Nossa turma era da Geração Chuchu.
A Geração Chuchu correspondia ao que é hoje digamos, a geração videogame. Só que em vez de videogame todo mundo tinha um pé de chuchu no fundo do quintal.
Como havia no quintal também quase sempre uma galinha poedeira, era comum preparar para a mistura do almoço um refogadinho de chuchu com ovo. Isso, e mais um arroz solto e um feijão temperado com courinho de porco, estava feita a felicidade da classe média;
A princípio nossa turma da geração Chuchu não dava a menor bola para o colesterol. Mas quando a cidade acabou com os quintais e as latadas de chuchu, e apareceram os primeiros triglicérides e sinais de hipertensão, a turma achou melhor suspender o courinho de porco e ficar apenas com o chuchu, o qual aliás, é ótimo para controlar pressão arterial, segundo dizem.
O problema é que o chuchu passou a ter cotação na bolsa e a ser vendido por quilo ou em bacia. Para complicar mais as coisas, o Governo acusou o chuchu de provocar a inflação no país.
A turma tomou aquilo como ofensa pessoal e decidiu combater a inflação e ao mesmo tempo desagravar o chuchu passando a adquiri-lo diretamente no Ceasa. Nasceu daí uma espécie de cooperativa entre amigos de infância. Do grupo faziam parte dois advogados, um administrador de empresas, um aposentado jogador de dominó e este especialista em chuchu com ovo. A rigor tratava-se de uma tribo urbana, sem maior experiência em compras domésticas; mas o esquema bolado era tão simples que as mulheres foram deixadas fora do circuito. Os homens é que se incumbiam de abastecer a despensa de chuchu e produtos conexos.
Todo sábado de madrugada a turma pulava da cama, bebia um ligeiro café de garrafa térmica e subia numa Kombi estremunhando de sono, mas animada. No entreposto, dividia-se como escoteiro. Um seguia para o setor de verduras; outro ia atrás. dos legumes; outro procurava os pavilhões de frutas; outro caçava cebola, alho, até pescado. E, claro a turma sempre se lembrava do chuchu. As compras eram feitas no atacado. Juntadas as mercadorias num lote único, procedia-se à divisã, equânime e solidária, rateando-se as despesas. Como não havia determinação rigorosa do que cada um comprar, o elemento surpresa acabava sendo um dos atrativos da excursão. A variedade dos produtos dependia de critérios pessoais, da inspiração, da oportunidade do preço.
O Diniz por exemplo, que acabara de inaugurar seu novo escritório de advocacia, jamais havia provado jaca na vida, e talvez nunca o fizesse não fosse Bráulio, o jogador de dominó., ter tido a ideia de arrematar meia carreta da fruta – metade da qual acabou por estragar-se.
Infelizmente era impossível evitar alguns exageros. Na safra de jabuticaba, graças a um erro de cálculo do Araponga, fomos obrigados a passar semanas engolindo sucos, licores e refrescos de jabuticaba da manhã à noite, sem falar na tortas de jabuticaba de sobremesa e na geladeira de jabuticaba do desjejum. O próprio Diniz querendo mostrar eficiência e colaboração, adquiriu sem o menor cabimento duas caixas de jiló, dos graúdos, e ao ser acremente recriminado desculpou-se esfarrapadamente, alegando que jiló estimula funções biliares. Contudo apesar desses senões, jamais se permitiu que tais incidentes interferissem na solidão amizade do grupo.
Mesmo no caso do nabo.
Certa madrugada de compras, o Onisvaldo, por sinal um reputado civilista, se embarafusa atrás da montanha de repolhos e couves-flores e, após quase meia hora, reaparece sorridente e fagueiro, trazendo a reboque um carregador com boné empurrando um carrinho com rodas de borracha. Sobre o carrinho, vinha um soberbo saco de nabos, para mais de 50 quilos de nabos.
A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são 6 horas: há tempo…
Quando se vê, já é 6ª-feira…
Quando se vê, passaram 60 anos!
Agora, é tarde demais para ser reprovado…
E se me dessem – um dia – uma outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio
seguia sempre em frente…
E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.