Eduardo Bolsonaro está chateado. Não ganhou a embaixada dos Estados Unidos. Seu partido, o PSL, está dividido e com sérias dificuldades de resolver os conflitos internos. O mesmo PSL instaurou contra ele um processo disciplinar, que pode implicar na perda do cargo de líder do partido na Câmara dos Deputados, que ele tomou do Delegado Valdir a pouco tempo.
Para piorar sua situação, em entrevista à jornalista Leda Nagle, falou uma porção de bobagens. Na verdade, pôs no mesmo tacho um monte de ideias absurdas e desconexas: de que Cuba e a Venezuela exportam e financiam o comunismo. Como assim? Os dois países estão à beira do caos financeiro! Disse que a situação do Brasil caminha no mesmo cenário do final dos anos 60, atribuindo à esquerda o sequestro e assassinato de autoridades e embaixadores, como se isso fosse a principal atividade da esquerda nos anos 60 e, pior, como se houvesse algum indício de que algo semelhante está acontecendo atualmente. Dentre as sugestões para combater os fantasmas que ele considera um mal iminente, propôs o retorno do AI-5.
Os “atos institucionais” eram éditos criados pela junta militar constituída a partir do Golpe (que eles chamavam e chamam de revolução) de 1964 e proclamados pelo general que ocupava a presidência. Ou seja, não tinham nenhum fundamento constitucional ou legal. Eram decretos de imposição, redigidos nos altos gabinetes de Brasília e não submetidos a qualquer tipo de aprovação popular ou parlamentar. Em síntese, atos de concentração de poder.
Ao todo foram 17 atos institucionais, publicados entre 1964 e 1969. Todos eles estão disponíveis na internet, para quem tiver a curiosidade de ler.
Todos eles contêm um preâmbulo, à guisa de exposição de motivos. Em todos estes preâmbulos há a exaltação da “revolução”. Ou seja, está claro que são editados para manter o Golpe de 1964.
Dentre estes atos institucionais o mais conhecido é o nº 5. Foi instituído em 13 de dezembro de 1968, quando a presidência do Brasil era ocupada pelo General Arthur da Costa e Silva e representa o ápice da repressão promovida pelos “revolucionários” de 1964.
O senso comum é no sentido de que o AI-5 foi editado para conter a resistência da esquerda ao golpe de 1964, como, aliás, é proposto por Eduardo Bolsonaro. Na verdade, para este fim os militares sequer precisavam de atos institucionais. O aparato de perseguição, captura, tortura e morte dos opositores ao regime existiam independente de qualquer legislação e estavam amparados por instituições como o Serviço Nacional de Informações – SNI, o DOI-CODI, estes criados em 1964, e o Centro de Informações do Exército – CIE, criado em 1967.
A edição do AI-5 tem outras causas, como a insatisfação do comando militar sobre a velocidade da implementação das medidas econômicas, a insatisfação de apoiadores de regime com a demora para o retorno do regime democrático e o crescimento da oposição ao regime, especialmente no Poder Judiciário que frequentemente concedia habeas corpus a opositores do regime e do Congresso Nacional.
O fato emblemático motivador do AI-5 foi a negativa do Congresso Nacional para que o executivo quer dizer, o comando militar processasse o deputado Márcio Moreira Alves. Inicialmente apoiador do golpe, Moreira Alves bandeou para a oposição e, em setembro de 1968, fez discurso criticando a repressão a estudantes e ativista de oposição, incitando a população a boicotar as comemorações da independência do Brasil, conclamando as mulheres a não sair e dançar com jovens oficiais e cadetes e se referindo ao exército como um “valhacouto” (um abrigo) de torturadores. Já naquela época os congressistas gozavam de imunidade (a mesma invocada pelo Bolsonaro 03 para se desculpar pelas declarações absurdas sobre o AI-5), e era necessário que o presidente pedisse permissão para puni-lo. Pois na sessão do dia 12/12/1968, o Congresso negou a autorização. No dia seguinte, o AI-5 foi publicado.
Em suma, o AI-5 autorizava o presidente a fechar o Congresso Nacional, a cassar mandatos de deputados e senadores e a cassar juízes e outros servidores públicos pelo simples fato de serem contrários ao regime; dava ao presidente o poder de legislar sozinho sobre qualquer matéria; permitia a intervenção em Estados e Municípios. Principalmente, permitia que o presidente suspendesse direitos civi e políticos. Houve a suspensão do habeas corpus e todos os atos emanados a partir do AI-5 não se sujeitavam a revisão judicial. Ou seja, era uma lei de plenos poderes.
Nem Hitler foi tão ousado, pois Lei de Plenos Poderes de 1933, que o alçou à condição e “führer” das atrocidades da 2ª Guerra Mundial, contou com a aprovação do parlamento alemão.
Costa e Silva não economizou no exercício do que o AI-5 permitia. Parece que usou como plano de governo e aprofundou a repressão. Fechou o Congresso, cassou juízes e servidores, e usou e abusou da suspensão de direitos civis e políticos.
Fico a imaginar um ato semelhante nos tempos atuais e me vem a dúvida se liberdade que temos nos meios digitais seriam o melhor meio de identificar opositores, ou se estaríamos como na China ou na Coreia do Norte, onde nem se pode acessar o Google.
Então, caríssimo leitor, se você é daqueles que preza a liberdade até mesmo a liberdade de falar bobagem nas redes sociais sempre que ouvir alguém cogitar ainda que “de brincadeira” a volta de algo semelhante aos atos institucionais e, em especial, no nº 5, peça para que ele se cale e vá fazer algo melhor da vida.
Gustavo Bebianno
Assisti à participação de Gustavo Bebianno no programa Segunda Chamada do canal de notícias MyNews. Está disponível no Youtube. Bebianno, fiel escudeiro de Jair Bolsonaro durante a campanha e a transição, foi defenestrado nos primeiros meses de governo, depois de se desentender com os filhos do presidente.
Não é possível concordar com tudo o que ele fala. Mas é preciso reconhecer que Bebianno é coerente em suas ideias e durante a entrevista se mostrou aberto à discuti-las, respeitando sempre interlocutor. Disse algo que já me ocorria e que me parece bastante pertinente: o presidente e seus filhos são deslumbrados e imaturos. Talvez por isso tenha sido demitido precocemente.