Por Sérgio Corrêa Amaro – agosto/2024
A história da imprensa em Batatais é mais do que centenária; as poucas informações que tínhamos em Jean de Frans (José Augusto Fernandes) no livro Bom Jesus da Cana Verde – Batatais de Outrora (São Paulo, 1.939) e as do trabalho publicado na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo por Lafayette de Toledo “Imprensa paulista – memória histórica” (volume III, São Paulo, 1898) não coincidiam quanto ao ano da fundação do primeiro jornal de Batatais: Jean de Frans apontava 1882 e o artigo da revista do IHG/SP 1881. Os dois autores concordavam quanto ao nome do jornal, “O Século” e o nome do fundador, César Ribeiro.
Até recentemente não havia notícia da existência de nenhum exemplar de “O Século”, seja nos arquivos e bibliotecas de Batatais, seja em outros repositórios. Por feliz acaso, descobrimos o número 8 de “O Século” na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro que nos cedeu cópia digitalizada daquele nosso primeiro semanário, publicado em um domingo, 3 de julho de 1881, cujas páginas ilustram o presente artigo.
A pesquisa em outras fontes jornalísticas da época se mostrou frutífera, pelo Correio Paulistano, de Joaquim Roberto de Azevedo Marques, número 7286, de 16 de março de 1881, confirmamos que “O Século” apareceria “em breve” em Batatais, “semanário noticioso, literário, agrícola e comercial, de propriedade de uma associação particular e redator César A. Ribeiro”.
Não dispondo de outros exemplares, somos levados a crer que, de fato, “O Século” tenha publicado o primeiro número em março de 1881. A primeira página informa “O Século” e na linha debaixo “semanário noticioso, literário, comercial e agrícola”.
O momento vivido por Batatais nas décadas finais do século XIX foi paralelo ao que se convencionou chamar de Belle Époque paulista (ou caipira): a riqueza proporcionada pelo café, chegada da ferrovia ao interior, indústria nascente, revitalização do comércio, intensa urbanização e entrada de grande número de imigrantes, especialmente italianos.
Os tempos eram outros se comparados aos períodos anteriores, a elite rural – dona de terras, escravos, capitais e do mando político – se aliava aos bacharéis, professores e profissionais liberais, a elite “intelectual”. O interior refletia, de certo modo, o que ocorria nas grandes cidades e na capital do Império, o Rio de Janeiro, a tentativa de engrandecimento pelo refinamento à maneira de Paris, capital do mundo na época, a ditar moda, estilos arquitetônicos, arte e literatura, tudo mediado pela imprensa periódica, os jornais e revistas que traziam o mundo “de fora”.
As cidades do interior paulista desde logo se mostraram propensas a acompanhar o movimento de fortalecimento da imprensa periódica, ter um jornal próprio era motivo de orgulho, era um claro sinal do “progresso” social e tecnológico da Belle Époque, o modo de expressão da intelectualidade local.
Assim, o aparecimento de “O Século” em Batatais respondia aos anseios de um grupo de professores, advogados, profissionais liberais e políticos ávidos por um meio de expressão em letra de forma, oportunidade para exposição de ideias e debates e, até, do “esclarecimento” da população menos letrada.
Aquele nosso primeiro jornal não teve vida longa – menos de um ano – foi uma “rosa de Malherbe” pois na virada de 1881, os redatores César Ribeiro e Gaspar da Silva, ambos portugueses, se transferiram para Franca e lá fundaram o famoso “Nono Distrito” em janeiro de 1882.
Curiosidade: nossa vizinha e querida cidade de Ribeirão Preto chamou-se por alguns poucos anos de Vila de Entre-Rios, como se lê no anúncio de um certo Hotel do Avila, no largo da matriz do que o semanário chama de “antigo Ribeirão Preto (página 4).
Destes primeiros jornalistas de Batatais – César Ribeiro e Gaspar da Silva, de vida aventurosa em vários pontos do Brasil, envolvidos na maçonaria, na fundação de escolas e vários jornais, no abolicionismo, no movimento republicano e em muitas polêmicas pela imprensa traçamos pequeno perfil, pois as fontes, como dissemos alhures, são escassas.
Gaspar da Silva: era português, nascido na antiga freguesia de Almacave, pertencente a Lamego, nome completo: Boaventura Gaspar da Silva Costa Barbosa. Filiação: Boaventura Teixeira Barbosa e Maria Luisa da Costa Barbosa. Tinha formação em Coimbra, porém inacabada, escrevia sobre vários assuntos, fundou jornais e até empresa de importação. Não sabemos ao certo quando teria chegado ao Brasil, é citado como fundador de uma loja maçônica em 1867. Casou-se duas vezes e teve pelo menos dois filhos. Depois de quinze anos de Brasil retornou a Portugal onde recebeu o título de Visconde São Boaventura (1893), dado por Dom Manuel II, nos estertores da monarquia portuguesa. Gaspar da Silva era poeta, escritor de livros e artigos de jornal, colaborou no “O Estado de São Paulo”, tinha amizade com jovens talentos literários, uma vida um pouco errática: Uberaba, Sorocaba, Batatais, Franca, Campinas, São Paulo e Rio de Janeiro, sempre às turras com os homens da Igreja (em Franca teve brigas enormes com Monsenhor Rosa), era favorável ao abolicionismo e à educação universal (o que talvez explique a fundação de escolas por onde andava). Apoiou (e criticou, claro) a República no Brasil em seus primeiros anos. Há muitos trabalhos sobre Gaspar da Silva, destacamos as teses do saudoso colega de magistério Marcelo dos Reis Tavares na UNESP Franca e da professora Célia Regina Silveira, da UEL (Londrina). No Brasil era um representante de Portugal, em Portugal um representante do Brasil e fez a ponte entre os dois países em suas publicações aqui e na “terrinha”. Faleceu em Sintra, Portugal, em 1910. A foto que ilustra o presente trabalho foi generosa colaboração da Hemeroteca Digital de Lisboa.
César Ribeiro (César Augusto Ribeiro), passou para o Brasil com Gaspar da Silva, talvez tivesse menor condição financeira que o amigo, sabemos que também era maçom e dedicou-se ao magistério tanto em Batatais, Uberaba e Franca, continua para nós um enigma, nada ou quase nada sabemos de sua biografia, se voltou a Portugal ou se ficou por aqui, a pesquisa continua em aberto.