Bolsa do Povo Educação: será a solução para a evasão escolar?
O governador João Dória e o secretário de educação Rossieli Soares anunciaram, no último dia 19, uma bolsa para os alunos do ensino médio que estão em situação de vulnerabilidade de mil reais ano para tentar acabar com a evasão escolar – que já era grande antes da pandemia – e deve aumentar, pois segundo dados da própria coletiva do governador para anunciar o Programa Bolsa do Povo Educação, baseado em dados da Unicef, somente em 2020, 5,1 milhões de crianças e jovens, em idade escolar, abandonaram a escola.
Infelizmente os números devem aumentar, porque, em agosto de 2021, muitas crianças e adolescentes ainda não estão frequentando a sala de aula na rede pública devido ao agravamento da situação sanitária que tivemos no primeiro semestre que levará a consequências econômicas e sociais e aumentarão as desigualdades sociais e ampliarão as dificuldades educacionais de nossos alunos.
O exemplo de São Paulo é louvável, pioneiro no Brasil, mas não deve resolver o problema da evasão escolar que já assola o país há anos e apresenta diferentes causas: falta de transporte, necessidades especiais, gravidez e maternidade, violência, pobreza e trabalho.
Além disso, há também os fatores que estão dentro das próprias escolas: a dificuldade de aprendizagem; a falta de significado e flexibilidade no currículo – que começa a ser pensada com a proposta dos itinerários formativos previstos no Novo Ensino Médio – mas que precisa ter o jovem como protagonista do processo de escolha e as escolas estão enfrentando dificuldades nessa discussão pelo afastamento dos alunos devido à pandemia; a baixa qualidade da educação de anos e a formação do professor que precisa ser revista pelas faculdades. Fora tudo isso, ainda falta a valorização da educação pela família, pelos alunos e pelo próprio governo.
Com a oferta da bolsa aos alunos em situação de vulnerabilidade, o governo aponta o dedo apenas para um problema e tenta minimizá-lo, porém a discussão deve ser maior, é preciso investigar, planejar em cada comunidade escolar, com a presença de lideranças de todos os atores da escola, rodas de conversa para entender o processo de evasão e juntos propor soluções a curto, médio e longo prazo, depois que a própria comunidade debater quais são as causas do abandono escolar que variam de escola para escola.
Fica a Dica!
O conto abaixo faz parte da obra de Clarice Lispector, foi publicado no livro Laços de Família –publicação de 1960 pela editora Francisco Alves. Quando da publicação do livro, a maioria dos contos já haviam sido publicados em outro livro de 1952, Alguns Contos, ou na imprensa brasileira, principalmente na Revista Senhor.
A obra de Clarice é marcada por aspectos sombrios e abstratos do mundo interior como a memória, a imaginação, o devaneio, a autoanálise, as crises de existência, ou seja, o fluxo da consciência. Mas, há também um lado exterior, menos significantes visto principalmente nos contos.
No conto Uma galinha temos um relato da fuga de uma galinha, como foi capturada pelo dono e o ovo posto por ela após a prisão. São fatos simples, mas que apresenta um significado que está sobreposto ao simples registro dos fatos, porque há no conto a denúncia da destruição da vida interior ocasionada pela mecanização imposta pelo nosso dia a dia, em que as atitudes humanas se determinam pelas necessidades práticas da vida.
Uma Galinha
Era uma galinha de domingo. Ainda viva porque não passava de nove horas da manhã.
Parecia calma. Desde sábado encolhera-se num canto da cozinha. Não olhava para ninguém. Ninguém olhava para ela. Mesmo quando a escolheram, apalpando sua intimidade com indiferença, não souberam dizer se era gorda ou magra. Nunca se adivinharia nela um anseio.
Foi pois uma surpresa quando a viram abrir as asas de curto voo, inchar o peito e, em dois ou três lances, alcançar a murada do terraço. Um instante ainda vacilou – o tempo da cozinheira dar um grito — e em breve estava no terraço do vizinho, de onde, em outro voo desajeitado, alcançou um telhado. Lá ficou em adorno deslocado, hesitando ora num, ora noutro pé. A família foi chamada com urgência e consternada viu o almoço junto de uma chaminé. O dono da casa lembrando-se da dupla necessidade de fazer esporadicamente algum esporte e de almoçar vestiu radiante um calção de banho e resolveu seguir o itinerário da galinha: em pulos cautelosos alcançou o telhado onde esta hesitante e trêmula escolhia com urgência outro rumo. A perseguição tornou-se mais intensa. De telhado em telhado foi percorrido mais de um quarteirão da rua. Pouco afeita a uma luta mais selvagem pela vida a galinha tinha que decidir por si mesma os caminhos a tomar sem nenhum auxílio de sua raça. O rapaz, porém, era um caçador adormecido. E por mais ínfima que fosse a presa o grito de conquista havia soado.
Sozinha no mundo, sem pai nem mãe, ela corria, arfava, muda, concentrada. Às vezes, na fuga, pairava ofegante num beiral de telhado e enquanto o rapaz galgava outros com dificuldade tinha tempo de se refazer por um momento. E então parecia tão livre.
Estúpida, tímida e livre. Não vitoriosa como seria um galo em fuga. Que é que havia nas suas vísceras que fazia dela um ser? A galinha é um ser.É verdade que não se poderia contar com ela para nada. Nem ela própria contava consigo, como o galo crê na sua crista. Sua única vantagem é que havia tantas galinhas que morrendo uma surgiria no mesmo instante outra tão igual como se fora a mesma.
Afinal, numa das vezes em que parou para gozar sua fuga, o rapaz alcançou-a. Entre gritos e penas, ela foi presa. Em seguida carregada em triunfo por uma das asas através das telhas e pousada no chão da cozinha com certa violência. Ainda tonta, sacudiu-se um pouco, em cacarejos roucos e indecisos.
Foi então que aconteceu. De pura afobação a galinha pôs um ovo. Surpreendida, exausta. Talvez fosse prematuro. Mas logo depois, nascida que fora para a maternidade, parecia uma velha mãe habituada. Sentou-se sobre o ovo e assim ficou respirando, abotoando e desabotoando os olhos. Seu coração tão pequeno num prato solevava e abaixava as penas enchendo de tepidez aquilo que nunca passaria de ser um ovo. Só a menina estava perto e assistiu tudo estarrecida. Mal porém conseguiu desvencilhar-se do acontecimento despregou-se do chão e saiu aos gritos:
__Mamãe, mamãe, não mate mais a galinha, ela pôs um ovo! Ela quer o nosso bem!
Todos correram de novo à cozinha e rodearam mudos a jovem parturiente. Esquentando seu filho, esta não era nem suave nem arisca, nem alegre nem triste, não era nada, era uma galinha. O que não sugeria nenhum sentimento especial. O pai, a mãe e a filha olhavam já há algum tempo, sem propriamente um pensamento qualquer. Nunca ninguém acariciou a cabeça de uma galinha. O pai afinal decidiu-se com certa brusquidão:
–Se você mandar matar esta galinha nunca mais comerei galinha na minha vida!
–Eu também! Jurou a menina com ardor.
A mãe, cansada, deu de ombros.
Inconsciente da vida que lhe fora entregue, a galinha passou a morar com a família. A menina, de volta do colégio, jogava a pasta longe sem interromper a corrida para a cozinha. O pai de vez em quando ainda se lembrava: “E dizer que a obriguei a correr naquele estado!” A galinha tornara-se a rainha da casa. Todos, menos ela, o sabiam. Continuou entre a cozinha e o terraço dos fundos, usando suas duas capacidades: a de apatia e a de sobressalto.
Mas quando todos estavam quietos na casa e pareciam tê-la esquecido, enchia-se de uma pequena coragem, resquícios da grande fuga — e circulava pelo ladrilho, o corpo avançando atrás da cabeça, pausado como num campo, embora a pequena cabeça a traísse: mexendo-se rápida e vibrátil, com o velho susto de sua espécie já mecanizado.
Uma vez ou outra, sempre mais raramente, lembrava de novo a galinha que se recortara contra o ar à beira do telhado, prestes a anunciar. Nesses momentos enchia os pulmões com o ar impuro da cozinha e, se fosse dado às fêmeas cantar, ela não cantaria mas ficaria muito contente, embora nem nesses instantes a expressão de sua vazia cabeça se alterasse. Na fuga, no descanso, quando deu à luz ou bicando milho — era uma cabeça de galinha, a mesma que fora desenhada no começo doas séculos.
Até que um dia mataram-na, comeram-na e passaram-se os anos.
Nas trilhas da Educação…
1. Termina no dia 08 de setembro as inscrições para o Vestibular da Unicamp;
2. Começaram dia 16 de agosto as inscrições para o vestibular da Fuvest 2022 – que vão até o dia 01/10/2021 – às 12h.
3. Estado de São Paulo oferecerá aos alunos do Ensino Médio – em estado de vulnerabilidade – pelo Programa Bolsa do Povo Educação – bolsa de R$1000,00. As inscrições para o programa poderão ser realizadas entre 30 de agosto e 10 de setembro pelo site https://www.bolsadopovo.sp.gov.br/. Poderão se inscrever todos os alunos regularmente matriculados no ensino médio e no 9ª ano do ensino fundamental da rede estadual de ensino e inscritos no Cadastro Único – CadÚNICO. O objetivo da ação é o combate à evasão escolar.
Poesia: o velho abrigo da alma
Velhas árvores
Olavo Bilac (1865-1918)
Olha estas velhas árvores, — mais belas,
Do que as árvores novas, mais amigas,
Tanto mais belas quanto mais antigas,
Vencedoras da idade e das procelas . . .
O homem, a fera, e o inseto à sombra delas
Vivem livres de fomes e fadigas;
E em seus galhos abrigam-se as cantigas
E alegria das aves tagarelas.
Não choremos, amigo, a mocidade!
Envelheçamos rindo! envelheçamos
Como as árvores fortes envelhecem,
Na glória da alegria e da bondade
Agasalhando os pássaros nos ramos,
Dando sombra e consolo aos que padecem!