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Rede fake

As redes sociais deram o direito à palavra a legiões de imbecis que, antes, só falavam nos bares, após um copo de vinho e não causavam nenhum mal para a coletividade”. Essa frase foi dita pelo filósofo, linguista e um dos maiores escritores de todos os tempos, o italiano Umberto Eco (“O Nome da Rosa”, “O Pêndulo de Foucault”), meses antes de sua morte, em 2016, e carrega uma série de reflexões à respeito das consequências de um grande mal das redes sociais: a ausência de uma regulamentação eficaz.
De forma resumida, a indignação do escritor (e preocupação também), residia principalmente no fato de, quando um absurdo completo, sobre qualquer assunto, fosse defendido em uma roda de conversa regada a cerveja na festa de aniversário do seu cunhado, o debate iniciava ali, era esclarecido pela “turma da mediação” (geralmente os mais sóbrios) e terminava minutos depois, sem nenhuma consequência maior para ninguém ou para a coletividade… e a vida seguia.
Hoje, no ambiente selvagem chamado de “Redes Sociais”, o vale tudo para conseguir likes e seguidores acabou com quase todo o bom senso e com o compromisso com a verdade. Uma informação infundada postada e compartilhada nesses ambientes digitais, sem que haja nenhuma checagem prévia básica no Google, por exemplo, tem o poder de, em apenas algumas horas, acusar, julgar e punir um inocente. Depois do estrago feito, fica difícil (por vezes impossível), ressarcir o dano causado.
A impressionante capilaridade das redes sociais hoje existentes, muitas interligadas, conferem uma velocidade gigantesca para a disseminação de qualquer informação, e quando se trata de informação falsa, os efeitos nocivos podem ser irreparáveis, e por vezes, somente a exigência de um desmentido por parte de quem a criou e divulgou a notícia, certamente não será suficiente para corrigir os danos causados. E a origem desse problema reside em especial na legislação que disciplina essa forma específica de postagem em nosso país. Esse regramento ainda engatinha por aqui, e não tem mecanismos corretivos e fiscalizatórios tão rápidos quanto a velocidade de uma notícia falsa. Para a responsabilização de quem espalha fake news ser eficiente é necessário leis mais duras, e que atuem no ponto mais sensível do infrator: o seu bolso.
Outra questão que deve ficar claro, é que a responsabilização civil e penal, quando o caso, não deve recair apenas àquele que gera a fake news, mas, em menor potencial, também àqueles que repassam e ajudam a circular uma informação que pode prejudicar a imagem de outro, seja uma pessoa física, uma empresa, um órgão governamental, uma instituição, uma classe de trabalhadores, etc.
O que assistimos hoje, são postagens irresponsáveis de fatos que, num primeiro momento podem parecer irregulares ou ilegais para qualquer leigo, e que imediatamente gera uma imensidão de comentários preconceituosos, de ódio, com deduções esdrúxulas e sem sentido, muitas vezes incitando a prática de atos violentos. Mas estes “juízes do FacebooK” não se preocupam em considerar que atrás daquela publicação existe a versão da parte contrária, e que aquele fato pode ter uma explicação coerente e plausível, que não foi incluída no momento da divulgação da fake news. Afinal de contas, o que é certo para um, pode ser errado para outro.
Em 5 de maio de 2014, na cidade de Guarujá, litoral de São Paulo, Fabiane Maria de Jesus, uma jovem mãe dona de casa de 33 anos, foi espancada até a morte por dezenas de moradores do bairro onde residia, ao ser confundida com uma suposta sequestradora de crianças que praticava rituais de magia negra, em virtude de um boato gerado por uma página de uma rede social que afirmava que a dona de casa sequestrava crianças para utilizá-las em rituais de magia negra. Horas depois, descobriu-se tratar-se de uma fake news. Mas já era tarde!