/Primeiro ano sem carnaval em Batatais?

Primeiro ano sem carnaval em Batatais?

Fonte: https://41.media.tumblr.com/73ca11e4eff054fa2a530bb0d60ff396/tumblr_nb7wfwE8Uj1r0ztquo1_500.jpg

Aos leitores que estão vivendo pela primeira vez um ano sem nenhum tipo de festejo carnavalesco, ou seja, sem baile, nem bloco e muito menos o desfile das escolas de samba, queremos aqui consolá-los e informar que o carnaval de Batatais, com seus momentos áureos e decadentes, sempre esteve relacionado a fatos históricos, econômicos e políticos do país, não sendo esta a primeira vez que a festa de Momo foi interrompida na cidade.
No início do século XX, o desfile de carnaval de Batatais era um corso de automóveis enfeitados em volta da Praça Cônego Joaquim Alves e os Clubes e Sociedades Recreativas da época realizavam os tradicionais bailes com grande participação popular.
Tudo ia caminhando tão favoravelmente bem para o crescimento das festas carnavalescas que em 1913, o comerciante Romeu Coraucci realizou uma reunião com membros da sociedade, visando organizar o Carnaval do próximo ano de 1914.
Todavia, na região do sudeste europeu dos Bálcãs, estavam ocorrendo as Guerras dos Bálcãs entre Sérvia, Montenegro, Grécia, Romênia, Turquia e Bulgária, pela posse dos territórios remanescentes do Império Otomano, e a economia mundial foi atingida por uma grave crise internacional, chegando inclusive ao Brasil, que sofreu as consequências na exportação da borracha e do café, além da carência de crédito.
Tal crise econômica gerou um sentimento de pessimismo na elite brasileira e até de nostalgia pela volta da monarquia no Brasil, não havendo clima para as festas de carnaval, conforme noticiou A Gazeta de Batataes, em 22 de fevereiro de 1914:
“É hoje que, aqui, como em toda a parte do globo, começam, de verdade, os esplendidos folguedos carnavalescos.
Nossos leitores devem se recordar que, no anno passado, num mez de seu meiado, a Gazeta deu noticia de uma reunião de diversas pessoas, effectuada em casa do sr. Romeu Coraucci, conceituado negociante nesta praça.
Nessa sessão, como é sabido, ficou combinado angariar-se um numero de quarenta sócios e contribuir, cada um, mensalmente, com a modica quantia de cinco mil reis, até o decorrer dos presentes dias.
Tudo ficou estabelecido. A noticia espalhou-se rapidamente e todos nós ficâmos contentes, esperando poder prestar modestas mas significativas homenagens a Momo.
Agora, tudo deu em aguas de barrela: aquella associaçao dissolveu-se e o arume que já se achava em caixa foi, ou está sendo devolvido aos seus respectivos donos.
Assim, nesta cidade, nada teremos nos presentes e alegres dias, a não ser que se esgotem, por ahi, meia dúzia de lança-perfumes e alguns punhados de confetti
E bem doido é pensar-se que o fim daquela saudosa reunião alcançou somente fazer um pequeno estado da medonha crise que nos aflige.
É bom registrar-se, no entanto, que Batataes toma parte no globo.”
Superada a crise econômica mundial, os festejos de Momo retomam seu crescimento na cidade e nem mesmo a Primeira Guerra Mundial (de 28 de julho de 1914 a 11 de novembro de 1918) prejudicou a alegria desta festa nas décadas de 10 e 20.
De acordo com os jornais da época, no ano de 1927 formaram-se os blocos de competição “Vida Apertada” e “Vulcano” o que movimentou o carnaval de rua. Os blocos faziam hinos, fantasias e decoravam os carros para o desfile.
Como nos demais anos, tivemos um belo corso carnavalescos, no qual tomaram parte encantadoras senhoritas, ostentando finíssimas fantasias, dentre as quais quase se notaram algumas de grande afeto. O bloco das Floristas, Valentinas, Melindrosas, Românticas ao Luar, Apalaches, Garotas, Maria Antonieta, Modistas Parisienses e tantos outros brilharam dando a nota mais empolgante dos folguedos a Momo”. (A GAZETA DE BATATAES – 23/02/1928 – nº 129)
Diante da crise econômica de 1929 o carnaval perdeu seu brilho mas não deixou de acontecer, indo retornar com força somente em 1934, devido o impulso das Sociedades Recreativas e do comércio, que incentivaram as competições de cordões, que eram os blocos da época.

Maria Jesuína, fantasiada de Dama do Império no Carnaval de 1939, ela era filha do conhecido Jornalista J. Teixeira de Andrade. Fonte: Sérgio Corrêa Amaro (Acervo Digital de Batatais)

Cada Sociedade Recreativa organizava seus cordões e a grande novidade era a visita que o cordão de um Clube passou a fazer a outro, cantando e dançando músicas de carnaval.
Outra novidade foi o cordão formado somente por homens negros, conhecido como “Vitória Régia”, que com roupas brancas e batendo frigideiras fizeram um grande sucesso no carnaval de rua de Batatais.
Com o passar dos anos ocorreu um maior envolvimento do comércio e do poder público nas realizações dos corsos, com o oferecimento de prêmios, bandas, policiamento e iluminação.
Entretanto, uma nova crise assolou a cidade durante a Segunda Guerra Mundial e mais uma vez as festividades carnavalescas perderam a animação.
Em 14 de fevereiro de 1942, o jornal Folha de Batatais assim noticiou:
“Este ano porém, nem a mais doida das loucuras fará esquecer o momento de grave triste pelo qual atravessa o mundo: dividido em duas facções que se combatem por todos os meios na terra, no ar e no mar”.
Ao que tudo indica, no período da Segunda Guerra Mundial, de 01 de setembro de 1939 a 02 de setembro de 1945, o único ano em que realmente não foi realizado carnaval em Batatais, foi em 1943.
Em 13 de fevereiro de 1944 a TRIBUNA DE BATATAIS assim noticiou:
“A despeito do carrancismo dos dias que passam, a entusiástica Associação Recreativa Operaria de Batatais entrou em preparativos para que o querido Deus da folia não fique sem a merecida consagração neste ano. Aplaudimos a iniciativa do gremio operario de nossa terra, pois, si o tempo desautoriza as festas de rua, é preciso, imperativo mesmo, que dentro dos salões o tríduo carnavalesco tenha curso, si não revivendo seus áureos tempos, demonstrando, porem, que animo e ambientes não nos faltam.
Efetivamente, não ha razões para se descurar das comemorações momisticas, uma vez que o tríduo carnavalesco é uma tregua para as perturbações do espírito e por ser uma festa que não encontra inimigos sinceros no Brasil.

Zuleika, Bertinho e Álvaro Marcos (da direita para esquerda). Lembrança do carnaval de 1942.Fonte: Pagina do facebook de Robson Pereira

A Associação Operaria oferecerá pois ao público batataense três grandes noitadas de alegria, alem de interessante vesperal no dia 20, como se vê do convite que passamos a reproduzir:”

“Presado Consócio

Tristesas não pagam dividas nem resolvem situações. E o bom humor prolonga a vida que é de si mesma tão curta quão penosa.
O Carnaval aí está , com seu cortejo de alegres canções , para viver o tríduo efêmero do seu reinado inesquecível. Rei Momo, que tem o seu império no coração de toda a gente, ainda amais sisuda e respeitável, é o convidado de honra para os bailes da A.B.R. Operaria, onde receberá este ano o tributo de seus suditos.
Venha, prezado consócio, com sua Exma. Familia, participar dos cordões carnavalescos da nossa associação, nos dias 12, 20, 21 22 do corrente.
A Diretoria.

Outro fato que nos chama a atenção durante a Segunda Guerra, foi o Edital da Delegacia de Polícia, publicado na Tribuna de Batatais (20/02/1944), em que se proibia que pessoas cuja nacionalidade fosse de países que estavam em guerra contra o Brasil (Alemanha, Japão, Itália) celebrassem o carnaval na cidade.
De acordo com o Edital, os bailes carnavalescos, blocos, cordões, ranchos e outros agrupamentos, bem como passeatas, só poderiam ser realizados com a devida licença das autoridades competentes, e entre as proibições estavam o uso até de máscaras, conforme listamos abaixo:
“Item 6_ durante os dias de carnaval, quer nos bailes, quer nos corsos ou na via publica, não será permitido o uso de fantasias atentatórias á moral, prohibindo –se grupos constituídos por indivíduos maltrapilhos à guisa de blocos e empunhando latas, fragmentos de madeira e outros objetos que possam se tornar instrumentos de agressão, sendo os infratores imediatamente encaminhados á autoridade policial
Item 7 _ Fica expressamente proibido o uso de mascaras de qualquer espécie e bem assim outros meios que sirvam para impedir a imediata identificação das pessoas.
Item 8 _ São proibidas as canções cujas letras ofendem á moral e ao decoro publico e as que se referem ao governo e à orientação Político-administrativa.
Item 9 _ Não serão permitidos nos bailes clubes e recintos fechados em geral, onde se realizem festejos carnavalescos, a venda e o uso de ‘lança-perfume’
Item 10 _ Ficam proibidos, nos dias 19, 20, 21 e 22 do corrente mês, a venda e o consumo de bebidas alcoólicas em bares, botequins, confeitarias, dancings, cabarés e outros logares públicos, exceptuando-se cerveja, chopp e champagne. Nos hoteis e restaurantes è permitido nos dias citados o uso de vinho ás refeições. Os infratores destas determinações serão detidos e encaminhados á autoridade policial para se verem processar pelo crime de desobediência previste no art. 330 do Cod. Penal, sem prejuízo de outras sanções em que porventura incorrerem
Item 11_ Nos bailes e casas de diversões publicas poderão existir para consumo, além de champagne, outras bebidas permitidas, como sejam: cerveja, guaraná, chop e água mineral. Essas bebidas deverão ser vendidas pelos preços estabelecidos nas tabelas aprovadas pelas utoridades competentes e fixadas em lugar visível ao publico. Os infratores serão severamente punidos.
Item 13_ Não será permitido o uso de veículos de tração animal para fins carnavalescos
Item 15_ E proibido o uso de pós, ácidos e outras substancias irritantes que se destinem a fins carnavalescos.
Item 16 É vedado participar dos festejos carnavalescos aos nacionais dos países em guerra com o Brasil, ficando os infratores sujeitos à imediata prisão e competente processo.
Item 18 _ É vedada, nos festejos carnavalescos, qualquer manifestação ou alusão referente ao atual conflito mundial
Item 20 _ cada clube deverá manter um serviço permanente de fiscalização no ingresso e no próprio recinto, subordinado esse serviço à orientação das autoridades policiais
Batatais, 14 de fevereiro de 1944
O 1º Suplente de Delegado de Polícia Alvaro de Oliveira Cardoso
Atendendo os dizeres da Portaria nº3 do Secretário de Segurança Pública Diário Oficial do Estado”
Como sabemos, após este triste período, o carnaval em Batatais foi ganhando cada vez mais força, seja nos salões, nas ruas e até mesmo no Sambódromo, nos fazendo assim acreditar que no próximo ano a festa de Momo retornará com a diversidade de uma manifestação cultural de seu tempo e sociedade.

Primeiro Baile de Carnaval de 1959 na S.B.R. Princesa Isabel de Batatais, construída em 1958. Fonte: Página no Facebook de Daniel Corrêa Garcia