O primeiro turno das eleições presidenciais terminou no dia 03 de outubro, e o segundo no último dia 31, certo? Pois bem, mas um informal terceiro turno ainda não acabou, pelo menos para uma parcela ruidosa de eleitores do presidente Bolsonaro, que desde a derrota do seu candidato vivem uma espécie de realidade paralela alimentada de teses antidemocráticas e teorias conspiratórias das mais malucas, defendidas em manifestações frente à instituições militares por parte do país.
O roteiro padrão destas manifestações se apoia basicamente nas seguintes “teses”:
– O artigo 142 da Constituição Federal serviria para apoiar uma intervenção federal, solicitada por Bolsonaro para acalmar os ânimos da população. Para juristas, na realidade esse artigo serve justamente para impedir um golpe;
– Os protestos teriam que durar no mínimo 72 horas após a decretação do resultado das eleições para que as Forças Armadas atuassem, prazo esse que, mesmo que existisse, já caducou;
– Bolsonaro estaria impedido de falar publicamente que apoia intervenção, mas estaria emitindo códigos, como o brasão das Forças Armadas na sua mesa em uma live e um erro proposital de português na palavra desobstrução que saiu com um ‘s’ a mais, criando o termo “SOS”;
– Seria preciso inundar as redes oficiais das Forças Armadas com pedidos de ajuda, assim elas estariam aptas a agir;
– A mídia internacional estaria ciente da fraude eleitoral no Brasil;
– A eleição teria sido fraudada, seja por problema nas urnas ou pelo suposto conluio político das autoridades e do PT;
– Alexandre de Moraes teria sido preso três dias depois do segundo turno;
– Surgira um relatório sobre fraude eleitoral, atribuído às Forças Armadas durante a semana, na verdade veiculado por uma consultoria de direita argentina;
O que parece um roteiro de uma chanchada da Atlântida nos áureos tempos de Oscarito, é levado à sério por militantes bolsonaristas, indignados diante da derrota e dispostos a propagar teorias conspiratórias que a partir do resultado final da eleição não ficaram mais restritas a fóruns fechados como antigamente, mas expostas em grupos abertos de Telegram, Whatsapp, redes sociais, em lives com milhares de visualizações, além é claro, das mobilizações nas ruas. Mas a realidade é bem mais dura do que pensam os manifestantes que clamam por atos ilegais, que mais cedo ou mais tarde verão a ficha irá cair como uma bomba de Rivotril.
Os seguidores radicais do atual presidente se dão ao luxo de virar piada à nível mundial. Circula na internet comentários de importantes “personalidades” do mundo jurídico internacional alertando para fraudes nas eleições brasileiras, e possível intervenção. Uma “renomada juíza sueca”, “uma ministra do tribunal de Haia” e uma “diretora do departamento anti-fraudes”, também de Haia. Pasmem, as fotos eram de, respectivamente, Agnetha Faltskog, cantora da banda ABBA, Lady Gaga, cantora/atriz americana, e da atriz pornô libanesa Mia Khalifa!
Bolsonaro (que pode ser muita coisa mas não é bobo), já percebeu que o caminho a ser seguido é outro. Enquanto seus seguidores radicais defendem pautas inconstitucionais frente aos quartéis, e passam vergonha nas redes sociais, o capitão já está com a cabeça em 2023, e tratou de arrumar um novo emprego para chamar de seu à partir de 1º de janeiro próximo, quando assumirá a presidência de honra do PL – Partido Liberal, cargo criado em 2010 pelo presidente da legenda, ex-deputado Valdemar Costa Neto, especialmente para José Alencar, então vice-presidente de Lula, assumir após ele deixar o governo naquele ano. Ao deixar a Presidência da República, Bolsonaro terá direito a uma remuneração de cerca de R$ 40 mil com as aposentadorias do Exército e da Câmara, e mais cerca de R$ 30 mil desse novo cargo, que será pago provavelmente com recursos do Fundo Partidário. Também terá direito a uma mansão na requintada Ala Sul de Brasília, e assessoria jurídica (da qual ele vai precisar muito), tudo pago pelo PL.
Bolsonaro sabe muito bem que precisa se organizar para manter unida parte da oposição e seu legado de 58 milhões de votos, e manifestações com pautas antidemocráticas e golpistas tendem a afastar o eleitor moderado e de centro, exatamente aquele que fez a diferença à favor de Lula no segundo turno. Essa tarefa não será fácil, por três motivos bem reais e objetivos, que descrevo rapidamente:
Primeiro, pela primeira vez em 32 anos, Bolsonaro não gozará de foro privilegiado, e seus processos passarão a correr em instâncias inferiores, com muito mais frequência e celeridade, e uma possível condenação vai pesar muito em seu currículo.
Segundo, o Centrão sempre teve característica “adesiva”, ou seja, a maioria desse grupo não deve demorar à passar para o lado governo de plantão, que à partir de 2023 será o do presidente Lula, que com certeza terá engordada sua base de apoio, logo no início do mandato, assim ocorreu quando o PT assumiu pela primeira vez, em 2002.
E terceiro e não menos importante: como bem sabemos, Lula tem vários defeitos, mas sabe dialogar com a classe política. E deixou demonstrado, de uma vez por todas nessa eleição, que é um político muito mais habilidoso do que Bolsonaro, senão vejamos: foi eleito presidente em 2002, se reelegeu em 2006, elegeu sua sucessora em 2010 (uma nobre desconhecida que não havia disputado nenhuma eleição até então), e deixou o governo naquele ano com 83% de aprovação popular. Bolsonaro por sua vez, deixará o governo com cerca de 38% de aprovação, com o título indigesto de primeiro presidente na história de nosso país à perder sua reeleição. Derrotado no primeiro, no segundo… e no terceiro turno!