O ensino híbrido e a lição da educação em tempos de pandemia
POR ENTRETANTO
Por: Douglas Oliani*
A convivência social no ambiente escolar é parte fundamental do processo de aprendizado do aluno. É por esse caminho que ele, na primeira infância, aprende a administrar as próprias emoções, começa a construir o que, na juventude e vida adulta, será sua independência, e inicia o processo de aquisição de bem-estar emocional e autoconfiança. Soma-se a isso a sensação de pertencimento que só o relacionamento em um grupo inserido em um ambiente de convívio diário pode oferecer. E isso é tão precioso quanto o conteúdo oferecido em sala de aula. Porque é algo a ser levado por toda a vida e construirá suas bases para o convívio harmônico em sociedade.
Por isso, o retorno às aulas presenciais em meio à pandemia, ainda que no sistema híbrido, é tão importante para a ideia de construção de uma sociedade mais justa, segura e democrática. E se considerados os protocolos já à disposição da comunidade escolar, que considera o modelo híbrido – em que uma parte da turma assiste a aula presencialmente enquanto a outra acompanha remotamente, em um esquema de revezamento – como alternativa viável ao momento, as instituições de ensino se tornam ambientes muito mais seguros para estudantes (e por consequência, seus pais), professores, funcionários, gestores da educação e comunidade, do que supermercados, farmácias e estabelecimentos comerciais, locais imprescindíveis para que a vida siga adiante.
Mais: com a constatação, na prática, de que estudantes são replicadores de boas práticas em suas casas, a convivência em um ambiente seguro terá como consequência a disseminação de comportamento preventivo nas famílias dos alunos. Porque eles estarão diante de um novo momento, em que todos os protocolos de proteção contra o novo coronavírus – sobretudo os direcionados à comunidade escolar, e aí estão incluídos o do Ministério da Educação e os das secretarias de Educação e de Saúde do Paraná –, sem exceção, são observados e aplicados cuidadosamente.
Em live realizada no final do ano passado pela Revista Crescer com especialistas da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBC), o pediatra Marco Aurélio Sáfadi lembrou que os estudos revelam que as crianças não são vetores importantes de transmissão de Covid-19, ainda que elas possam ser agentes do contágio. Segundo o especialista, os dados apontam que o risco de transmissão é maior entre moradores de uma mesma casa do que na escola. Sáfadi informou ainda que um estudo de transmissão do novo coronavírus comparou dados da Suécia, que manteve as escolas abertas, à Finlândia, que optou pela suspensão das atividades nas instituições educacionais. Como resultado, revelou que a taxa de contaminação entre as crianças foi igual nos dos países. O que sinaliza de modo concreto que a abertura das escolas não está diretamente ligada à ampliação do risco de transmissão nas comunidades.
Outra possibilidade de tornar as escolas ambientes ainda mais seguros do que outros de uso diário da população seria a adoção do mesmo procedimento das vacinações contra a H1N1. Algumas instituições privadas de ensino costumam contratar clínicas particulares para a aplicação da vacina contra a gripe. Em um momento adequado, o expediente pode trazer ainda mais proteção a professores, funcionários da educação, alunos, familiares e comunidade.
Exemplos para essa retomada estão por aí. O Uruguai escolheu iniciar o retorno pelas escolas rurais, também com a divisão das turmas e um contato menor com o corpo docente. A Alemanha retomou as atividades presenciais nas escolas quando a curva de contágio registrou queda. E retornou ao ensino remoto em casos de instituições que registraram infecção pelo novo coronavírus. O governo daquele país ampliou o monitoramento e o controle de novos casos.
Em Portugal, o plano de contingência proibiu que pais acompanhem os filhos até a sala de aula; os alunos recebem álcool gel nas mãos e passam por um tapete desinfetante antes de entrar na classe, e materiais utilizados por eles, como tablets e notebooks, precisam ser trazidos de casa – a escola não fornece material. Na Espanha, os estudantes recebem uma espécie de kit covid: uma bolsa pequena de tela vazada com máscara, pacote de lenço descartável e um tubo de álcool em gel. Outros países decidiram reiniciar as aulas presenciais por regiões que registraram poucos infectados ou índices muito baixos de transmissão.
E se pensarmos que, de acordo com o que explicam pesquisadores e sanitaristas, a Covid-19 deve se estender ainda por alguns anos, o papel dos estudantes na disseminação de informação de qualidade, na construção de uma sociedade que ouve a ciência e aprende com ela, não pode ser subestimado. E a retomada das atividades em sistema híbrido, permitindo aos alunos o acesso ao processo de aprendizado em quase sua totalidade, é fundamental. O que se apresenta como uma maneira de recuperar todo o período em que ficaram distantes fisicamente uns dos outros e da escola. Em setembro do ano passado, o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, destacou que, ao redor do mundo, crianças estão perdendo parte do aprendizado no modelo de isolamento que as afastou do ambiente escolar.
O retorno das aulas presenciais no modelo híbrido vai permitir às instituições privadas de ensino retomar de modo pleno seu papel em meio à sociedade: o de um ator importante na construção de um cenário saudável a partir da oferta de educação de qualidade. Ao trabalhar pela construção do pensamento crítico junto a crianças, adolescentes e jovens dentro dos projetos pedagógicos adotados pelas escolas a partir de seus contextos sócio culturais, ajuda a forjar não só o futuro de uma comunidade, mas orienta também na condução de um presente construtivo, democrático e ético. Em um momento sem precedentes na história do planeta, isso é extremamente necessário. E libertador.
* Douglas Oliani é presidente do Sindicato das Escolas Particulares do Paraná (Sinepe-PR).
Espaço Escola
O acolhimento aos alunos no retorno às aulas presencias na escola estadual Geraldo Tristão de Lima foi feito durante a primeira semana de aula do ano letivo de 2021.Os professores realizaram atividades de integração e acolhimento para as crianças que compareceram presencialmente na escola e para aqueles que ainda permaneceram em casa também. A professora Mariana de Sousa Martins de Oliveira, do 5° ano A, trabalhou com seus alunos uma adaptação do que foi proposto pelo Centro de Mídias de São Paulo. Segundo a professora a atividade da “Árvore dos Sonhos” é uma reflexão sobre o que sonhamos e o que sustentam nossos sonhos. Nesse caso, as folhas da árvore são os sonhos e o tronco é o que sustenta nossos sonhos.
A montagem se deu de forma simples: os estudantes pintaram uma folha branca de marrom e verde, recortaram a parte colorida de verde em formato de folhas e a parte colorida de marrom em pequenas formas retangulares. Em seguida, escreveram nas folhas os sonhos e na parte retangular o que sustenta esses sonhos. Em um contorno da árvore esboçado no quadro verde, as crianças fixaram suas produções.
Dentre alguns sonhos das crianças, a vacina para a imunização da COVID-19 é um deles! E como sustentação dos sonhos, muitas crianças se apoiam nas vivências familiares e na confiança de que os estudos são o melhor indicativo para um futuro melhor.
“A atividade ainda não está concluída! É preciso dizer que tem muitos sonhos que podem ser alcançados! Portanto, está árvore ainda dará frutos e flores!” – diz a professora.
Fica a Dica!
O escritor que trago um texto hoje é Rubem Braga – uma crônica em que deixa uma de suas principais características em evidência fazer da falta de assunto, tema para sua crônica – que foi publicada no livro O conde e o passarinho. Com a leitura do texto o leitor perceberá que o calor e o desânimo levam o autor a ficar irritado pedindo até aos leitores que parem de ler sua coluna. Esse recurso de dirigir-se ao público é clássico – muito usado por Machado de Assis. Com esse recurso, Rubem Braga enriquece o seu estilo. Vale a pena ler o texto, fica a dica!!!
Ao respeitável público
São Paulo, 1934.
Chegou meu dia. Todo cronista tem seu dia em que, não tendo nada a escrever, fala da falta de assunto. Chegou meu dia. Que bela tarde para não se escrever!
Esse calor que arrasa tudo; esse Carnaval que está perto, que aí vem no fim da semana; esses jornais lidos e relidos na minha mesa, sem nada interessante; esse cigarro que fumo sem prazer; essas cartas na gaveta onde ninguém me conta nada que possa me fazer mal ou bem; essa perspectiva morna do dia de amanhã; essa lembrança aborrecida do dia de ontem; e outra vez, e sempre, esse calor, esse calor, esse calor…
Portanto, meu distinto leito, portanto, minha encantadora leitora, queiram ter a fineza de retirar os olhos dessa coluna. Não leiam mais. Fiquem sabendo que eu secretamente os odeio a todos, que vocês todos são pessoas aborrecidas e irritantes; que eu desejo sinceramente que todos tenham um péssimo Carnaval, uma horrível quaresma, um infelicíssimo ano de 1934, uma vida toda atrapalhada, uma morte estúpida!
Aproveitem este meu momento de sinceridade e não se iludam com o que eu disser amanhã ou depois, com a minha habitual falta de vergonha. Saibam que o desejo mais sagrado que tenho no peito é mandar vocês todos simplesmente às favas, sem delicadeza nenhuma.
Porque ousam gostar ou aborrecer o que escrevo? O que têm comigo? Acaso me conhecem, sabem alguma coisa de meus problemas, de minha vida? Então, pelo amor de Deus, desapareçam desta coluna. Este jornal tem dezenas de milhares de leitores; porque é que no meio de tanta gente vocês e só vocês, resolveram ler o que escrevo? O jornal é grande, senhorita, é imenso, cavalheiro, tem crimes, tem esporte, tem política, tem cinema, tem uma infinidade de coisas. Aqui, nesta coluna, eu nunca lhes direi nada, mas nada de nada, que sirva para o que quer que seja. E não direi porque não quero; porque não me interessa; porque vocês não me agradam; porque eu os detesto.
Portanto, se a senhorita é bastante teimosa, se o cavalheiro é bastante cabeçudo para me ter lido até aqui, pensem um pouco, sejam bem-educados e deem o fora. Eu faço votos para que vocês todos amanheçam amanhã atacados de febre amarela ou de tifo exantemático. Se houvesse micróbios que eu pudesse lhes transmitir assim, através do jornal, pelos olhos, fiquem sabendo que hoje eu lhes mandaria as piores doenças: tracoma, por exemplo.
Mas ainda insistem? Ah, se eu pudesse escrever aqui alguns insultos e adjetivos que tenho no bico da pena! Eu lhes garanto que não são palavras nada amáveis; são dessas que ofendem toda a família. Mas não posso e não devo. Eu tenho de suportar vocês diariamente, sem descanso e sem remédio. Vocês podem virar a página, podem fugir de mim quando entendem. Eu tenho que estar aqui todo dia, exposto a curiosidade estúpida ou à indiferença humilhante de dezenas de milhares de pessoas.
Fiquem sabendo que eu hoje tinha assunto e os recusei todos. Eu poderia, se quisesse, neste momento, escrever duzentas crônicas engraçadinhas ou tristes, boas ou imbecis, úteis ou inúteis, interessantes ou cacetes. Assunto não falta, porque eu me acostumei a aproveitar qualquer assunto. Mas eu quero hoje precisamente falar claro a vocês todos. Eu quero, pelo menos hoje, dizer o que sinto todo dia: dizer que se eu os aborreço, vocês me aborrecem terrivelmente mais.
Amanhã eu posso voltar bonzinho, manso, jeitoso; posso falar bem de todo mundo, até do governo, até da polícia. Saibam desde já que eu farei isto porque sou cretino por profissão; mas que com todas as forças da alma eu desejo que vocês todos morram de erisipela ou de peste bubônica. Até amanhã. Passem mal.
Nas trilhas da Educação…
1. Novo decreto municipal de número 3949 – publicado em 26/02/2021 – prorroga o decreto anterior de fevereiro até 16/03/2021 e suspende as aulas presencias na fase Vermelha. No período de pandemia, mês a mês o retorno às aulas será repensado de acordo com os dados da pandemia no município.
2. O governo do estado de São Paulo lançou o projeto Psicólogos na Educação – que traz para todas as escolas da rede estadual – de forma remota – o atendimento psicológico aos alunos, professores e demais funcionários da escola. Só resta saber se irá funcionar, pois são mais de cinco mil escolas, mais de 3,5 milhões de alunos e 1000 psicólogos. Será?
Poesia: o velho abrigo da alma
MEU ANJO, ESCUTA
Antônio Gonçalves Dias
Le mal dont j’ai souffert s’est enfui comme un rêve,
Je n’en puis comparer le lontain souvenir
Qu’à ces brouillards légers que l’aurore soulève
Et qu’avec la rosée on voit s’évanouir. (1)
MUSSET
*1- O mal que sofri desvaneceu-se como um sonho
Não posso comparar a lembrança do que se foi
Com estes leves nevoeiros que surgem com a aurora
Nem com o orvalho que se vê dissipado.
Meu anjo, escuta: quando junto à noite
Perpassa a brisa pelo rosto teu,
Como suspiro que um menino exala;
Na voz da brisa quem murmura e fala
Brando queixume, que tão triste cala
No peito teu?
Sou eu, sou eu, sou eu!
Quando tu sentes lutuosa imagem
D’aflito pranto com sombrio véu,
Rasgado o peito por acerbas dores;
Quem murcha as flores
Do brando sonho? — Quem te pinta amores
Dum puro céu?
Sou eu, sou eu, sou eu!
Se alguém te acorda do celeste arroubo,
Na amenidade do silêncio teu,
Quando tua alma noutros mundos erra,
Se alguém descerra
Ao lado teu
Fraco suspiro que no peito encerra;
Sou eu, sou eu, sou eu!
Se alguém se aflige de te ver chorosa,
Se alguém se alegra co’um sorriso teu,
Se alguém suspira de te ver formosa
O mar e a terra a enamorar e o céu;
Se alguém definha
Por amor teu,
Sou eu, sou eu, sou eu!
Autor do Romantismo Brasileiro, Gonçalves Dias também escreveu poesia amorosa, apesar de ser mais conhecido pelos temas indianistas de sua obra. Na poesia amorosa é constante a lamentação de um amor quase sempre impossível. Seus anseios, inquietações, desencantos são enfoques produzidos pelo amor irrealizado.