Domingo de Carnaval sempre me lembro de duas crônicas de dois cobras que elevaram o gênero à prateleira nobre da literatura: Humberto de Campos e Rubem Braga. Sem assunto, e com o pessoal berrando nas ruas, eles resolveram a questão alinhando no texto o que estavam ouvindo.
O primeiro, em 1933, um ano antes de morrer, encheu o seu espaço com os sucessos daquele ano: Meu bem, pra me livrar da matraca, da língua de uma sogra infernal, eu comprei um trem blindado pra poder sair no Carnaval. (…) Linda morena, morena que me faz penar, a lua cheia que tanto brilha não brilha tanto quanto o seu olhar (…).
Até amanhã se Deus quiser, se não chover eu volto pra te ver, oh mulher. (…) Quando eu morrer não quero choro nem vela, quero uma fita amarela gravada com o nome dela. (…) Vai haver barulho no chatô porque minha morena é falsa e me enganou. (…) Foi Deus quem te fez formosa.
Trinta anos depois, Rubem Braga também fez o mesmo e encheu uma página da revista em que escrevia com as músicas do ano: É ou não é, piada de salão, se acham que não é, então não conto não. (…) As águas vão rolar, garrafa cheia eu não quero ver sobrar. (…) A história da maçã é pura fantasia, maçã igual àquela papai também comia. (…) Eu não sou água pra me tratares assim, só na hora da sede é que procuras por mim. E foi por aí o grande Braga.
Mais 30 anos se passaram, e aqui estou eu tentando copiar os dois mestres. Para azar meu, não conheço, nem ouvi, nem soube da existência de alguma musiquinha para este Carnaval. Ando defasado, a última obra-prima que chegou ao meu conhecimento foi o “Segura o Tchan”. Nem sei a letra toda, sei o título e acho que é o bastante.
Donde podemos concluir que pioraram as músicas e os cronistas. Bem verdade que ficou mais fácil fazer música. E fazer crônica está cada vez mais difícil.
Quero beber! cantar asneiras
No esto brutal das bebedeiras
Que tudo emborca e faz em caco…
Evoé Baco!
Lá se me parte a alma levada
No torvelim da mascarada,
A gargalhar em doudo assomo…
Evoé Momo!
Lacem-na toda, multicores,
As serpentinas dos amores,
Cobras de lívidos venenos…
Evoé Vênus!
Se perguntarem: Que mais queres,
Além de versos e mulheres?…
– Vinhos!… o vinho que é o meu fraco!…
Evoé Baco!
O alfange rútilo da lua,
Por degolar a nuca nua
Que me alucina e que eu não domo!…
Evoé Momo!
A Lira etérea, a grande Lira!…
Por que eu extático desfira
Em seu louvor versos obscenos,
Evoé Vênus!