/Recriar Educação 08-01-2022

Recriar Educação 08-01-2022

Fica a Dica!

A crônica Talvez o último desejo, escrita por Rachel de Queiroz, foi publicada no livro Um alpendre, uma rede, um açude, em 1958, e publicado pela Editora José Olympio. Pela crônica, a autora faz um desabafo por todos nós e um apelo ao humano, após fazer uma ruptura com o tom inicial do texto. Uma boa leitura para iniciarmos o ano e fazermos uma reflexão.

Talvez o último desejo
Pergunta-me com muita seriedade uma moça jornalista qual é o meu maior desejo para o ano de 1950. E a resposta natural é dizer-lhe que desejo muita paz, prosperidade pública e particular para todos, saúde e dinheiro aqui em casa. Que mais há para dizer?
Mas a verdade, a verdade verdadeira que eu falar não posso, aquilo que representa o real desejo do meu coração, seria abrir os braços para o mundo, olhar para ele bem de frente e lhe dizer na cara: Te dana!
Sim, te dana, mundo velho. Ao planeta com todos os seus homens e bichos, ao continente, ao país, ao Estado, à cidade, à população, aos parentes, amigos e conhecidos: danem-se! Danem-se que eu não ligo, vou pra longe me esquecer de tudo, vou a Pasárgada ou a qualquer outro lugar, vou-me embora, mudo de nome e paradeiro, quero ver quem é que me acha.
Isso que eu queria. Chegar junto do homem que eu amo e dizer para ele: Te dana, meu bem! Doravante pode fazer o que entender, pode ir, pode voltar, pode pagar dançarinas, pode fazer serenatas, rolar de borco pelas calçadas, pode jogar futebol, entrar na linha de Quimbanda, pode amar e desamar, pode tudo, que eu não ligo!
Chegar junto ao respeitável público e comunicar-lhe: Danai-vos, respeitável público. Acabou-se a adulação, não me importo mais com as vossas reações, do que gostais e do que não gostais; nutro a maior indiferença pelos vossos apupos e os vossos aplausos e sou incapaz de estirar um dedo para acariciar os vossos sentimentos. Ide baixar noutro centro, respeitável público, e não amoleis o escriba que de vós se libertou!
Chegar junto da pátria e dizer o mesmo: o doce, o suavíssimo, o libérrimo te dana. Que me importo contigo, pátria? Que cresças ou aumentes, que sofras de inundação ou de seca, que vendas café ou compres ervilhas de lata, que simules eleições ou engulas golpes? Elege quem tu quiseres, o voto é teu, o lombo é teu. Queres de novo a espora e o chicote do peão gordo que se fez teu ginete? Ou queres o manhoso mineiro ou o paulista de olho fundo? Escolhe à vontade – que me importa o comandante se o navio não é meu? A casa é tua, serve-te, pátria, que pátria não tenho mais.
Dizer te dana ao dinheiro, ao bom nome, ao respeito, à amizade e ao amor. Desprezar parentela, irmãos, tios, primos e cunhados, desprezar o sangue e os laços afins, me sentir como filho de oco de pau, sem compromissos nem afetos.
Me deitar numa rede branca armada debaixo da jaqueira, ficar balançando devagar para espantar o calor, roer castanha de caju confeitada sem receio de engordar, e ouvir na vitrolinha portátil todos os discos de Noel Rosa, com Araci e Marília Batista. Depois abrir sobre o rosto o último romance policial de Agatha Christie e dormir docemente ao mormaço.
Mas não faço. Queria tanto, mas não faço. O inquieto coração que ama e se assusta e se acha responsável pelo céu e pela terra, o insolente coração não deixa. De que serve, pois, aspirar à liberdade? O miserável coração nasceu cativo e só no cativeiro pode viver. O que ele deseja é mesmo servidão e intranquilidade: quer reverenciar, quer ajudar, quer vigiar, quer se romper todo. Tem que espreitar os desejos do amado, e lhe fazer as quatro vontades, e atormentá-lo com cuidados e bendizer os seus caprichos; e dessa submissão e cegueira tira a sua única felicidade.
Tem que cuidar do mundo e vigiar o mundo, e gritar os seus brados de alarme que ninguém escuta e chorar com antecedência as desgraças previsíveis e carpir junto com os demais as desgraças acontecidas; não que o mundo lhe agradeça nem saiba sequer que esse estúpido coração existe. Mas essa é a outra servidão do amor em que ele se compraz – o misterioso sentimento de fraternidade que não acha nenhuma China demasiado longe, nenhum negro demasiado negro, nenhum ente demasiado estranho para o seu lado sentir e gemer e se saber seu irmão.
E tem o pai morto e a mãe viva, tão poderosos ambos, cada um na sua solidão estranha, tão longe dos nossos braços.
E tem a pátria que é coisa que ninguém explica, e tem o Ceará, valha-me Nossa Senhora, tem o velho pedaço de chão sertanejo que é meu, pois meu pai o deixou para mim como o seu pai já o deixara e várias gerações antes de nós, passaram assim de pai a filho.
E tem a casa feita pela nossa mão, toda caiada de branco e com janelas azuis, tem os cachorros e as roseiras.
E tem o sangue que é mais grosso que a água e ata laços que ninguém desata, e não adianta pensar nem dizer que o sangue não importa, porque importa mesmo. E tem os amigos que são os irmãos adotivos, tão amados uns quanto os outros.
E tem o respeitável público que há vinte anos nos atura e lê, e em geral entende e aceita, e escreve e pede providências e colabora no que pode. E tem que se ganhar o dinheiro, e tem que se pagar imposto para possuir a terra e a casa e os bichos e as plantas; e tem que se cumprir os horários, e aceitar o trabalho, e cuidar da comida e da cama. E há que se ter medo dos soldados, e respeito pela autoridade, e paciência em dia de eleição. Há que ter coragem para continuar vivendo, tem que se pensar no dia de amanhã, embora uma coisa obscura nos diga teimosamente lá dentro que o dia de amanhã, se a gente o deixasse em paz, se cuidaria sozinho, tal como o de ontem se cuidou.
E assim, em vez da bela liberdade, da solidão e da música, a triste alma tem mesmo é que se debater nos cuidados, vigiar e amar, e acompanhar medrosa e impotente a loucura geral, o suicídio geral. E adular o público e os amigos e mentir sempre que for preciso e jamais se dedicar a si própria e aos seus desejos secretos.
Prisão de sete portas, cada uma com sete fechaduras, trancadas com sete chaves, por que lutar contra as tuas grades?
O único desabafo é descobrir o mísero coração dentro do peito, sacudi-lo um pouco e botar na boca toda a amargura do cativeiro sem remédio, antes de o apostrofar: Te dana, coração, te dana!

Nas trilhas da Educação…

1. Fuvest realizará as provas da 2ª fase do vestibular nos dias 16 e 17 de janeiro de 2022 a partir das 13h, com todas as normas de biossegurança devido à Pandemia do COVID- 19.
2. Segundo o Governo do estado de São Paulo, o plano de vacinação contra Covid-19 para as crianças de 5 a 11 anos está pronto e aguarda somente liberação das doses pelo Ministério da Saúde. Governo deve vacinar todas as crianças dessa faixa etária em três semanas e usar as escolas como locais de vacinação.
3. Recuperação de janeiro começou na rede estadual no último dia 04 e os estudantes terão oportunidade de recuperar o conteúdo para avançar para a série seguinte, através do Projeto de Recuperação Intensiva. A recuperação vai ocorrer entre 4 e 21 de janeiro. Os alunos que podem participar são aqueles que foram considerados retidos devido à frequência inferior a 75%.

 

As figuras de linguagem são recursos que tornam mais expressivas as mensagens. São divididas em figuras de som, figuras de construção, figuras de pensamento e figuras de palavras.

  • A ALITERAÇÃO consiste na incidência reiterada de certo fonema consonantal:

Exemplos:

Quem com ferro fere com ferro será ferido.

“Maria Irriu com rimas claras”. (Guimarães Rosa)

  • A ASSONÂNCIA é a repetição do mesmo fonema vocálico.

Exemplos:

“ Trazendo no deserto das ideias

O desespero endêmico do inferno” (Cruz e Souza)

“Ó formas alvas, brancas, formas claras” (Cruz e Souza)

 

Poesia: o velho abrigo da alma

Consolo na Praia
Carlos Drummond de Andrade – “A rosa do Povo” (1945)

Vamos, não chores
A infância está perdida.
A mocidade está perdida.
Mas a vida não se perdeu.

O primeiro amor passou.
O segundo amor passou.
O terceiro amor passou.
Mas o coração continua.

Perdeste o melhor amigo.
Não tentaste qualquer viagem.
Não possuis casa, navio, terra.
Mas tens um cão.

Algumas palavras duras,
em voz mansa, te golpearam.
Nunca, nunca cicatrizam.
Mas, e o humour?

A injustiça não se resolve.
À sombra do mundo errado
murmuraste um protesto tímido.
Mas virão outros.

Tudo somado, devias
precipitar-te – de vez – nas águas.
Estás nu na areia, no vento…
Dorme, meu filho.