Reitero a citação de Guimarães Rosa:
“O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem.” Vivemos no mundo capitalista, onde quase tudo é mercantilizado, quase tudo é expresso em valor financeiro, poucas coisas não o são. Até pessoas são mercantilizadas, são vendidas, são compradas, por definitivo ou por tempo determinado. O trabalho humano e animal são convertidos em valores monetários, recursos naturais também o são, o talento que uma pessoa possui e que a outra não o possui, é vendido ou tomado por tarefa ou tempo, mediante pagamento. São poucos e singelos exemplos.
O mundo capitalista é envolto de uma ideologia que tenta torná-lo menos cruel, dependendo de como e com que intenção é apresentado e imposto. Diz-se que através do capitalismo, maior número de pessoas foram incluídas nas relações pessoais e profissionais. É comum o ditado: “no capitalismo, as distâncias foram encurtadas”. Desejam que as pessoas pensem que todas as outras, independente de suas condições, possuem poder aquisitivo para o ir e vir, para a compra de passagens rodo ou ferroviárias, fluviais e aéreas. É inegável que houve uma melhora, mas estamos distantes do ideal da inclusão de todos os humanos em condições dignas, como as constituições nacionais registram e prometem garantir.
Os países de primeiro mundo e também os países de terceiro mundo ou também chamados de países periféricos, possuem meios de comunicação de massa (MCM) e aparelhos ideológicos do Estado (AIE) que existem com diversos objetivos, um deles, propagar que vivemos tempos melhores, que o Estado faz a sua parte e que cabe aos cidadãos, principalmente aos que pertencem a classe que vive do trabalho, fazer a sua parte. Trabalhar mais e cada vez mais de maneira a conseguir melhorar suas situações individuais. Sabemos que infelizmente o progresso da sociedade e a situação individual de cada um não depende apenas do esforço individual. Vivemos dias difíceis, a maioria dos trabalhadores, mesmo trabalhando a carga horária prevista em nossa Consolidação das leis do trabalho (CLT), mesmo fazendo bicos, com vistas a aumentar o orçamento mensal familiar, mesmo tentando cortar gastos, economizar aqui e ali, mesmo assim, a maioria passa por apertos financeiros. Essa realidade tira o sossego das pessoas, da família como um todo e gera situações de estresse, ansiedade e desequilíbrio psíquico e físico.
A vida neste século é naturalmente diferente dos séculos anteriores. É possível afirmar, ser muito, muito diferente! Há uma cobrança enorme e em vários aspectos sobre as pessoas. Independentemente de suas condições sociais, econômicas, culturais e ambientais, ou seja, como vivem, essas cobranças não levam em conta as diferenças de uns e de outros e cobram todos como se vivessem de forma semelhante. Vejamos: as pessoas precisam estudar, trabalhar, possuir bons salários, morar em locais bons, manter seus dependentes de forma digna, ter acesso a serviços de saúde, educação, segurança e lazer, ter boa saúde física e mental e a indispensável boa aparência, como se para tanto, fosse suficiente o salário mínimo vigente de R$ 998,00. Cada família é composta, em média, por quatro pessoas, como então a manutenção de uma vida digna? Para a Constituição federal, somos cidadãos, todos nós brasileiros. Esse peso e esta “conta que não fecha”, pesa e muito sobre a cabeça do responsável pela família, seja: pais, pai, mãe, avós ou outros que assumiram esse encargo.
Até aqui fizemos uma parte introdutória para que possamos tratar do tema “Saber viver a vida”.
Retomando a frase de Guimarães: “O que ela [vida] quer da gente é coragem.” Não se trata apenas de coragem, o que a vida exige do cidadão comum, não do rico, mas daquele que “pertence a classe que vive do trabalho”, a nosso ver, é uma capacidade para melhorar suas condições materiais, um equilíbrio emocional para lidar com as intempéries diárias, um jogo de cintura para driblar as dificuldades não só materiais, uma condição para tentar manter a família agregada, o casamento ou a união estável, ou qualquer tipo de relacionamento social, afetivo e de trabalho que não é fácil, quase impossível.
A família que era tida como a “base de tudo”, “a base da sociedade”, em grande parte, ela própria está vulnerável, com necessidades materiais e imateriais, precisando de atenção e cuidados. Por isso, desaconselhamos a utilização do termo “famílias desestruturadas”. O correto é : famílias vulneráveis.
O mundo capitalista é repleto de produtos materiais e imateriais que são vendidos ou comercializados e que prometem aos necessitados, “a cura rápida”, “o milagre necessário”. São inúmeros produtos: viagens que prometem o reencontro consigo e o autoconhecimento, cursos e especialistas, livros, palestras, cursos para tornar-se coaching, assessores e consultores dispostos a atender, quase nada a partir de gratuidade. Para endividados, mais dívidas, mais alternativas, mais promessas, tudo mais, superficial e incapaz de alterar a realidade.
Reconhecemos que essa pessoa por necessidade, busca experimentar o que lhe é oferecido. Há o ditado: “para quem está se afogando, qualquer toco ,pedaço de pau, serve”. A vítima, por sua necessidade e busca, vitimizará-se ainda mais e mais… Neste país temos educação cara, saúde de qualidade cara, remédios caros, tabaco caro – mas existem os contrabandeados, a menor custo, bebidas alcoólicas de péssima qualidade a preços acessíveis…. Muito difícil para esse ser humano manter o próprio equilíbrio emocional.
Poderá existir a pergunta: e Deus? pergunto: acha que é comum que as famílias contemporâneas – as nossas próprias, reunirem-se, como no passado e irem às igrejas, templos, seitas e terreiros, ou mesmo em um local simples da casa? Você vê como frequente o diálogo entre casal e desses com os filhos? Essa dilaceração dos vínculos familiares e da forma como hoje acontece o dia-a-dia, favorece que o difícil ou a dificuldade, torne-se ainda mais difícil. É muito triste essa realidade e o fato de que infelizmente para número crescente de pessoas, a morte mediante suicídio, infelizmente lhes pareça uma alternativa positiva e possível.
Valorizamos a família, a vizinhança, a comunidade, a possibilidade de auxílio recíproco entre os que precisam de carinho, afeto e também de coisas materiais. Essa reflexão é trazida para que possamos em nossas casas, em nosso bairro, em nosso trabalho, em nossa cidade, multiplicar bons exemplos existentes de “ajuda ao próximo”, merecedores de reconhecimento e aplausos.
Também como vivemos em um mundo globalizado, o pensamento e as ações são imaginadas mediante grande porte. Proponho que façamos o inverso, pensemos pequeno, iniciemos em nossa casa, consigo, com esposa (o), companheiro(a), filhos e agregados. Incentivemos mediante exemplo a prática da troca, da ajuda, deixemos em segundo plano de importância os bens materiais, priorizemos o simples, o belo, em todos os sentidos.
É possível que ao pararmos para refletir sobre nossos pais, avós, bisávos, na maioria dos casos, estudaram por menos tempo que nós, possuíam menos recursos materiais e financeiros e demonstrações diárias de sabedoria, não aprendida em bancos escolares. Valorizavam o pouco que tinham, curtiam mais os dias e o passar do tempo, discutiam menos e queriam ter menos razão, eram mais alegres, penso que eram também mais felizes, eram humildes e queridos por seus maridos, esposas, filhos, parentes e conhecidos.
Pedimos a você, que não tenha entendido, que promovemos generalizações [tanto para o bem, quão para o mal], nosso papel e desejo é de provocar reflexões, chamá-los a tentar melhorar a qualidade de vida: a paz mundial tem início nos lares.
Viver é importante, tão mais importante é “saber viver”!
Pensemos nisso!