Sisifo e Docência
Prof. Dr. Edson Renato Nardi
“Os deuses condenaram Sísifo a rolar incessantemente uma rocha até o alto de uma montanha, de onde tornava a cair por seu próprio peso. Pensaram, com certa razão, que não há castigo mais terrível que o trabalho inútil e sem esperança.” Albert Camus.
O mito de Sisifo, exemplo mitológico do absurdo da existência humana, carrega consigo inúmeras possibilidades interpretativas e uma delas, que apresentarei nesse texto, traz profunda relação com o fazer ser professor. Diferente do mito original, procurarei advogar a ideia de que, longe de ser uma condenação e um tormento, é um presente dos deuses. Para isso, defenderei a tese que, metaforicamente, rolamos diariamente em nossas ações docentes uma rocha até o alto da montanha, que essa rocha sempre cairá e, por fim, que o que nos move nesse exercício exaustivo e eterno, é a esperança.
Comecemos então pelo ato de rolar a rocha até o alto da montanha. Ao realizarmos essa façanha, esse procedimento metafórico pode aqui ser entendido como o processo de condução de nossos alunos do ponto inicial onde até então se encontravam, relativo ao conhecimento e habilidades que possuíam, as visões de mundo que os impregnava, estereótipos que herdaram de seu entorno social, até o alto da montanha, entendido aqui como os conhecimentos, competências e habilidades relevantes, selecionados pela sociedade, para que sejam adquiridos e exercitados pelos alunos, quer seja para a manutenção dessa mesma sociedade quanto para o seu aprimoramento. Esse procedimento se faz diário, cheio de percalços, feitos sob o sol e chuva, este ou aquele governo. É feito diuturnamente por nós ano após ano e é o que nos curte a pele, cria calos e cicatrizes existenciais, que nos torna mais resistentes para a sua repetição e que nos deixa uma marca indelével ao longo do tempo. Há de se notar que essa rocha bruta, aqui entendida como sendo nossos alunos, é lapidada, esculpida e transformada ao longo de todo o processo quer seja pelo contato com o condutor ou pelo contato com o ambiente externo e, nesse sentido, no término da condução, condutor e rocha não mais serão os mesmos.
A rocha que conduzimos sempre cairá por seu próprio peso. Ano após ano, a rocha se apresenta no sopé da montanha, isto porque, novas turmas virão. Muitos se recusarão a ser conduzidos, conflitos surgirão, visto que, muitos daqueles alunos que lá se encontram, não pediram para estar lá. Incapazes momentaneamente de perceber as marcas abstratas que alicerçam e justificam a educação, veem esse procedimento como violência, enfado cansativo e monótono que se repete diariamente, uma coerção sem sentido dos adultos. Mesmo no processo de aproximação ao cume da montanha, em inúmeros momentos, como há um encontro de valores, ideias e expectativas de mundo diferentes quer seja entre os alunos ou o conflito de gerações e modos de vida diferentes, entre o mundo adulto do professor e o mundo infantil ou adolescente dos alunos, todo o espaço percorrido pode momentaneamente voltar ao ponto inicial e se faz necessário a repetição exaustiva dos procedimentos para reinício de todo o processo. Muitas vezes, quando a queda é por demais rápida e intensa: elixires, estimulantes, antidepressivos, ansiolíticos se apresentam como necessários a compor o rol de itens de sobrevivência, mas o processo sempre se reinicia.
Por fim, nos deparamos agora com a esperança. Essa qualidade, que é considerada uma das três virtudes teológicas da tradição cristã, tem subjacente a ela a presença de um desejo e a expectativa da conquista desse mesmo desejo. E o que desejamos? Talvez o desejo de sermos desejados por aquilo que possuímos e que, em tempos contemporâneos, tem sido cada vez mais desprezado: o conhecimento. Talvez seja o desejo da troca transformadora e energizante da inocência e fome de vida que emana em todos os poros da criança pela experiência e prudência do adulto e, nessa troca, ambos saem ganhando. Talvez seja a possibilidade de deixarmos nossas marcas existenciais em outros para que, ainda que inconscientemente, percebermos certa possibilidade de imortalidade. Talvez seja a esperança de conseguirmos engajar novos guerreiros na luta pela transformação ou construção de uma sociedade melhor. O grande fato é que temos esses ou outros desejos e ele nos impulsiona dia a dia, ano após ano, e que nos faz perceber a rocha, o caminho e o cume da montanha como parte de nossa própria existência.
É essa tríade que nos define: o rolamento da rocha até o cume da montanha, a queda dessa mesma rocha ao seu ponto inicial e a esperança como motor desse processo ad aeternum. Diferente de Sisifo, longe de ser nossa punição, é nossa benção e presente dos deuses, na medida em que nos deixa as marcas que nos identificam ao longo do rolamento, fazem com que nosso ato seja sempre uma eterna repetição ao ponto inicial de partida e insuflam dentro de nós a expectativa da consecução de algo almejado. Ainda que por orquestrações diferentes, há de se concordar com Albert Camus, quando o escritor afirma, no término de seu livro: que é preciso imaginar Sisifo feliz.
Poesia: o velho abrigo da alma
A força do professor
Bráulio Bessa
Um guerreiro sem espada
sem faca, foice ou facão,
armado só de amor
segurando um giz na mão.
O livro é seu escudo
que protege de tudo
que possa lhe causar dor.
Por isso eu tenho dito:
Tenho fé e acredito
na força do professor.
Ah… Se um dia governantes
prestassem mais atenção
nos verdadeiros heróis
que constroem a nação…
Ah… Se fizessem justiça
sem corpo mole ou preguiça
dando-lhes o real valor,
eu daria um grande grito:
Tenho fé e acredito
na força do professor.
Porém não sinta vergonha,
não se sinta derrotado.
Se o nosso país vai mal,
você não é o culpado.
Nas potências mundiais
são sempre heróis nacionais,
mas por aqui não têm valor.
Mesmo triste e muito aflito,
tenho fé e acredito
na força do professor.
Um arquiteto de sonhos
engenheiro do futuro
Um motorista da vida
dirigindo no escuro
Um plantador de esperança
plantando em cada criança
um adulto sonhador.
E esse cordel foi escrito
porque ainda acredito
na força do professor.
Nas trilhas da Educação…
1.Escolas Estaduais de Batatais abrem período para inscrição e matrícula para 2021: O governo de São Paulo anunciou a abertura das matrículas para o ano letivo de 2021 nas escolas estaduais. As inscrições começaram dia 06/10 e foram até o dia 16/10 para alunos que já fazem parte da rede. Quem perdeu o prazo deve procurar a sua escola. Os novos alunos terão até 30 de outubro para se matricular. Uma das novidades desse ano é que todos devem levar cópia da carteirinha de vacinação para a escola.
2.Fies – Fundo de Financiamento Estudantil – adia para 2022 exigência de nota mínima de 400 pontos na redação do Enem. Previsão inicial era implementar exigência em 2021, mas governo adiou o prazo. Até lá, regra é não zerar a redação.
Fica a Dica!
Na semana do professor trago como dica o livro da portuguesa Isabel Alarcão publicado pela editora Cortez e faz parte da Coleção Questões da Nossa Época. Um livro que em quatro capítulos convida a escola e seus atores a pensar a própria escola buscando ser reflexiva, coletiva e crítica com as suas próprias ações.