Aos leitores que estão vivendo pela primeira vez um ano sem nenhum tipo de festejo carnavalesco, ou seja, sem baile, nem bloco e muito menos o desfile das escolas de samba, queremos aqui consolá-los e informar que o carnaval de Batatais, com seus momentos áureos e decadentes, sempre esteve relacionado a fatos históricos, econômicos e políticos do país, não sendo esta a primeira vez que a festa de Momo foi interrompida na cidade.
No início do século XX, o desfile de carnaval de Batatais era um corso de automóveis enfeitados em volta da Praça Cônego Joaquim Alves e os Clubes e Sociedades Recreativas da época realizavam os tradicionais bailes com grande participação popular.
Tudo ia caminhando tão favoravelmente bem para o crescimento das festas carnavalescas que em 1913, o comerciante Romeu Coraucci realizou uma reunião com membros da sociedade, visando organizar o Carnaval do próximo ano de 1914.
Todavia, na região do sudeste europeu dos Bálcãs, estavam ocorrendo as Guerras dos Bálcãs entre Sérvia, Montenegro, Grécia, Romênia, Turquia e Bulgária, pela posse dos territórios remanescentes do Império Otomano, e a economia mundial foi atingida por uma grave crise internacional, chegando inclusive ao Brasil, que sofreu as consequências na exportação da borracha e do café, além da carência de crédito.
Tal crise econômica gerou um sentimento de pessimismo na elite brasileira e até de nostalgia pela volta da monarquia no Brasil, não havendo clima para as festas de carnaval, conforme noticiou A Gazeta de Batataes, em 22 de fevereiro de 1914:
“É hoje que, aqui, como em toda a parte do globo, começam, de verdade, os esplendidos folguedos carnavalescos.
Nossos leitores devem se recordar que, no anno passado, num mez de seu meiado, a Gazeta deu noticia de uma reunião de diversas pessoas, effectuada em casa do sr. Romeu Coraucci, conceituado negociante nesta praça.
Nessa sessão, como é sabido, ficou combinado angariar-se um numero de quarenta sócios e contribuir, cada um, mensalmente, com a modica quantia de cinco mil reis, até o decorrer dos presentes dias.
Tudo ficou estabelecido. A noticia espalhou-se rapidamente e todos nós ficâmos contentes, esperando poder prestar modestas mas significativas homenagens a Momo.
Agora, tudo deu em aguas de barrela: aquella associaçao dissolveu-se e o arume que já se achava em caixa foi, ou está sendo devolvido aos seus respectivos donos.
Assim, nesta cidade, nada teremos nos presentes e alegres dias, a não ser que se esgotem, por ahi, meia dúzia de lança-perfumes e alguns punhados de confetti
E bem doido é pensar-se que o fim daquela saudosa reunião alcançou somente fazer um pequeno estado da medonha crise que nos aflige.
É bom registrar-se, no entanto, que Batataes toma parte no globo.”
Superada a crise econômica mundial, os festejos de Momo retomam seu crescimento na cidade e nem mesmo a Primeira Guerra Mundial (de 28 de julho de 1914 a 11 de novembro de 1918) prejudicou a alegria desta festa nas décadas de 10 e 20.
De acordo com os jornais da época, no ano de 1927 formaram-se os blocos de competição “Vida Apertada” e “Vulcano” o que movimentou o carnaval de rua. Os blocos faziam hinos, fantasias e decoravam os carros para o desfile.
Como nos demais anos, tivemos um belo corso carnavalescos, no qual tomaram parte encantadoras senhoritas, ostentando finíssimas fantasias, dentre as quais quase se notaram algumas de grande afeto. O bloco das Floristas, Valentinas, Melindrosas, Românticas ao Luar, Apalaches, Garotas, Maria Antonieta, Modistas Parisienses e tantos outros brilharam dando a nota mais empolgante dos folguedos a Momo”. (A GAZETA DE BATATAES – 23/02/1928 – nº 129)
Diante da crise econômica de 1929 o carnaval perdeu seu brilho mas não deixou de acontecer, indo retornar com força somente em 1934, devido o impulso das Sociedades Recreativas e do comércio, que incentivaram as competições de cordões, que eram os blocos da época.
Cada Sociedade Recreativa organizava seus cordões e a grande novidade era a visita que o cordão de um Clube passou a fazer a outro, cantando e dançando músicas de carnaval.
Outra novidade foi o cordão formado somente por homens negros, conhecido como “Vitória Régia”, que com roupas brancas e batendo frigideiras fizeram um grande sucesso no carnaval de rua de Batatais.
Com o passar dos anos ocorreu um maior envolvimento do comércio e do poder público nas realizações dos corsos, com o oferecimento de prêmios, bandas, policiamento e iluminação.
Entretanto, uma nova crise assolou a cidade durante a Segunda Guerra Mundial e mais uma vez as festividades carnavalescas perderam a animação.
Em 14 de fevereiro de 1942, o jornal Folha de Batatais assim noticiou:
“Este ano porém, nem a mais doida das loucuras fará esquecer o momento de grave triste pelo qual atravessa o mundo: dividido em duas facções que se combatem por todos os meios na terra, no ar e no mar”.
Ao que tudo indica, no período da Segunda Guerra Mundial, de 01 de setembro de 1939 a 02 de setembro de 1945, o único ano em que realmente não foi realizado carnaval em Batatais, foi em 1943.
Em 13 de fevereiro de 1944 a TRIBUNA DE BATATAIS assim noticiou:
“A despeito do carrancismo dos dias que passam, a entusiástica Associação Recreativa Operaria de Batatais entrou em preparativos para que o querido Deus da folia não fique sem a merecida consagração neste ano. Aplaudimos a iniciativa do gremio operario de nossa terra, pois, si o tempo desautoriza as festas de rua, é preciso, imperativo mesmo, que dentro dos salões o tríduo carnavalesco tenha curso, si não revivendo seus áureos tempos, demonstrando, porem, que animo e ambientes não nos faltam.
Efetivamente, não ha razões para se descurar das comemorações momisticas, uma vez que o tríduo carnavalesco é uma tregua para as perturbações do espírito e por ser uma festa que não encontra inimigos sinceros no Brasil.
A Associação Operaria oferecerá pois ao público batataense três grandes noitadas de alegria, alem de interessante vesperal no dia 20, como se vê do convite que passamos a reproduzir:”
“Presado Consócio
Tristesas não pagam dividas nem resolvem situações. E o bom humor prolonga a vida que é de si mesma tão curta quão penosa.
O Carnaval aí está , com seu cortejo de alegres canções , para viver o tríduo efêmero do seu reinado inesquecível. Rei Momo, que tem o seu império no coração de toda a gente, ainda amais sisuda e respeitável, é o convidado de honra para os bailes da A.B.R. Operaria, onde receberá este ano o tributo de seus suditos.
Venha, prezado consócio, com sua Exma. Familia, participar dos cordões carnavalescos da nossa associação, nos dias 12, 20, 21 22 do corrente.
A Diretoria.
Outro fato que nos chama a atenção durante a Segunda Guerra, foi o Edital da Delegacia de Polícia, publicado na Tribuna de Batatais (20/02/1944), em que se proibia que pessoas cuja nacionalidade fosse de países que estavam em guerra contra o Brasil (Alemanha, Japão, Itália) celebrassem o carnaval na cidade.
De acordo com o Edital, os bailes carnavalescos, blocos, cordões, ranchos e outros agrupamentos, bem como passeatas, só poderiam ser realizados com a devida licença das autoridades competentes, e entre as proibições estavam o uso até de máscaras, conforme listamos abaixo:
“Item 6_ durante os dias de carnaval, quer nos bailes, quer nos corsos ou na via publica, não será permitido o uso de fantasias atentatórias á moral, prohibindo –se grupos constituídos por indivíduos maltrapilhos à guisa de blocos e empunhando latas, fragmentos de madeira e outros objetos que possam se tornar instrumentos de agressão, sendo os infratores imediatamente encaminhados á autoridade policial
Item 7 _ Fica expressamente proibido o uso de mascaras de qualquer espécie e bem assim outros meios que sirvam para impedir a imediata identificação das pessoas.
Item 8 _ São proibidas as canções cujas letras ofendem á moral e ao decoro publico e as que se referem ao governo e à orientação Político-administrativa.
Item 9 _ Não serão permitidos nos bailes clubes e recintos fechados em geral, onde se realizem festejos carnavalescos, a venda e o uso de ‘lança-perfume’
Item 10 _ Ficam proibidos, nos dias 19, 20, 21 e 22 do corrente mês, a venda e o consumo de bebidas alcoólicas em bares, botequins, confeitarias, dancings, cabarés e outros logares públicos, exceptuando-se cerveja, chopp e champagne. Nos hoteis e restaurantes è permitido nos dias citados o uso de vinho ás refeições. Os infratores destas determinações serão detidos e encaminhados á autoridade policial para se verem processar pelo crime de desobediência previste no art. 330 do Cod. Penal, sem prejuízo de outras sanções em que porventura incorrerem
Item 11_ Nos bailes e casas de diversões publicas poderão existir para consumo, além de champagne, outras bebidas permitidas, como sejam: cerveja, guaraná, chop e água mineral. Essas bebidas deverão ser vendidas pelos preços estabelecidos nas tabelas aprovadas pelas utoridades competentes e fixadas em lugar visível ao publico. Os infratores serão severamente punidos.
Item 13_ Não será permitido o uso de veículos de tração animal para fins carnavalescos
Item 15_ E proibido o uso de pós, ácidos e outras substancias irritantes que se destinem a fins carnavalescos.
Item 16 É vedado participar dos festejos carnavalescos aos nacionais dos países em guerra com o Brasil, ficando os infratores sujeitos à imediata prisão e competente processo.
Item 18 _ É vedada, nos festejos carnavalescos, qualquer manifestação ou alusão referente ao atual conflito mundial
Item 20 _ cada clube deverá manter um serviço permanente de fiscalização no ingresso e no próprio recinto, subordinado esse serviço à orientação das autoridades policiais
Batatais, 14 de fevereiro de 1944
O 1º Suplente de Delegado de Polícia Alvaro de Oliveira Cardoso
Atendendo os dizeres da Portaria nº3 do Secretário de Segurança Pública Diário Oficial do Estado”
Como sabemos, após este triste período, o carnaval em Batatais foi ganhando cada vez mais força, seja nos salões, nas ruas e até mesmo no Sambódromo, nos fazendo assim acreditar que no próximo ano a festa de Momo retornará com a diversidade de uma manifestação cultural de seu tempo e sociedade.