Na campanha eleitoral presidencial de 2019, o então candidato Jair Bolsonaro prometia, geralmente sob aplausos, a liberação da posse de armas a todos os brasileiros “de bem”, popularizando com suas próprias mãos, o gesto de uma arma apontada para cima, para o delírio de seus seguidores. O gesto foi repetido por eleitores e políticos do partido à exaustão, como um símbolo contrário ao Estatuto do Desarmamento. Seria óbvio que a promessa se tornasse realidade, o que ocorreu, com rapidez, mas de maneira ainda mais radical do que o prometido com a publicação do Decreto nº 9.785, que regulamenta a posse, o porte e o comércio de armamentos, sendo este mais amplo do que imaginavam até mesmo os apoiadores do capitão reformado.
Primeiramente, na minha opinião e na de uma série de bons gestores em segurança pública, simplesmente liberar a utilização de armas não é política de segurança. Esse deve ser o primeiro ponto a ser observado, antes de qualquer posicionamento a favor ou contra a posse e porte de armas. Até porque ter uma arma na mão não garante segurança a ninguém.
O Decreto possui pontos até razoáveis, como a flexibilização da posse para moradores de propriedades em áreas rurais, que se encontram distantes da proteção policial do Estado, e hoje enfrentam uma realidade de violência e roubos sem precedentes em nossa história. O diagnóstico dessa realidade tem uma raiz óbvia em nosso país: o aumento da criminalidade recorrente e impune. O cidadão “de bem”, desarmado que está, tornou-se vítima fácil dos criminosos, que se aproveitam da ineficiência de nosso sistema punitivo para institucionalizar a criminalidade. Nessa realidade, os argumentos de quem defende o Decreto em questão, ganha enorme sentido, uma vez que em um claro contexto em que a violência tem raiz na forte criminalidade habitual, o direito de acesso às armas passa a ser um aliado para a sua contenção, criando no delinquente um fator de inibição às suas investidas, afinal, se o Estado não consegue impor temor suficiente no criminoso pelas punições que lhe cabe aplicar, torna-se adequado que este receie, ao menos, a possibilidade de reação de suas vítimas.
É aí que mora o perigo.
O Decreto é muito subjetivo quando detalha critérios para autorização e fiscalização da posse da arma de fogo, bem como deixa em aberto questões como: Qual a necessidade de se obter uma arma de fogo, o objetivo da aquisição e os parâmetros técnicos e psicológicos necessários para que seja utilizada de forma correta? Com base em quais critérios será estabelecida a quantidade por pessoa? E o perigo do desvio desse material, que pode ir parar nas mãos de criminosos? Quem vai se responsabilizar por todos esses riscos? Será que todos têm estrutura psicológica para portar de maneira sóbria uma pistola p.44 diante das adversidades do dia a dia?
Ou seja, uma coisa é permitir a possibilidade de ter uma arma, mas com requisitos técnicos bem definidos, com a demonstração clara e objetiva da necessidade da utilização. Outra é admitir que qualquer cidadão adquira a sua e faça uso. Isso, na minha opinião, poderá trazer ainda mais insegurança para a população, que ficará ainda mais exposta. Não há dúvidas de que essa permissividade indiscriminada é uma tragédia anunciada.
A questão da segurança pública é grave e urgente, precisa ser amplamente debatida e deve envolver toda a sociedade, sem que nos deixemos levar por argumentos emotivos. Não se resolve problemas complexos com respostas simples.