A história é conhecida de todos, e ficou conhecida como o maior estelionato eleitoral do período pós democratização em nosso país. Mas vamos relembrar.
Em janeiro de 2013, a então presidente Dilma Rousseff, em seu primeiro mandato presidencial, anunciou com pompa e circunstância em pronunciamento em cadeia nacional de rádio e TV, que estava determinando a redução do valor da conta de luz, dizendo que: “A partir de agora, a conta de luz das famílias brasileiras vai ficar 18% mais barata.” A intenção era claramente política, e acabou rendendo frutos na eleição de 2014, quando ela acabou se reelegendo (por uma pequena margem, é verdade), para o seu segundo mandato.
Mas logo no ano seguinte, 2015, a máscara da manobra eleitoreira caiu, e com o aumento do consumo e escassez de oferta de energia, a realidade chegou para todos os brasileiros, e a conta de luz sofreu um aumento da ordem de 51%. Essa pilantragem eleitoreira pesou, e muito, para dar consistência e estimular os movimentos populares de rua com o lema “FORA DILMA”, que desencadearam o processo de impeachment da presidente, finalizado em 2016.
Pois bem, infelizmente para todos nós, parece que a história tem grande chance de se repetir em breve, com outros atores e pequenos arranjos no roteiro, mas tendo o mesmo objetivo: vencer a próxima eleição presidencial.
Nessa semana, o ministro da economia Paulo Guedes, na abertura de um evento empresarial com transmissão pela internet, defendeu a tese de uma “licença” excepcional para o governo furar o seu teto de gastos, e financiar um auxílio denominado “Auxílio Brasil”, a ser pago já à partir desse ano e em 2022 no valor de 400 reais, a mais de 17 milhões de brasileiros. Não que alguém discorde da necessidade de ajudar a população mais vulnerável nesse momento, que ainda sofre os efeitos da crise gerada pela pandemia da Covid-19, mas o problema é a forma como o governo vem introduzindo o assunto, e de onde vai sair esse dinheiro. Esses recursos poderiam sair do corte das emendas parlamentares, do enxugamento dos gastos públicos, da reforma fiscal, da fiscalização do teto salarial do funcionalismo público… mas não. Preferiu tentar a tal autorização para explodir o teto de gastos do governo em mais de 30 bilhões no próximo ano.
Só para esclarecer resumidamente, o teto de gastos é uma regra que limita o avanço anual dos gastos públicos à inflação do ano anterior. Ele foi criado em 2016 a partir da constatação de que o país caminhava para um cenário de desastre fiscal, já que o crescimento das despesas públicas crescia ao ano algo em torno de 6% acima da inflação. Naquele ritmo, a análise geral era que não demoraria até que o país perdesse a capacidade de arcar com suas dívidas.
Após a fala do ministro na terça feira (20/10), o mercado imediatamente reagiu, e de maneira bem negativa, à proposta apresentada. O dólar disparou, a bolsa caiu, a expectativa de aumento nos juros se tornou mais robusta e as previsões de alta de inflação dispararam. Isso poderia gerar uma crise de confiança do setor produtivo, que levaria a uma fuga de capitais, com pressão adicional na taxa de câmbio, que reajusta quantidade considerável da cesta de preços, como gasolina, gás de cozinha, alimentos, e poderia levar a uma disparada nos preços mais grave que a atual.
Mas não foi só o mercado que refugou. Importantes peças da própria equipe de Paulo Guedes pularam do barco já na quinta feira (21/10): dois importantes secretários do ministério, e dois secretários-adjuntos, que não concordaram com a intenção do ministro em mandar para o espaço o controle de gastos do governo.
A realidade é que essa discussão às vésperas de um ano eleitoral, com uma disputa que já se vislumbra extremamente polarizada, passa uma impressão extremamente eleitoreira aos investidores, o que pode ser ruim para o mercado, que questiona: “Caso o governo fure o teto, o que o impede de extrapolar esse limite novamente no futuro com outra justificativa?”. Em resumo, a discussão sobre extrapolar o teto de gastos, nesse momento, e por meio de um malabarismo sem pé nem cabeça, é indiscutivelmente inconveniente e oportunista, e pode sinalizar para toda a cadeia produtiva e de investimento, aqui no Brasil e lá fora também, um cenário bem mais negativo na nossa economia. E isso não é nada bom.