Chegou a hora da vacina
No último dia 10 de abril, depois do anúncio do governo de estado, os profissionais de educação, acima de 47 anos de idade, do nosso estado receberam a primeira dose da vacina contra o COVID- 19. Em Batatais, a vacinação foi no dia 14.
Uma terça-feira de esperança, expectativa e emoção. Confesso que fazer parte desse grupo me trouxe, no momento que tomava a vacina, lágrima aos olhos e, na memória, tudo que fiz em sala de aula nesses anos de educação.
Agendamento confirmado para as 11h40, mas a ansiedade era tanta que cheguei mais cedo e pude também conferir a felicidade estampada em cada rosto que ali chegava e era chamado para entrar na sala de vacina. Quando saíam, o sorriso no rosto era largo estampado pelos olhos e falas de alegria. Era uma felicidade – como diria Érico Veríssimo – da certeza de que nossa vida não está se passando inutilmente – principalmente neste momento de pandemia.
Um momento de reflexão por todas as vidas perdidas, de refletir que as medidas de combate à Covid-19 do Brasil nunca foram suficientes e que poderiam ter sido conduzidas de forma diferente.
Ouço meu nome ser chamado para entrar na sala de vacinação. Uma organização impecável por parte das autoridades de saúde do nosso município. A enfermeira Andrea S. Costa Santos, com uma simpatia estampada no olhar prepara a dose, me convida a conferir a quantidade na seringa, aplica e me mostra que o recipiente estava vazio. A partir daí o imunizante começa a fazer o seu papel no meu organismo.
Saio feliz, vou ao carro e choro no caminho para casa, penso na minha família, nas três mulheres de minha vida: Sandra, Ana Laura e Helena. Chego a casa e mostro o troféu verde da Campanha Contra a Covid-19 – Vacivida: o comprovante de vacinação, recebo um abraço apertado: o meu mundo estava ali.
Mas, volto a pensar em tudo que estamos vivendo nesse período, nos erros cometidos pelos governantes e pela população: não considerar utilização de máscaras, o não distanciamento físico, a falta de proposição de medidas de restrição de circulação, a própria descrença na vacina, que fez com que não fizessem acordos com as farmacêuticas lá em 2020. O negacionismo que está imperando.
O momento então deixa uma mistura de felicidade e angústia por todos os outros brasileiros e brasileiras que ainda não receberam a vacina e aguardam com ansiedade, porque o segredo da felicidade é encontrar a nossa alegria na alegria dos outros – como nos disse Alexandre Herculano.
Nas trilhas da Educação…
1. Profissionais da Educação de Batatais das redes pública e privada, com idade acima de 47 anos receberam a primeira dose da vacina contra COVID-19 – no último dia 14 de abril. O primeiro passo para o retorno às aulas presenciais – que deve ocorrer no mês de maio.
2. Conselho Municipal da Criança e do Adolescente lança edital para receber propostas de organizações da cidade para desenvolver projetos no contra turno escolar para crianças e adolescentes. Regras para as organizações participarem estão no edital publicado na página da prefeitura.
3. OBMEP – Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas está com inscrições abertas até dia 30 de abril.
Espaço escola
“(…) todo o texto é absorção e transformação de outro texto. (…) a linguagem poética se lê, pelo menos como dupla.” (KRISTEVA in CARVALHAL, 1992, p. 50.)
“(…) não é possível ler senão comparativamente (ou seja, racionalmente) (…) não se trata tanto da opção entre comprar e não comparar… Não há de fato como não comparar. Toda leitura é ativação, partilha e ‘cooperação interpretativa’(…).” (BUESCU, 2001, p. 23.)
“A noção de intertextualidade abre um campo novo e sugere modos de atuação diferentes ao comparativista (…). Principalmente, as novas noções sobre a produtividade dos textos literários comprometem a também ‘velha’ concepção de originalidade.” (CARVALHAL, 1992, p. 53.)
QUESTÃO DO ENEM COM INTERTEXTUALIDADE
Quem não passou pela experiência de estar lendo um texto e defrontar-se com passagens já lidas em outros? Os textos conversam entre si em um diálogo constante. Esse fenômeno tem a denominação de intertextualidade. Leia os seguintes textos:
I. Quando nasci, um anjo torto
Desses que vivem na sombra
Disse: Vai Carlos! Ser “gauche” na vida
(ANDRADE, Carlos Drummond de. Alguma poesia. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1964)
II. Quando nasci veio um anjo safado
O chato dum querubim
E decretou que eu tava predestinado
A ser errado assim
Já de saída a minha estrada entortou
Mas vou até o fim.
(BUARQUE, Chico. Letra e Música. São Paulo: Cia das Letras, 1989)
III. Quando nasci um anjo esbelto
Desses que tocam trombeta, anunciou:
Vai carregar bandeira.
Carga muito pesada pra mulher
Esta espécie ainda envergonhada.
(PRADO, Adélia. Bagagem. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986)
Adélia Prado e Chico Buarque estabelecem intertextualidade, em relação a Carlos Drummond de Andrade, por
(A) reiteração de imagens.
(B) oposição de ideias.
(C) falta de criatividade.
(D) negação dos versos.
(E) ausência de recursos
Gabarito: A
Poesia: o velho abrigo da alma
Apostila
Álvaro de Campos (heterônimo de Fernando Pessoa)
Aproveitar o tempo!
Mas o que é o tempo que eu o aproveite?
Aproveitar o tempo!
Nenhum dia sem linhas…
O trabalho honesto e superior…
O trabalho de Virgílio, a Milton…
Mas é tão difícil ser honesto ou superior!
É tão pouco provável ser Milton ou ser Virgílio!
Aproveitar o Tempo!
Tirar da alma os bocados precisos – nem mais nem menos –
Para com eles juntar os cubos ajustados
Que fazem gravuras certas na história
(E estão certas também do lado de baixo que não se vê)…
Por as sensações em castelo de cartas, pobre China dos serões,
E os pensamentos em dominó, igual contra igual.
E a vontade em carambola difícil…
Imagens de jogos ou de paciências ou de passatempos –
Imagens da vida, imagens das vidas, imagens da Vida.
Verbalismo…
Sim, verbalismo…
Aproveitar o tempo!
Não ter um minuto que o exame de consciência desconheça…
Não ter um ato indefinido nem factício…
Não ter um movimento desconforme com propósitos…
Boas maneiras da alma…
Elegância de persistir…
Aproveitar o tempo!
Meu coração está cansado como mendigo verdadeiro.
Meu cérebro está pronto como um fardo posto ao canto.
Meu canto (verbalismo!) está tal como esta e é triste.
Aproveitar o tempo!
Desde que comecei a escrever passaram cinco minutos.
Aproveitei-os ou não?
Se não sei se os aproveitei, que saberei de outros minutos?!
(Passageira que viajas tantas vezes no mesmo compartimento comigo
No comboio suburbano,
Chegaste a interessar-te por mim?
Aproveitei o tempo olhando para ti?
Qual foi o ritmo do nosso sossego no comboio andante?
Qual foi o entendimento que não chegamos a ter?
Qual foi a vida que houve nisto? Que foi isto à vida?)
Aproveitar o tempo!
Ah, deixem-me não aproveitar nada!
Nem tempo, nem ser, nem memórias de tempo ou de ser!
Deixem-me ser uma folha de árvore, titilada por brisas,
A poeira de uma estrada involuntária e sozinha,
O regato casual das chuvas que vão acabando,
O vinco deixado na estrada pelas rodas enquanto não vêm outras,
O pião do garoto, que vai a parar,
E oscila, no mesmo movimento que o da terra,
E estremece, no mesmo movimento que o da alma,
E cai, como caem os deuses, no chão do Destino.
Fica a Dica!
A crônica – gênero textual que inicialmente era escrito para os jornais e revistas – que tem como matéria prima os fatos do cotidiano, texto curto extremamente conectado ao contexto em que é produzido.
Para os leitores de hoje trago a crônica de Marina Colasanti – Quem tem olhos – que faz parte da Antologia de Crônicas – Crônica Brasileira Contemporânea – organizada por Manuel da Costa Pinto e publicada pela Editora Moderna – 1ª edição 2012.
Narrada em primeira pessoa, faz uma reflexão sobre a cena de uma mulher na janela e a partir dela conduz o leitor a refletir sobre aquilo que se vê, sobre as relações que se tem e sobre a essência do olhar.
“Eu vinha andando na rua e vi a mulher na janela. Uma mulher como as de antigamente. De cabeça branca e braços pálidos apoiados no peitoril. Sentada, olhava para fora. Uma mulher como as de antigamente, posta à janela, espiando o mundo.
Mas a janela não era ao nível da rua, como as de antigamente. Nem era de uma casa. Era acima da entrada do prédio, acima da garagem, acima do playground. Era lá no alto. E diante daquela janela a única coisa que
havia para se ver era, do lado oposto da rua, a parede cega de um edifício.
Não havia árvores. Ou outras janelas. Somente a parede lisa e cinzenta, manchada de umidade. Alta, muito alta.
De onde estava, assim sentada, a mulher não podia ver a rua, o movimento da rua, as pessoas passando. Teria tido que debruçar-se para vê-los. E não se debruçava.
Também não via o céu. Teria tido que esticar o pescoço e torcer a cabeça para vê-lo lá no alto, acima da parede cinzenta e do seu próprio edifício, faixa de céu estreita como uma passadeira. E a mulher mantinha-se composta, o olhar lançado para a frente.
Serena, a mulher olhava a parede cinzenta. Não era como nas pequenas cidades onde ficar à janela é estar numa frisa ou camarote para ver e ser vista, é maneira astuciosa de estar na rua sem perder o recato da casa, de meter-se na vida alheia sem expor a própria.
Não era uma forma de barricada de participação. Ali ninguém falava com ela, ninguém a cumprimentava ou via – a não ser eu que parada na calçada a observava – e não havia nada para ela ver.
Mas a mulher olhava a parede cinzenta. E parecia estar bem. E por um instante o bem-estar dela me doeu, porque acreditei que sorrisse em plena renúncia à vitalidade, que se mantivesse serena debaixo da canga de solidão e cimento que a cidade lhe impunha, tendo aberto mão de qualquer protesto. Desejei tirá-la dali ou dar-lhe uma vista. Depois, entendi.
A mulher olhava a parede cinzenta, mas diante dela não havia uma parede cinzenta. Havia um telão. Um telão imenso, imperturbável, onde histórias se passavam. Que ela própria projetava, mas das quais era devotada espectadora e eventual personagem. Suas fantasias, suas lembranças, seus desejos moviam-se sobre a parede que já não era cinzenta, que era o suporte do mundo, ao vivo e em cores. Só ela os via. Mas com que nitidez!
Bem diferente daquela cidadezinha da Dinamarca onde, em viagem, reparei que havia espelhos estrategicamente colocados nas janelas, permitindo que se visse a rua sem ter que abrir os vidros. Espelhos redondos, como retrovisores, onde às pessoas quase escondidas o mundo certamente aparecia pequeno e distorcido, enevoado pelos vidros e cortinas.
A mulher da parede não, era grandiosa. Uma dama em seu elevado posto de observação. Teria podido passar a vida ali, se apenas alguém lhe desse comida. E vendo-a tão entretida diante do nada, e do tudo, ocorreu-me que muitas pessoas olham televisão exatamente como ela olhava a parede. Sem ver, vendo outra coisa. A família reunida na sala, aquela luz azulada banhando todos no mesmo tom lunar, imagens na tela pequena, e alguém em meio à família projetando por cima das imagens criadas em estúdio outras imagens, mais vívidas, pessoais, criadas no laboratório dos desejos. Ninguém, na sala, suspeita da sua fuga, ninguém a sabe ausente. Olhando para o mesmo ponto acreditam estar vendo a mesma coisa. E se tranquilizam na falsa semelhança.
Olho da rua a mulher à janela e me alegro. Fechada num apartamento provavelmente pequeno, sem ninguém que lhe dê muita atenção, acima de uma rua estreita e sem árvores, diante de uma parede alta e cinzenta, ainda assim não está sozinha nem entediada. Tira de si, como um ectoplasma, as imagens que o mundo teima em lhe negar, as imagens da vida. E delas se alimenta. Cria, embora ninguém – talvez nem ela – lhe reconheça a criação. E com seu olhar planta árvores, acende luzes, faz festa. Quem tem ouvidos ouça, disse o profeta. E, ele não disse mas digo eu, quem tem olhos veja. ”