Dando continuidade ao relato sobre os fatos relacionados à Revolução de 1932 em nossa cidade e ao feriado estadual de 09 de julho, chamado de Dia da Revolução e do Soldado Constitucionalista, data que marca o início oficial do conflito armado de 32 entre as forças paulistas e as forças federais, informamos que em Batatais não foi composto nenhum batalhão ou companhia masculina específica para os campos de batalha, no entanto, foram conseguidos voluntários para a Legião Negra e para formação de um pequeno grupo de voluntários batataenses, que foram chamados localmente de “Batalhão Batataense”.
A formação do “Batalhão Batataense” deu-se no início de setembro e os voluntários foram treinados inicialmente pelo Tenente Antônio Juliano e posteriormente comandada pelo Capitão Oswaldo Pereira de Carvalho. Com a organização sistematizada dos voluntários, surgiu a Casa do Soldado de Batatais, com sede na Sociedade Recreativa 14 de Março, responsável por receber os diversos tipos de doações e por dar apoio ao soldado e respectivas famílias em suas necessidades. Para cuidar dos donativos tivemos uma comissão de jovens rapazes formada por Jácomo Campi, Atílio Lazzarini e outros, bem como as crianças do Batalhão Infantil do Grupo de Escoteiros local. O Grupo Escolar Dr. Washington Luís* e o Teatro São Carlos serviram de quartel para diversos tipos de combatentes: os voluntários do “Batalhão Batataense” que ainda não tinham seguido para os fronts de guerra, para os que faziam a vigilância das entradas do município, nos chamados “Postos de Guarda” e para os oficiais que vieram para Batatais sob o comando do Capitão Carvalho.
A proximidade geográfica com as fronteiras mineiras e com as frentes de combate “Leste ou Frente Mineira”, pois estávamos próximos a algumas regiões de conflito armado, como Santo Antônio da Alegria, Cobiça, Igarapava, Itirapuã, Rifaína e São João da Bela Vista e as constantes derrotas dos paulistas e tomadas desses territórios pelas tropas mineiras representando o Governo Federal, tornou possível a ideia de uma invasão das tropas federais em nossa cidade. Com isso, foi criado o que chamaram de “Postos de Guarda” no entorno da cidade. Foram formados cinco postos: o Posto Cruzeiro, no Alto da Bela Vista, o Posto Itararé, no Guaripú, o Posto do Cemitério, próximo ao Cemitério Municipal, o Posto Bury, na Porteira e o Posto Dr. Amador no caminho do Matadouro Velho. Alguns voluntários, soldados ou elementos do Tiro de Guerra nº 26 faziam turnos de vigia nesses pontos de entrada para a cidade.
As mulheres batataenses, como dito, se organizaram em comissões para arrecadação dos mais diversos tipos de produtos, confecção de diversas vestimentas e amparo às famílias dos “soldados da Lei e da Constituição”. As jovens e mulheres que participaram de forma ativa do movimento de que temos sabemos foram: Adelaide Moraes Tambellini, Adorama de Macedo Alves Pereira, Angelina Raimundo, Angelina de Mello, Alicinha Figueiredo, Antonieta Cinali Junqueira, Aurora Cinali Gomes, Belem Perez, Cândida Pimenta de Castro, Elisa Grellet Cardoso, Ercília de Barros, Erondina Cardoso, Glória Nogueira Lelis, Helena Teixeira Leite, Izaura Cursini, Josephina Ballirari, Josephina Simioni, Judith Nobre, Lucilla Junqueira Nogueira, Lydia Berger, Maria Abiathi, Maria Augusta Tambellini, Maria José Lellis Lima, Maria Marina Macedo, Maria Rita Cabral, Maria Rita Tristão, Maria Zenaide Arantes, Maricota de Lima Ordine, Nanci Marques, Odila Machado, Orsolina Raimundo, Sebastiana Nogueira, Sílvia Toledo Morais, Stella Tambellini, Yolanda Diniz Mascagni, Yolanda Gonçalves Nunes, Yollanda Tambellini, Wanda Diniz Mascagni, entre outras mulheres anônimas.
A municipalidade, representada pelo prefeito José Ordine, e membro ativo da Comissão do M.M.D.C. local, pelo que se sabe, contribuiu com o movimento racionando combustível, tabelando o preço e racionando os gêneros alimentícios, requisitando animais e automóveis e caminhões, dando instruções para a fabricação do “pão de guerra” (mistura de farinha de trigo a outras farinhas nacionais), proibindo a venda de bebidas alcóolicas e prendendo os chamados “boateiros” ou “derrotistas” mais inflamados. Na manutenção da ordem na cidade, o delegado da época, Dr. Rafael Di Lorenzo, contou, durante um período do movimento armado, com o policiamento dos membros do Tiro de Guerra nº 26.
Os padres locais rezavam missas em prol da vitória e saúde dos combatentes. O pároco Monsenhor Joaquim Alves Ferreira, inclusive, recebeu a visita em sua residência de autoridades, como a do ex governador do estado de São Paulo e batataense Dr. Altino Arantes**, que percorriam o estado chamando o povo a aderir à causa legalista com discursos acalorados para “a revolução por São Paulo e pelo Brasil!”, com um discurso com menções claras ao dever patriótico e ao espírito desbravador do povo paulista no conflito.
A historiadora estudiosa do tema, Dra. Karina Serrazes em suas pesquisas encontrou dados que o Ginásio São José distribuiu refeições, por um tempo, aos voluntários e manteve preso algumas poucas pessoas contrárias ao movimento constitucionalista, como foi o caso do prof. José Pimenta Neves (futuro interventor na cidade) e o prof. José Pinto de Carvalho. Além disso, os próprios alunos do Ginásio São José apoiaram a causa, com doação de cigarros e valores para a aquisição de capacetes.
O envolvimento dos diversos setores da economia local ficaram evidenciados, tivemos capitalistas, empresários, comerciantes e fazendeiros locais que arrecadaram e fizeram grandes doações de gêneros alimentícios e outros produtos, de cigarros e fósforos à binóculos, passando por colchonetes, garrotes, veículo, ouro e valores em espécie para a causa constituinte. Pelo que foi apurado, mesmo os colonos de fazendas, como os da Fazenda Macaúbas – principalmente colonos de origem japonesa – e os colonos das fazendas do Coronel Manoel Victor Nogueira, fizeram doações em gêneros alimentícios para a Cruz Vermelha e para os combatentes.
Logo no primeiros dias do conflito, a cidade de Batatais já enviou voluntários, em número de 12. Ao contrário do primeiro grupo de voluntários que partiu rumo aos campos de batalha de forma tímida e discreta, os demais grupos já partiram com entusiasmado apoio dos munícipes. Segundo pesquisado, a maioria dos combatentes batataenses fizeram parte do Batalhão D’Óeste (composto por voluntários das regiões de Cajuru, Ituverava, Ribeirão Preto e Bebedouro), mas tivemos, é certo, representantes incorporados em todos os batalhões e frentes de combate.
Dentre os voluntários de Batatais, ficou marcada a participação e morte prematura do médico, Dr. Amador de Barros Júnior, 1º. Tenente do Front “Zona de Itararé”, em 1º de agosto de 1932, vítima de um estilhaço de granada no tórax, ocorrida no momento em que socorria um soldado ferido. Este médico era proveniente de tradicional família mineira, solteiro e clinicava em Batatais.
As formas de se obter notícias do conflito, mesmo que escassas e distorcidas, foram por meio do rádio, das pessoas que chegavam ou passavam pelos trens da Companhia Mogiana, das notícias dos jornais que ainda conseguiam chegar das capitais paulista e federal, dos telegramas com comunicados e instruções do governo estadual, das cartas dos voluntários batataenses, algumas até publicadas pelos jornais locais da época e por fim, as notícias podiam chegar pelos próprios combatentes quando estes obtinham autorização e licença para visitar seus familiares na cidade.
As cartas publicadas eram na maioria das vezes dos combatentes locais. Essas cartas e também a maioria dos artigos dos jornais sobre o tema eram carregadas de um tom animador, patriótico quase ufanista do movimento armado e assim, omitiam os feridos, as baixas, as prisões e as derrotas das tropas pró Constituinte para não desanimar a população frente a causa e os possíveis futuros voluntários.
Não pense caro leitor, que o movimento foi unânime mesmo com o amplo envolvimento pró Constituição em nossa cidade. Os discursos e debates inflamados contra o movimento constitucionalista podem ser encontrados nos jornais da época existentes no Museu. Para a maioria das pessoas contra o levante constitucionalista indicava para desmoralizar o movimento que este tinha cunho partidário, elitista e mesmo separatista. Em Batatais, ficou bem conhecido o caso do jornalista Nelson Freire Viana, um dos proprietários do jornal “A Tribuna de Batataes”, que foi acusado de ser contrário aos ideais constitucionalistas, chegando inclusive a ter seu nome excluído do quadro de associados da SR 14 de março.
Pouco sabemos do paradeiro dos combatentes constitucionalistas de Batatais, muitos de acordo com os jornais, retornaram à cidade e às suas atividades laborativas. Não temos informações concretas sobre o número de voluntários – em torno de 150 –, o número de baixas e de feridos residentes ou nascidos em Batatais. Sabemos apenas que ao final do conflito alguns combatentes locais estavam presos e foram sendo liberados aos poucos. Na Ilha das Flores (RJ), segundo consta, tínhamos um total de 15 combatentes locais mantidos prisioneiros, dos quais conseguimos apurar três nomes: Dante Faggioni, Eurico Pereira e Sebastião de Oliveira.
Batatais não foi campo de batalha no conflito de 32, no entanto, a rotina da pacata cidade foi alterada com o trânsito constante de soldados, cavalaria, automóveis e caminhões pró Constituinte para as cidades próximas às fronteiras mineiras em combate.
Tivemos também a nossa cidade ocupada por tropas mineiras, quase ao fim do movimento, em setembro, comandadas pelo Tenente Ilcon Cavalcanti, que teriam ficado aquarteladas no prédio da Fórum e Cadeia, atual Centro Cultural Sérgio Laurato e/ou no Grupo Escolar Dr. Washington Luís. Nos relatos coletados pela historiadora Karina Serrazes, a chegada das tropas inimigas era certa, com isso, a maioria da população aterrorizada já havia deixado a cidade às pressas quando da invasão, indo para as fazendas próximas. Mesmo que amedrontadas, segundo consta, não houve nenhum tipo de ação que desabonasse as tropas legalistas de Vargas em Batatais. A presença das tropas mineiras teria sido rápida, ficaram por poucos dias na cidade, e pacífica, embora a tensão pairasse.
A rendição paulista ocorreu poucos meses depois do início do conflito armado, no dia 03 de outubro de 1932. Segundo propagou-se, o povo do estado de São Paulo perdeu militarmente para o governo federal, porém teria saído vitorioso moralmente pelos ideais e grandeza (supostamente) conquistados e demonstrados. Afinal, conforme ficou instaurado os ideais da lei, de civismo, de direito, de liberdade foram alcançados pelo “bravo povo paulista”.
O Museu Histórico e Pedagógico “Dr. Washington Luís” e o Centro de Documentação da 2ª Guerra Mundial “Cap. Enf. da FEB Altamira Pereira Valadares” possuem alguns objetos e fardamento do conflito, além de panfletos pertencentes ao fundo José Arantes Junqueira e os jornais locais da época.