Educação de Jovens e Adultos – efeitos da pandemia
Sabemos que o contexto da pandemia tem trazido grandes dificuldades para a educação, que realçou as desigualdades principalmente na educação básica devido à falta de infraestrutura conforme já trouxe uma discussão na edição passada do jornal.
Mas de todas as modalidades de ensino, uma que tem sido pouco discutida é a Educação de Jovens e Adultos – EJA – que já apresentava, em anos anteriores à pandemia, baixo índice de procura pelas matrículas e, nesse momento de educação remota, o número despencou.
Para quem trabalha há tempos com essa modalidade de ensino, seja enquanto professor ou gestor das unidades que oferecem a modalidade no município de Batatais, verificamos que os alunos estão correndo atrás de um aprendizado para o mundo do trabalho, para atender às exigências das empresas onde são funcionários depois de muito tempo que interromperam a vida escolar por diversos motivos: entrada no mercado de trabalho, dificuldades com o aprendizado, gravidez precoce, dentre outros.
Como estavam afastados da escola e retornam depois de vários anos, precisam do apoio constante do professor para a realização das atividades e com a pandemia não se adaptam a esse novo momento na educação – principalmente por causa dos recursos tecnológicos – e acabam desistindo ainda mais da vaga escolar.
Para que essa situação seja revertida, precisa-se de um trabalho coletivo de toda equipe escolar para dar suporte aos alunos com uma escuta ativa das dificuldades apresentadas por eles nesse período, acolhendo de forma compreensiva e empática. Só assim essa modalidade de ensino vence esse período com alunos matriculados nas escolas, sem um alto índice de evasão ou fechamento do curso devido à falta de demanda.
Nas trilhas da Educação…
1.Vacina contra COVID -19 para os profissionais da educação – acima de 47 anos – começa no dia 12/04 – segundo governo do Estado de São Paulo – para todas as redes de ensino: estadual, municipal e privada. Cadastro pode ser feito pelo site:
https://vacinaja.sp.gov.br/educacao
2.Governo de São Paulo anunciou no último dia 31, o retorno do Merenda em Casa – programa de ajuda para os alunos das escolas estaduais – para auxiliar aqueles estudantes que estão em situação de vulnerabilidade, em extrema pobreza de acordo com o CadÚNICO ou para os que já recebem BOLSA FAMÍLIA.
3.Secretaria Municipal de Educação faz investimento de R$27.520,00 e entrega uniformes e jalecos para os servidores da pasta.
Poesia: o velho abrigo da alma
Quando eu morrer quero ficar
Mário de Andrade – Lira paulistana – 1945
Quando eu morrer quero ficar
Quando eu morrer quero ficar,
Não contem aos meus inimigos,
Sepultado em minha cidade,
Saudade.
Meus pés enterrem na rua Aurora,
No Paissandu deixem meu sexo,
Na Lopes Chaves a cabeça
Esqueçam.
No Pátio do Colégio afundem
O meu coração paulistano:
Um coração vivo e um defunto
Bem juntos.
Escondam no Correio o ouvido
Direito, o esquerdo nos Telégrafos,
Quero saber da vida alheia,
Sereia.
O nariz guardem nos rosais,
A língua no alto do Ipiranga
Para cantar a liberdade.
Saudade…
Os olhos lá no Jaraguá
Assistirão ao que há de vir,
O joelho na Universidade,
Saudade…
As mãos atirem por aí,
Que desvivam como viveram,
As tripas atirem pro Diabo,
Que o espírito será de Deus.
Adeus.
Fica a Dica!
O texto que trago hoje é o conto escrito por António de Alcântara Machado, Gaetaninho, publicado originalmente no livro Brás, Bexiga e Barrafunda, em 1927, e que também faz parte do livro 10 da Coleção Para Gostar de Ler da editora Ática de 2002.
Conta a história de um menino humilde, que ficava andando pela a Rua do Oriente admirado com os Fords que ali passavam. Tinha um sonho de andar de carro pelas ruas, mas era difícil para ser concretizado, pois, as pessoas de classe média na São Paulo dessa época só andavam de bonde, e caso andassem de carro era por motivo de enterros ou casamentos. A vontade de andar de automóvel era tão intensa que fez Gaetaninho sonhar, enquanto dormia, e o desejo foi realizado em sonho, mas interrompido na vida real pela sua morte em um atropelamento pelo bonde quando corria atrás de uma bola – e ironicamente quem vai na boleia do carro é seu amigo Beppino.
Gaetaninho
António de Alcântara Machado
– Chi, Gaetaninho, como é bom!
Gaetaninho ficou banzando bem no meio da rua. O Ford quase o derrubou e ele não viu o Ford. O carroceiro disse um palavrão e ele não ouviu o palavrão.
– Eh! Gaetaninho! Vem pra dentro.
Grito materno sim: até filho surdo escuta. Virou o rosto tão feio de sardento, viu a mãe e viu o chinelo.
– Subito!
Foi de chegando devagarinho, devagarinho. Fazendo beicinho. Estudando o terreno. Diante da mãe e do chinelo parou. Balançou o corpo. Recurso de campeão de futebol. Fingiu tomar a direita. Mas deu meia-volta instantânea e varou pela esquerda porta adentro.
Eta salame de mestre!
Ali na rua Oriente a ralé quando muito andava de bonde. De automóvel ou carro só mesmo em dia de enterro. De enterro ou de casamento. Por isso mesmo o sonho de Gaetaninho era de realização muito difícil. Um sonho.
O Beppino por exemplo. O Beppino naquela tarde atravessara de carro a cidade. Mas como? Atrás da tia Peronetta que se mudava para o Araçá. Assim também não era vantagem.
Mas se era o único meio? Paciência.
Gaetaninho enfiou a cabeça embaixo do travesseiro.
Que beleza, rapaz! Na frente quatro cavalos pretos empenachados levavam a tia Filomena para o cemitério. Depois o padre. Depois o Savério noivo dela de lenço nos olhos. Depois ele. Na boleia do carro. Ao lado do cocheiro. Com a roupa marinheira e o gorro branco onde se lia: Encouraçado São Paulo. Não. Ficava mais bonito de roupa marinheira mas com a palhetinha nova que o irmão lhe trouxera da fábrica. E ligas pretas segurando as meias. Que beleza, rapaz! Dentro do carro o pai, os dois irmãos mais velhos (um de gravata vermelha, outro de gravata verde) e o padrinho Seu Salomone. Muita gente nas calçadas, nas portas e nas janelas dos palacetes, vendo o enterro. Sobretudo admirando o Gaetaninho.
Mas Gaetaninho ainda não estava satisfeito. Queria ir carregando o chicote. O desgraçado do cocheiro não queria deixar. Nem por um instantinho só.
Gaetaninho ia berrar mas a tia Filomena com a mania de cantar o Ahi, Mari! Todas as manhãs o acordou.
Primeiro ficou desapontado. Depois quase chorou de ódio.
Tia Filomena teve um ataque de nervos quando soube do sonho de Gaetaninho. Tão forte que ele sentiu remorsos. E para sossego da família alarmada com o agouro tratou logo de substituir a tia por outra pessoa numa nova versão de seu sonho. Matutou, matutou e escolheu o acendedor da Companhia de Gás, Seu Rubino, que uma vez lhe deu um cocre danado de doído.
Os irmãos (esses) quando souberam da história resolveram arriscar de sociedade quinhentão no elefante. Deu a vaca. E eles ficaram loucos de raiva por não haverem logo adivinhado que não podia deixar de dar a vaca mesmo.
O jogo na calçada parecia de vida ou morte. Muito embora Gaetaninho não estava ligando.
– Você conhecia o pai do Afonso, Beppino?
– Meu pai deu uma vez na cara dele.
– Então você não vai amanhã no enterro. Eu vou!
O Vicente protestou indignado:
– Assim não jogo mais! O Gaetaninho está atrapalhando!
Gaetaninho voltou para o seu posto de guardião. Tão cheio de responsabilidades.
O Nino veio correndo com a bolinha de meia. Chegou bem perto. Com o tronco arqueado, as pernas dobradas, os braços estendidos, as mãos abertas, Gaetaninho ficou pronto para a defesa.
– Passa pro Beppino!
Beppino deu dois passos e meteu o pé na bola. Com todo o muque. Ela cobriu o guardião sardento e foi parar no meio da rua.
– Vá dar tiro no inferno!
– Cala a boca, palestrino!
– Traga a bola!
Gaetaninho saiu correndo. Antes de alcançar a bola um bonde o pegou. Pegou e matou.
No bonde vinha o pai do Gaetaninho.
A gurizada assustada espalhou a notícia na noite.
– Sabe o Gaetaninho?
– Que é que tem?
– Amassou o bonde!
A vizinhança limpou com benzina suas roupas domingueiras.
Às dezesseis horas do dia seguinte saiu um enterro na rua do Oriente e Gaetaninho não ia na boleia de nenhum dos carros do acompanhamento. Ia no da frente dentro de um caixão fechado com flores pobres por cima. Vestia a roupa marinheira, tinha as ligas, mas não levava a palhetinha.
Quem na boleia de um dos carros do cortejo mirim exibia soberbo terno vermelho que feria a vista da gente era o Beppino.