiscais, secretário, coletor, escrivão, porteiro, zelador do cemitério e matadouro).
Em relação à tranquilidade pública, nos chama a atenção que a lei elaborada por Washington Luís proibia eventos tais como tiros ou salvas, algazarras, toques de caixas militares, nos horários de silêncio, das 22h da noite até às 6h da manhã. Todavia, no artigo 74 fica evidenciada uma maior proibição a manifestações das culturas afro-brasileira e portuguesa dentro da área urbana, proibindo a dança de Moçambique, batuques, jongos, cateretês, fados com cantarolas e sapateados dentro da cidade ou nas povoações.

Apesar deste regramento proibitivo a manifestações de danças e músicas populares na cidade, Washington Luís era afeito à cultura erudita, tendo gosto por teatro e ópera. Em Batatais, era conhecido como exímio barítono e fazia semanalmente aulas de canto com o professor João Batista Boemler da vizinha cidade de Ribeirão Preto. Já em relação ao teatro, no período em que residiu em Batatais, de 1893 a 1900, contribuiu escrevendo a comédia ‘O Barão de Potwski’ para um grupo amador da cidade, a ‘Sociedade Dramática Joaquim Augusto’, que solicitava textos adaptados para teatro, visando garantir apresentações regulares de peças na cidade.


Ainda em 1894, Washington Luís, com 24 anos de idade, solicitou seu alistamento eleitoral (veja figura) e em junho de 1895 colocou seu nome como candidato a vereador, sendo eleito com 92 votos. Os demais vereadores por Batatais que receberam votos naquela eleição foram Antônio Theodoro Gonçalves Bastos (110 votos), Geraldo de Aquino Leme (102 votos), Manoel Gustavino de Andrade Junqueira (95 votos), Antônio Augusto Lopes de Oliveira (40 votos), Alfredo Ribeiro da Silva (10 votos) e Ivon Nolf Filho (01 voto). Nesta mesma eleição, o companheiro Joaquim Celidônio saiu candidato a Juiz de Paz e obteve apenas um voto.
Ao que tudo indica, o que no princípio foi assumido por insistência do amigo Celidônio, acabou por se tornar uma vocação e Washington Luís dedicou-se intensamente aos serviços de vereador; conforme podemos observar nas Atas da Câmara Municipal, em que seu nome sempre aparece no debate político e na defesa do devido processo legal para algumas decisões que não se encaixavam ao papel do poder legislativo.
Outro assunto do qual Washington Luís não se privou de opinar foi em relação à indicação dos vereadores Victorino Teixeira da Luz, Antônio T. Gonçalves Bastos e Geraldo d’Aquino Leme, com quem teve inúmeros embates, a fim de que a Câmara se congratulasse com atitude do Clube Militar do Rio de Janeiro em 21 de abril de 1896.
(…) essa indicação, filha de sentimentos nobres, mas espontâneos dos vereadores signatários, seria por eles sem dúvida retirada, depois de mais refletida, mais ponderada, atendo se que a Câmara Municipal é uma corporação puramente administrativa que não pode traduzir sentimentos políticos, principalmente a um Clube cujos estatutos a Casa não conhece, sabendo só que não podem pretender transformar a república brasileira em sua tutelada. (SOUSA, CMB, maio de 1896)
Logo se vê a atitude de Washington contra a politização dos militares e pela defesa do regime republicano, que pela primeira vez estava sob o governo de um civil eleito por voto direto, o presidente Prudente de Morais.
Apesar deste posicionamento, Washington Luís ficou conhecido como grande oposicionista ao Partido Republicano Federal (PRF), tanto no governo do estado de Campos Salles, quanto no governo federal de Prudente de Morais; oposição esta marcada principalmente pela defesa da autonomia dos municípios em seus discursos na Câmara e nos artigos escritos no periódico ‘A Lei’, um jornal local criado em março de 1897, que teve como redatores os nomes de Altino Arantes, Washington Luís e Joaquim Celidônio.
Com natural participação e envolvimento na política local, Washington Luís chega a presidência da Câmara e logo em seguida é eleito intendente de Batatais, em 1898. Em seu relatório apresentado no fechamento do primeiro ano à frente do cargo semelhante a prefeito nos dias atuais, Washington assim escreve sobre o precário atendimento do Estado à educação no município:
Em todo o município existem tres escolas, duas do sexo feminino e uma do masculino, e todas nesta cidade.
Para um município que tem 23.171 habitantes é irrisório.
Ao libertar-se dos compromissos assumidps, para este exercício, deve a Câmara Municipal dedicar sua atenção para questão de tal relevancia, organizando o ensino municipal e dispensando o que é ministrado pelo estado, por ser insuficiente.(SOUSA, 1898)
Apesar de próspera carreira política e profissional, os planos pessoais de Washington Luís não estavam em Batatais pois em 04 de março de 1900 ele se casa em São Paulo, com Sophia Oliveira de Aguiar e Paes de Barros e em outubro do mesmo ano, mudam-se para a capital.
De acordo com Renato Jardim, com o governo de Washington Luís “a cidade de Batatais começou a tomar uma nova fisionomia. Melhorou a precária iluminação das ruas e, por igual a limpeza delas” (JARDIM, 1946, p.170), mas a escola pública tão desejada desde 1898 só veio a ser criada em 03 de junho de 1911, quando Washington Luís retorna a Batatais por ocasião da inauguração do Grupo Escolar em sua homenagem, ocupando então o cargo de Secretário da Justiça e Segurança Pública.

Washington chegou à cidade logo pela manhã acompanhado de uma comitiva de deputados e imprensa, foi recebido por banda na Estação Mogiana e participou de uma sequência de eventos que se estendeu até altas horas da noite, sendo encerrado também com música, desta vez sobre a regência do Major Joaquim Antão Fernandes, outra personalidade de Batatais que merece ser lembrada e enaltecida, pois é de sua autoria a marcha batida de introdução do Hino Nacional Brasileiro.
Mas voltemos a Washington Luís que muito feliz em ver a primeira escola pública de Batatais já com 321 alunos matriculados (165 na seção masculina e 166 na feminina) assim proferiu em seu discurso:
Desta terra direi, senhores, que é a pátria minha querida, por mim adotada, porque nela encontrei acolhida maternal e generosa.
Ao alvorecer daquela vida que a gíria acadêmica tão assustadoramente denomina a vida prática, aqui aportei cheio de esperanças de trabalho e de sonhos de glória. (SOUSA, 1911)

A cidade continuou rendendo homenagens à personalidade que deu seus primeiros passos de tão extensa carreira política em Batatais, nomeando avenida, praça, loja maçônica, banda e até museu com seu nome. Sobre este último, vale dizer que foi o governo estadual que determinou a criação do Museu Histórico e Pedagógico Dr. Washington Luís por decreto nº 26.218, de 03 de agosto de 1956 e regulamentado pelo ato de 30/04/1957. Estava prevista a vinda à Batatais do patrono para sua inauguração ocorrida em 15 de setembro de 1957, todavia Washington Luís faleceu um mês antes. O Museu Histórico e Pedagógico Dr. Washington Luís iniciou oficialmente suas atividades em 04 de junho de 1958 e foi municipalizado em 28 de julho de 2013, cumprindo de certa forma a grande defesa de seu patrono pela autonomia dos municípios.
Entre os objetos e documentos que compõem o acervo do museu sobre Washington Luís, destacamos as cartas que ele escreveu para Maria Carlota Pereira de Souza (18.03.1895 – 15.07.1977), apelidada Baby, filha de seu primo-irmão Everardo Vallim Pereira de Souza (19.08.1869 – 16.06.1948).

Passados mais de 120 anos que Washington Luís por Batatais residiu e trabalhou, muitos dos seus atos ainda podem ser vistos, seja nas casas mais antigas construídas de acordo como Código de Posturas por ele desenvolvido, seja nos nomes de tradicionais edificações e lugares da cidade ou até mesmo nos objetos que compõem seu acervo guardado no museu; como se fossem sementes espalhadas por este território, que germinam ou fenecem de acordo com as condições do tempo e da quantidade de água regada pela história. Que este texto seja mais que uma gota irrigando a memória coletiva pela preservação e reconhecimento da importância de Washington Luís em nossa região.
Referências Bibliográficas
Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Batatais.
Acervo documental do Museu Histórico e Pedagógico Dr. Washington Luís.
ARANTES, Altino. Washington Luís. Homenagem do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo – Washington Luís. São Paulo: Editora São Paulo, 1957.
DEBES, Célio, Washington Luiz 1869-1924. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1994.
JARDIM, Renato. Reminiscências De Resende, Estado do Rio, às plagas paulistas: São Simão, Batatais, Altinópolis e Ribeirão Preto. RJ: Editora José Olympio, 1946.
ILUSTRAÇÃO PAULISTA, Ano I, nº 24, 17 de junho de 1911. |
PEREIRA, Robson Mendonça. O prefeito do progresso: modernização da cidade de São Paulo na administração de Washington Luís (1914-1919). 2005. 328 f. Tese (doutorado) – Universidade Estadual Paulista, Faculdade de História, Direito e Serviço Social, 2005. Disponível em: <http://hdl.handle.net/11449/103092>