Emoção, lágrimas e palmas marcaram as homenagens a seis das nove vítimas da tragédia na Gruta Duas Bocas, no município de Altinópolis, que foram veladas no Ginásio de Esportes Marinheirão na última segunda-feira, 1º de novembro. Celso Galina Júnior, José Cândido Messias da Silva, Elaine Cristina de Carvalho, Rodrigo Triffoni Calegari, Jonatas ítalo Lopes e Jenifer Caroline da Silva. Os outros três mortos no acidente, Natan de Souza Martins, Ana Carla Costa Rodrigues Barros e Débora Silva Ferreira, foram velados em Altinópolis, Sales Oliveira e Monte Santo de Minas, respectivamente, por decisão de seus familiares.
O desmoronamento da laje da gruta ocorreu no início da madrugada de domingo, 31 de outubro, quando 28 bombeiros civis faziam treinamento. Do grupo, 18 conseguiram sair e pediram ajuda. Uma vítima foi socorrida com vários ferimentos e passa bem. Foi necessária escavação para retirar os nove corpos.
Após duas horas restrito a familiares, o velório coletivo foi aberto ao público às 10h30. Houve um ato ecumênico e três salvas de palmas. Às 15h03, os caixões começaram a ser retirados sob forte comoção. Ao longo do dia, centenas de pessoas de todas as idades passaram pelo ginásio. No Cemitério da Saudade, os bombeiros civis ficaram perfilados para a última homenagem aos amigos e parceiros de trabalho.
Entre os mortos estavam instrutores e membros da escola de formação de bombeiros civis que tanto têm contribuído com a comunidade batataense ao longo dos últimos anos. O comandante geral de operações dos Bombeiros Unidos sem Fronteiras, Bolívar Fundão Filho, lembrou que quem faz resgate deve se preparar para qualquer situação de emergência. No caso da gruta, ela era usada para treinamento há quase dez anos. “Desastres acontecem em cavernas justamente como ocorreu. Se você não treinar o mais próximo da realidade, como você vai saber agir?”, ressaltou.
A operação de resgate
O coronel Alexandre Romanek, coordenador da Defesa Civil do Estado de São Paulo, relatou que as condições dificultaram o resgate. “O local é de difícil acesso e foi preciso até a utilização de radioamadores para comunicação das equipes. Além da presença do helicóptero Águia da Polícia Militar e 75 pessoas trabalhando”, informou. A operação de resgate durou mais de 20 horas e localizou 16 pessoas na gruta, sendo que nove delas – 5 homens e 4 mulheres – morreram devido ao soterramento.
Especialista explica que chuva pode ter causado desmoronamento
Para tentar explicar as causas do acidente, ouvimos a bióloga Maria Elina Bichuette. Segundo a especialista em cavernas, as fortes chuvas que caem sobre a região podem ter sido em parte responsáveis pelo desmoronamento. “As rochas da gruta de Altinópolis são de arenito, que é mais passível de encharcar com as chuvas, o que pode ter colaborado para o desplacamento do teto. São rochas que soltam mais areia e sedimentos. Tempo chuvoso é sinal de alerta, por isso, evitamos entrar nas cavernas nos períodos de chuva”, disse. Ainda, de acordo com a especialista, desmoronamentos podem acontecer ao acaso, como mudança de relevo, o que é normal , e frisou a importância do espeleorresgate, resgate que consiste no processo de retirada de uma maca de dentro de uma caverna, requerendo uma equipe bem qualificada e equipada. “Todas as cavernas têm risco e muitas são visitadas por turistas. Existem grupos trabalhando com espeleorresgate para evitar tragédias como essa.”
Quem eram as vítimas do acidente:
Ana Carla Costa Rodrigues de Barros, 28 anos de idade, bombeira civil natural de Sales Oliveira. Morava em Batatais com Celso Galina Júnior, outra vítima do acidente.
Celso Galina Júnior, 30 anos, instrutor de bombeiro civil, delegado regional da Organização dos Bombeiros Unidos Sem Fronteiras.
Débora Silva Ferreira, 24 anos, agente operacional dos bombeiros civis. Foi velada em Monte Santo de Minas onde possui familiares.
Elaine Cristina de Carvalho, 42 anos, agente operacional dos bombeiros civis, casada com José Cândido Messias da Silva, também morto na tragédia.
Jennifer Carolina da Silva, agente operacional dos bombeiros civis. Tinha 25 anos.
Jonatas Ítalo Lopes, 28 anos, agente operacional dos bombeiros civis e trabalhava como caldeireiro em uma empresa de estruturas metálicas.
José Cândido Messias da Silva, 53 anos, agente operacional dos bombeiros e motorista por profissão.
Natan de Souza Martins, 18 anos, agente especialista dos bombeiros civis. Atuava também como DJ em festas e eventos na cidade. Frequentou o curso de mergulho subaquático em oceano recentemente, com boa avaliação.
Rodrigo Triffoni Calegari, 33 anos. Oficial de 1ª classe dos bombeiros civis. Sempre a disposição, tinha uma atuação destacada em ocorrências de incêndios.
‘O legado dos nove!’
O presidente da BUSF-Brasil, Bolívar Fundão Filho, emitiu uma nota sobre o momento difícil e o que fica de legado: “Todos esses homens e mulheres possuíam seus valores, seus sonhos, seus ideais, sua maneira de entender o espaço social em que viviam. Por essa razão se comprometiam a fazer o que muitos sequer têm coragem. Arriscarem-se a salvar vidas. Bombeiros civis voluntários que de coração transformavam seu tempo livre em uma missão. A missão simples de ajudar alguém, um desconhecido, um animal, um idoso, uma criança, uma empresa, uma comunidade. Todos esses nove, sem exceção, tinham dentro de seus corpos uma jóia raríssima de se encontrar atualmente, uma jóia que nós, dentro de nossas organizações de Bombeiros, denominamos ‘coração de bombeiro’. Passamos a ver nos últimos dias nas mídias sociais muitos especialistas em resgate em cavernas realizando suas postagens, com vários intuitos. Alguns até bem-vindos, outros, entretanto sem nenhum fundamento, conhecimento de causa, empatia pelo momento ou interesse pelo bem da classe profissional, pessoas apenas querendo mostrar que são melhores que outras, apontando dedo ou fazendo especulações que não lhe cabem. Queremos deixar claro aqui que o legado desses nove bombeiros continua. Que o que sonhavam conosco será realizado, que aquilo pelo o que lutavam será a luta de todos os nossos membros da BUSF e acredito que muitos bombeiros e bombeiras civis, voluntários, municipais, estaduais, militares, seja lá que denominação, queiram colocar após a palavra bombeiro. Nós da BUSF nunca diferenciamos, para todos nós basta apenas a palavra bombeiro. Nada, ninguém ou nenhum pseudo-especialista, seja de que organização for, pública ou privada manchará a dignidade a hombridade o destemor, a coragem, a garra a perseverança, os dias de estudo e treinamento desses nove bombeiros, faremos o que for preciso contra esses que se julgam melhores que os nove que perdemos. Agradecemos a todos os membros da BUSF que se deslocaram a Altinópolis – SP para colaborar no resgate de nossos irmãos de farda, para atenção que conseguimos dar aos familiares, agradecemos a todos que conosco estão sofrendo a perda desses 9 bombeiros, agradecemos a todas as mensagens de conforto que tem nos chegado dos mais distantes países em que temos representações e daqueles que não. Hoje ouvimos pessoas dizendo que esse tipo de treinamento que realizavam não era da competência de bombeiros civis. Eu digo: Não só esse, mas como muitos outros mais arriscados ainda são sim da alçada de quaisquer bombeiros, pois apesar de quererem dizer as nossas competências, a legislação já é muito clara em nos dizer isso. E aqui nos colocamos o direito de apresentar a definição de bombeiro civil em acordo com a legislação existente hoje no Brasil. (Descrição Sumária – Previnem situações de risco e executam salvamentos terrestres, aquáticos e em altura, protegendo pessoas e patrimônios de incêndios, explosões, vazamentos, afogamentos ou qualquer outra situação de emergência, com o objetivo de salvar e resgatar vidas; prestam primeiros socorros, verificando o estado da vítima para realizar o procedimento adequado; realizam cursos e campanhas educativas, formando e treinando equipes, brigadas e corpo voluntário de emergência). Sendo assim, para que possamos executar tudo acima descrito, temos sim de nos capacitar em tudo isso e muito mais. Não queremos entrar em discussão e desgaste com ninguém, mas estaremos atentos e se precisar atuar, atuaremos de maneira objetiva, dura e dentro da Lei. Hoje, apesar de nossa grande perda, estamos mais fortes. Estaremos levando sempre adiante ‘o legado dos nove’. Não Existem Fronteiras, quando trabalhamos juntos, por um mesmo ideal!”, finalizou.
Luto oficial
Desde a tragédia da chacina de Batatais, que ocorreu em 26 de maio de 2002, quando cinco pessoas da mesma família foram mortas de forma cruel, o município não passou por dias de tanto sofrimento. A população ficou de luto e chocada com a morte de pessoas conhecidas e queridas por todos, especialmente por se tratar de bombeiros civis, que estão sendo a disposição para ajudar.
As prefeituras de Batatais e Altinópolis decretaram luto oficial em sinal de profundo pesar pelas vítimas. A Câmara de Batatais também ficou com suas dependências de luto. “Pessoas da nossa comunidade, em treinamento para salvar vidas, são vitimadas de forma tão cruel, levando um pedacinho de cada um de nós, que respeitamos, acreditamos e valorizamos o trabalho abnegado dos bombeiros civis. A cidade está em luto e a Câmara também em suas dependências”, destacou o presidente Julio Eduardo Marques Pereira.
Prefeitura de Altinópolis fecha gruta do Itambé e pede vistoria
A Defesa Civil informou ainda na segunda-feira, 1º de novembro, que interditou a propriedade particular no ponto que dá acesso à gruta Duas Bocas, para evitar novos acidentes. Segundo a Prefeitura de Altinópolis, o local é de uso particular e não é considerado ponto turístico da cidade, em razão do difícil acesso.
A Prefeitura fechou também a gruta de Itambé, ponto turístico e a única da cidade que é aberta para a visitação do público. Segundo a administração municipal existem 19 grutas na cidade e a maioria fica dentro de propriedades particulares. A gruta de Itambé só será reaberta depois que um geólogo fizer uma vistoria e garantir que o local oferece segurança.