Dois séculos nos separam de um dos momentos históricos mais importantes e por muitos ainda desconhecido da história da formação de Batatais: a transferência da sede da Freguesia e do antigo povoado para o local onde está a atual Igreja Matriz.
Dentro da história da formação de Batatais, se percebe de maneira efetiva a existência e fixação de sesmeiros e posseiros na região e com isso, a formação de pequenos núcleos populacionais, em fins da segunda metade do século XVIII e início do século XIX.
Por volta de 1814, um desses núcleos, conhecido como Arraial dos Batataes, muito simples, possuía uma capela singela, um “mísero” cemitério e alguns casebres em seu entorno. Segundo consta, o povoado crescia nas terras da Fazenda Batataes, pertencente a Manoel Bernardes do Nascimento. A capela tinha um pároco, o padre Manoel Pompeu de Arruda que também possuía terras na região.
O local ficaria hoje onde está a Fazenda que ainda leva o mesmo nome, na estrada antiga para Altinópolis.
No dia 25 de fevereiro de 1815, a região entre os rios Pardo e Sapucaí Mirim foi elevada à condição de Freguesia dos Batataes pelo então príncipe regente, futuro Dom João VI, sob a proteção do Senhor Bom Jesus dos Batataes, sendo sua sede o pequeno povoado do Arraial dos Batataes.
Quando da morte do Padre Pompeu de Arruda em 1820, um novo pároco é nomeado, o Padre Bento José Pereira. Tão logo chegou ao seu novo posto eclesiástico, Padre Bento levantou a necessidade de uma nova capela em virtude da precariedade da existente, e solicitou ao Bispo de São Paulo autorização para construção de uma nova igreja em região mais apropriada. Esse ‘futuro’ local deveria, preferencialmente, ser patrimônio da Igreja e não estar em propriedade de terceiros.
A intenção pela mudança da capela acarretou, de imediato, um conflito de interesses entre os proprietários de terras locais. De um lado, o grupo que desejava a permanência da sede da Freguesia dos Batataes nas terras da Fazenda Batataes – próxima à estrada oficial dos Goyazes –, foi encabeçado por Manuel Bernardes do Nascimento, proprietário da mesma fazenda e por Antônio José Dias, alferes e proprietário da Fazenda Paciência, acompanhados por cerca de 100 moradores da região.
Na defesa pela mudança, estava o grupo liderado pelo Padre José Bento Pereira. Quem acabou vencendo essa disputa foi o segundo grupo, que obteve a autorização para transferência em 1821.
Faltava então a definição do novo local quando, na semana dedicada ao Senhor Bom Jesus, Germano Alves Moreira e Anna Luiza, posseiros das Fazendas Santana e São Pedro, em agosto de 1822, doaram as terras da ‘cabeceira das Araras’ para o patrimônio da Igreja, atendendo de vez aos interessados numa transferência da sede da Freguesia e na construção de uma nova igreja matriz.
Tão logo deu-se a doação das terras, a nova capela começou a ser construída e em seu entorno nasceu o ‘novo’ povoado da Freguesia do Bom Jesus da Canna Verde dos Batataes, no lugar conhecido como ‘Campo Lindo das Araras’. Aos poucos o antigo povoado deixou de existir.
A nova igreja matriz foi finalizada e inaugurada em 19 de maio de 1838, mas desde o ano de 1823 passou a ser utilizada para as celebrações religiosas.
Assim sendo, Batatais em 2022, tem seu próprio Bicentenário: o da doação de terras feita pelo casal Germano Alves Moreira e Anna Luiza que deu origem à primeira Igreja Matriz em um novo povoado da Freguesia do Senhor Bom Jesus da Canna Verde dos Batataes. A doação foi formalizada no dia 10 de agosto de 1822; um mês antes do Brasil proclamar a sua independência de Portugal, em 07 de setembro de 1822.
COMO BATATAIS CELEBROU A INDEPENDÊNCIA DO BRASIL HÁ 100 ANOS
Saiba como foram as comemorações do Centenário da Independência na cidade de Batatais por meios de fotos e feitos da época. O leitor poderá conhecer o que aconteceu através do texto abaixo e um pouco mais ao visitar a exposição fotográfica que estará na sala Agaso, na Estação Cultura entre os dias 08 de setembro e 31 de outubro.
No ano da comemoração do Bicentenário da Independência do Brasil, 2022, trazemos ao leitor fragmentos de como foi celebrado o respectivo evento histórico a um século atrás em Batatais, ou seja, em 1922.
O leitor pode se perguntar: Por que não falaram de como foi a recepção do fato há 200 anos, em 1822? É porque, como já tratado no texto anterior, nosso povoado estava em formação, as articulações políticas eram inexistentes na região e a sociedade era agrária e escravocrata.
Ou seja, o que temos como referência histórica da emancipação política do Brasil em relação a Portugal em nossa cidade são as comemorações cívicas, em especial a ocorrida há 100 anos, que foi considerada uma verdadeira parada cívica envolvendo boa parte da comunidade batataense em torno desse episódio histórico que foi o 07 de setembro de 1922, dia em que foi festejado o Centenário da Independência Política do Brasil em relação a Portugal.
Em concomitância aos dias de festividade patriótica em Batatais, ocorreram festividades religiosas dedicadas ao padroeiro da cidade. O padre da época, Dr. Joaquim Alves Ferreira, comemorou a data do Padroeiro, Senhor Bom Jesus da Cana Verde, Seis de Agosto, junto com o Sete de Setembro.
“Em Batataes o Sete de Setembro será condignamente commemorado sendo o programa dos festejos cívico-religiosos para esse dia se trasladou a festa do Padroeiro da Paróquia; com intenção comemorativa e ao mesmo tempo, feito útil, de proveito altamente caridoso, será lançada a Pedra Fundamental da Villa Vicentina, dia em que no Planalto central de Goyaz, proceder-se-á egualmente ao lançamento da Pedra Fundamental da futura capital da República, segundo preconisa a Constituição Federal.” (GB, 13/08/1922)
Neste período era presidente do Brasil, Epitácio Pessoa; o governador do Estado de São Paulo, Dr. Washington Luís; o prefeito de nossa cidade, coronel Manoel Victor Nogueira; o vice-prefeito, José Ordine; o presidente da Câmara, Guilherme Tambellini e os demais vereadores: João Cândido Alves Filho e Gabriel Martins de Oliveira; o juiz de Direito, Dr. Basileu Soares Muniz; o promotor público da Comarca, Dr. José Arantes Junqueira, o escrivão do juízo de paz, Francisco Moreira e o tabelião do 1º Ofício era Ovídio Tristão de Lima.
O jornal Gazeta de Batataes deu especial destaque aos preparativos que antecederam a comemoração do Centenário da Independência do Brasil na cidade. Sendo possível acompanhar os preparativos e cobertura da celebração que se tornou um marco na história do município. Ainda assim, os acontecimentos nacionais mais relevantes não foram esquecidos.
Nos meses que antecederam ao evento do Centenário da Independência, alguns acontecimentos nacionais foram notícia no semanário local como: a tomada do Forte de Copacabana pelos tenentes, a transmissão radiofônica prevista para o 7 de setembro no Rio de Janeiro, a presença de vários chefes de Estado, inclusive de altos membros da Igreja Católica na parada cívica da capital federal.
O folhetim deu especial destaque a uma série de artigos defendendo o voto feminino, depois da tentativa pioneira, porém infrutífera, de alistamento eleitoral feita na capital paulista por uma acadêmica da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, a batataense Regina Cecília Maria Nolf Nazário. A autora dos artigos foi a própria peticionária, mais conhecida como Diva Nolf Nazário.
Outra nota interessante sobre as comemorações do Centenário da Independência veio da vizinha cidade de Brodowski: a publicação do “Álbum de Brodowski” em homenagem à data cívica. O álbum reuniu uma série de informações e dados do município, além de fotografias, organizada pelo semanário “Gazeta de Brodowski”, em especial pelos jornalistas Antônio Grellet, Antônio Gonçalves Bastos e pelo diretor do jornal, José Ferraz.
Para o evento do Centenário da Independência em 1922, uma comissão de festas foi organizada, sendo “presidente o senhor coronel Manoel Victor Nogueira, prefeito municipal e os senhores capitão Anselmo Tambellini, o senhor Basileu Soares Muniz, coronel Manoel Gustavino de Andrade Junqueira, padre Dr. Joaquim Alves Ferreira e o médico José Garcia de Barros.”
A seguir apresentamos algumas fotografias dos dias 07 e 08 de setembro relacionadas aos eventos planejados para o dia patriótico, provavelmente tiradas pelo fotógrafo João Loyola. Todas pertencentes ao acervo do Museu HPWL.
O leitor, com isso, poderá fazer diversas observações, entre elas, perceber a presença marcante da população; o seu envolvimento com o evento; o modo de vestir das pessoas; a ornamentação das casas particulares, comerciais e edifícios públicos; a arquitetura da época; as casas comerciais existentes; a religiosidade; as autoridades; a quermesse etc.
Dia 6 de setembro
– Abertura da quermesse em benefício ao Senhor Bom Jesus, na Praça Cônego Joaquim Alves, com apresentação da Banda Musical Euterpe Batataense às 18h. De acordo com o jornal, a noite foi concorrida, com grande participação popular.
“o grande concerto musical – (…) achava-se artisticamente ornamentado com escudos, festões, galhardetes, bandeirolas, folhagens, e distinctos luminosos, além de retratos de heroes da independência. A iluminação intensa e elegantemente espalhada no centro e pelas avenidas, completava o belíssimo e deslumbrante aspecto do logradouro público. O povo se acotovelava em todos os pontos da praça. A impressão que se tinha do grande movimento humano não podia ser mais agradável e festiva. Os dois distintos pavilhões denominados – Pátria e Religião – ainda mais realçavam a esthetica daquele ponto de diversão, – centro principal das reuniões populares durante os magníficos festejos.” (GB, 17/09/1922)
Além de comparecer às festividades religiosas e cívicas, a população aderiu a outros chamamentos da municipalidade, como por exemplo, enfeitar a fachada de seus prédios. Foi pedido à população que: “no dia da grande data sejam embandeiradas as suas casas. Nada quer dizer que taes bandeiras sejam maiores ou menores, custosas ou não; o fim principal desse trabalho é imprimir à cidade um tom festivo. Nacionaes e estrangeiros devem atender ao pedido do digno governador da cidade.” (GB, 13/08/1922)
“o aspecto da cidade – Já no dia 6, à noite, a população inteira iniciava o embadeiramento das fachadas das suas casas, enfeitando-as e iluminando-as também.” (GB, 17/09/1922)
Algumas instituições e autoridades compareceram incorporadas às paradas e desfiles cívicos, como o Tiro de Guerra 26, o Grupo de Escoteiros e os alunos das escolas públicas e particulares da época; no caso, o Grupo Escolar Dr. Washington Luís, a escola isolada do Castelo, o colégio Soares Júnior, o colégio Nossa Senhora Auxiliadora e o Ginásio São José.
Dia 7 de setembro
– Alvorada com as bandas musicais Euterpe Batataense e Santa Cecília e queima de baterias de tiros;
– Missa Campal na atual Praça Fernando Costa:
“a solene missa campal – em altar preparado na praça Municipal, muito bem feito, todo enfeitado com adornos em que predominavam absolutamente as cores nacionais, realizou-se, às 11 horas, a missa campal, perante extraordinária assistência. A grande praça, cujas casas se achavam embandeiradas, era ocupada, de um lado, em logar dividido, pelos alunos de todos os estabelecimentos de ensino públicos e particulares, pelos soldados do Tiro e pelos escoteiros. (…) na parte superior do altar uma cruz tosca envolvida numa enorme bandeira nacional (…)” (GB, 17/09/1922)
Após a missa, o vigário local, Pe Dr. Joaquim Alves Ferreira proferiu um entusiasmado discurso patriótico-religioso, afirmando o quanto a Igreja sempre esteve ao lado do Estado brasileiro, mesmo após a sua laicização.
Em seguida, as instituições e pessoas presentes junto com as duas bandas musicais cantaram os hinos Nacional e da Independência e organizaram-se para o desfile cívico da Praça Municipal (atual Praça Dr. Fernando Costa) até o Paço Municipal, na Praça da Matriz.
“organizou-se garboso préstito, vendo-se na frente uma padiola em que figurava uma grande bandeira nacional… carregada por quatro gentis senhoritas, a padiola era ladeada pelos soldados do Tiro 26, vindo, atraz todos os collegiaes mencionais, as duas corporações musicais e grande povo. (…) o bello pavilhão foi recebido pelos senhores coronel Manoel Visctor Nogueira, prefeito municipal e Guilherme Tambellini, presidente da Câmara. Sob aplausos foi recolhida a bandeira e depositada no salão nobre” (GB, 17/09/1922)
No mesmo dia 07 de setembro às 16:30, deu-se a principal cerimônia daquele dia cívico com o hasteamento da bandeira nacional, especialmente confeccionada para aquele momento e, novamente os soldados do Tiro 26, estudantes e bandas cantaram o hino da Independência. Sendo orador oficial na ocasião, o advogado Dr. Frederico Marques.
À noite, a quermesse do Senhor Bom Jesus continuou a atrair a presença do público.
Dia 8 de setembro
Pela manhã ocorreu o arreamento da grande bandeira perante público presente. Houve queima de tiros, discurso e hino.
Foram feitas atas dos momentos cívicos considerados mais importantes daqueles dias patrióticos na cidade pelas autoridades políticas e judiciárias e demais representantes das elite econômica local.
Cápsula do Centenário da Independência
Segundo o jornal Gazeta de Batataes, o momento histórico celebrado, o Centenário da Independência do Brasil seria eternizado pela Câmara Municipal. Havia a pretensão de se registrar, guardar e depositar num suporte documentos relativos ao dia.
O “livro de actas, programas de festas, jornaes do dia e fotografias serão encerrados numa urna de zinco, hermeticamente fechada, e esta, por sua vez, mettida numa caixa de madeira, em cuja parte superior far-se-á uma inscripção a respeito”, então seria depositada no salão nobre do Paço Municipal. (OJ, 17/09/1922)
Infelizmente, o jornal não trouxe mais nenhuma informação sobre a urna e seu conteúdo. A pergunta que fica: esse último ato simbólico aconteceu? a urna existiu com os objetos? se perdeu com o tempo? outros indícios de sua existência? Enfim, um assunto que carece de maiores investigações.