A princípio, a família foi contra:
— Esse sujeito não presta! É um bestalhão! Um conversa-fiada!
Talvez fosse isso e muito mais. Para começar não trabalhava, nem queria nada com o trabalho. Além disso, bebia, jogava, vivia metido com desclassificados de ambos os sexos, em pagodes espetaculares. Apontava-se, mesmo, uma fulana, de péssimos antecedentes, que, segundo se dizia, o sustentava. Os parentes de Edgardina tentaram dissuadi-la da paixão inconveniente e escandalosa:
— Homem é o que não falta. Escolhe outro, escolhe um que valha a pena.
— É de Humberto que eu gosto. Os outros não me interessam.
Amava-o desde menina; e, através dos anos, não achara graça em mais ninguém. Podiam dizer o diabo do rapaz que ela mesma explicava: “Entra por um ouvido, sai pelo outro”. A rigor, só ficou impressionada uma vez, uma única vez. Foi quando lhe disseram que o namorado vivia às custas da tal fulana. Edgardina saltou: “Mentira! Calúnia!”. Mas, apesar da reação inicial, muito veemente, a dúvida ficou. Acabou fazendo ao bem-amado uma pergunta frontal:
— Que negócio é esse que me contaram?
— Que foi?
Ela, sem tirar os olhos dele, disse:
Que você toma dinheiro de mulher.
A CONFISSÃO
Imprensado pela pequena que, na verdade, era seu primeiro e grande amor, Humberto teve, diante de si, dois caminhos: ou negar ferozmente ou… Ia negar, em pânico. Mas quando abriu a boca, deu uma coisa nele, uma espécie de heroísmo súbito, quase histérico. De olhos esbugalhados, os beiços trêmulos, transpassou a pequena com a revelação:
— É verdade, sim. Tomo dinheiro de mulher. Sempre tomei.
A menina cobriu-se de uma palidez mortal, como nos velhos romances. Mal pôde suspirar:
— Humberto!
Foi uma cena magnífica e atroz. Ele, que pegara embalagem, foi até o fim, contou tudo, sem omitir nada. Disse que, sem emprego, sem níquel, aceitava dinheiro de uma, de outra. Batia nos peitos, atirava patadas no assoalho. Por fim, flagelou-se, cruelmente, aos olhos da pequena; chamou-se de “canalha”, “patife”, “caso perdido”. E terminou, num desafio frenético:
— Você sabe tudo. E agora pode me cuspir na cara. Cospe! Anda, cospe!
Ofereceu o rosto. E como Edgardina, petrificada, não dissesse uma palavra, não esboçasse um gesto, ele caiu em uma crise medonha de choro. Então, a menina, que era um anjo autêntico, teve uma dessas comoções que não se esquecem, uma dessas piedades incoercíveis. E, se já o amava antes, agora muito mais. Aos seus olhos, a confissão do bem-amado o purificara de tudo e de todos. Disse mais:
— Não interessa o que você fez, meu filho. Eu gosto de você, pronto, acabou-se.
E ele:
— Você é um anjo. Se não fosse você, eu metia uma bala na cabeça, já, imediatamente!
Então, mais calmos, os dois combinaram tudo: data do casamento etc. etc. No fim, Edgardina impôs apenas uma condição:
— Você vai me prometer uma coisa.
— O quê?
— Que nunca mais aceita dinheiro de mulher. É tão feio!
— Te juro! Te dou minha palavra de honra!
De quem é esta saudade
que meus silêncios invade,
que de tão longe me vem?
De quem é esta saudade,
de quem?
Aquelas mãos só carícias,
Aqueles olhos de apelo,
aqueles lábios-desejo…
E estes dedos engelhados,
e este olhar de vã procura,
e esta boca sem um beijo…
De quem é esta saudade
que sinto quando me vejo?