Infelizmente o tema que iremos tratar nesta edição ficará registrado com fotos do evento em anos anteriores, pois o nosso tradicional Festival do Folclore, que neste 2019 chegaria a sua 24ª edição, não foi realizado pela Associação Folclórica de Batatais em parceria com a prefeitura municipal, por razões relacionadas à falta de tempo e de recursos.
Todavia, falemos desta festa pelos frutos que já colheu na esperança de que em breve volte a fazer parte do nosso calendário de eventos turísticos e culturais; a começar pelo nome FOLCLORE, que tem sua origem na junção das palavras inglesas FOLK (povo) e LORE (saber), neologismo este inventado pelo escritor William John Thoms, no dia 22 de agosto de 1846, sendo esta a razão pela qual o Dia do Folclore é comemorado nesta data.
De tempos em tempos surgem discussões sobre o que deve ou não ser chamado de folclore, pois em algumas situações o termo ganha sentido de algo que não é verdadeiro ou que já deixou de existir.
Em muitos casos, a palavra folclore acaba sendo substituída pela denominação de cultura popular, referindo-se a tudo aquilo que representa o saber vivo de um povo, como a dança, culinária, festas, lendas, remédios, crenças e rituais.
Porém, para ser considerado folclórico é preciso que o saber tradicional seja aceito pela coletividade, mesmo passando por modificações; tenha origem anônima; exista em função de algum fato; seja passado de geração em geração, principalmente por meio da oralidade e seja uma manifestação espontânea do povo.
Em nossas pesquisas nos artigos e livros escritos por José Augusto Fernandes (Jean de Frans) descobrimos que algumas dessas festas espontâneas do povo batataense foram proibidas por lei em nossa cidade no século XIX.
No dia 13 de abril de 1872, a Assembleia Legislativa Provincial de São Paulo, sob a presidência de José Fernandes da Costa Pereira Junior, decretou a Resolução nº 63 referente ao Código de Posturas da Vila de Batatais, que trazia no seu Capítulo III, sobre o Sossego Público as seguintes proibições:
“Art. 71. – É proibida a dança de batuque e cateretês com cantarolas e sapateados dentro das povoações e seus arrabaldes. Multa de 2$000 a cada um dos que se acharem no ajuntamento, e quatro dias de prisão. O autor do ajuntamento, ou o dono da casa que a franquear para tal fim, sofrerá o dobro da multa e prisão.
Art. 72. – É proibida nas ruas e praças desta Villa a dança de moçambique que os negros costumam a fazer em certas épocas do ano. Multa de 8$000 e dispersão dos dançantes.
Art. 73. – É inteiramente proibido o espetáculo de curro ou touros, sob pena de 30$000 de multa.
Art. 74. – É proibido o jogo de entrudo com água, laranjinhas ou qualquer liquido ou pós, nas ruas, praças e casas particulares, sob multa de 10$000 e oito dias de prisão de cada vez.
Art. 75. – É proibido andar-se com trajos disfarçados, fantásticos, ou estranhos ao comum. Multa de 10$000 a cada transgressor, dobrada nas reincidências, não excedendo à alçada da Câmara. Excetuam-se:
§ 1.° – Os loucos e sandeus.
§ 2.° – As pessoas que tomarem parte nos passeios do carnaval e bailes mascarados.
§ 3.° – As que se empregarem em exercícios ginásticos, a pé ou a cavalo, em espetáculos públicos ou particulares.
Art. 76. – Todo aquele que de noite for encontrado disfarçado com máscara, lenço ou pano no rosto, será preso e sofrerá oito dias de prisão e 10$000 de multa, além das mais penas em que aliás possa ter incorrido.
Art. 77. – É proibido o brinquedo de Judas, sob multa de 10$000 ao autor de cada um.”
Desta forma, o cateretê ou catira, o moçambique e até mesmo a malhação de Judas não eram permitidos em Batatais; proibições estas que foram reafirmadas pelo Código de Posturas elaborado por Joaquim Celidônio Junior, Alfredo da Silva Leitão, Martinho Ferreira da Rosa e Lucio Enéas de Mello Fagundes, em 10 de junho de 1894 (Lei nº 16):
“Capítulo II – Tranquilidade Pública
(…) Artigo 74: É proibido a dança de moçambique, batuque, jongo, cateretê, fados com cantarolas e sapateadas dentro da cidade e povoações; o morador da casa em que se fizerem as danças acima mencionadas, pagará multa de 20$000 e dois dias de cadeia.”
Muitas destas festas e danças folclóricas possuem datas específicas que seguem o calendário agrícola e ou cristão, sendo no Ciclo Junino realizadas as festas em homenagem a Santo Antônio, são Pedro e são João; no Ciclo do Divino as danças de moçambique; no Ciclo de Nossa Senhora do Rosário, as congadas e no Ciclo Natalino as festas de Santos Reis e novamente as congadas. Muitas destas festas eram realizadas no entorno da Igreja do Rosário (demolida em 1924 para a construção da Câmara Municipal).
De acordo com Jean de Frans em seu livro “Bom Jesus da Cana Verde” (1939, p.47), no final do século XIX havia três festas tradicionais em Batatais: a do Divino, a de São Sebastião e a do padroeiro, Bom Jesus da Cana Verde.
“A dança dos moçambiques, quase sempre por ocasião da festa do Divino, não durou muito. Era uma dança de pretos, vestidos de camisolões brancos, trazendo nos tornozelos pequenas latas com pedregulho e que eles agitavam nos seus sapateados característicos. Paravam às portas das principais casas, cantando umas coisas monótonas que ninguém compreendia (…) e era-lhes vedado o ingresso na igreja” (FRANS, 1939, p.57).
Atualmente em nossa cidade temos grande tradição na Folia de Reis, mas vale destacar que, de acordo com Jean de Frans, em finais do século XIX, houve também em Batatais um grupo muito popular de congada liderada pelo “Velho Tomé”.
“No primeiro dia (Natal de 1894) o bando desceu da rua da Estação à paisana, ao toque ritmado de caixas e pandeiros, executando algumas de suas cantigas. (…)
Mas, no dia do Ano Novo o pessoal rompeu cena em grande gala. Cada preto timbrou em se ornamentar melhor que o outro. Saiotes vistosos, colares de contas rebrilhantes, pulseiras, lantejoulas, uma beleza! Depois de percorrerem as ruas principais, seguiram para a Igreja do Rosário, onde saracoteavam com o máximo entusiasmo diante da santa.
(…) Na igreja, só os violeiros não entravam, dois ou três, pois que seria pecado. Mas adufes, caixas e pandeiros entravam sem mais aquela e enchiam a igrejinha com a sua pancadaria. O Tomé era o rei da congada. Dizia-se então “o congado”. À paisana, ele empunhava uma bengala ou pedaço de cabo de vassoura, figurando um cetro, mas fantasiado, coroa na cabeça, revestido de manto real.” (Jean de Frans – O JORNAL DE BATATAIS 20/01/1944).
Como toda manifestação folclórica, passada de geração em geração, outros reis do Congo vieram em substituição ao Tomé, como o Joaquim Bumbeiro, o Bartolomeu; mas, pelo que pudemos perceber dos relatos das memórias de Jean de Frans, foi com o “Velho Tomé” que os festejos da congada atingiu sua grandiosidade e beleza em Batatais.
Podemos dizer que cabe a cada um de nós a preservação dos usos e costumes que caracterizam o nosso folclore, mas a existência de lugares como a Associação Folclórica e o Museu Histórico, nos ajuda a contar essas histórias.
Sobre o acervo do Museu Histórico e Pedagógico “Dr. Washington Luís” destacamos aqui o violino que pertenceu ao Sr. Manuel da Silva, também conhecido como “Mané do Violino” com o qual acompanhou muitas Companhias de Reis; um pandeiro com fitas de origem desconhecida e uma tela pintada pelo Sr. Agaso (Antônio Gabriel de Sousa) representando uma Companhia de Santos Reis.
E como o saber popular nunca é demais, seguem algumas crenças e superstições da população de Batatais no final do século XIX:
– Canto da coruja sempre foi considerado de mau agouro. Para afastar os infortúnios era costume falar “Cruz Credo” e bater de duas a três vezes o chinelo no chão.
– Deixar a sola do chinelo para cima dava azar.
– Galo cantar fora de hora denuncia moça roubada e galinha “cantando de galo” era sinal de desgosto próximo.
– Entrar por uma porta e sair por outra, em uma casa ou cômodo, poderia trazer grandes infelicidades.
– Não prestava indicar no próprio corpo onde era a localização de uma ferida “brava” que acometia em outra pessoa. Caso acontecesse de apontar, outra pessoa deveria ressaltar:“lá nele, lá nele”.
– Se uma mulher sonhasse com cobra ou o marido aparecesse com dores de dente, era sinal de gravidez.
– Apontar uma estrela no céu tornava a pessoa mentirosa.
– Quem dava uma coisa e tornava a pegá-la, ficaria corcunda.
– Cuspir no fogo fazia secar a saliva ou a língua.
– Era obrigatório cuspir para o lado sempre que se falava do câncer ou outra ferida “brava”.
– Varrer a casa depois de a pessoa partir, pode fazer com que ela não volte mais.
– Varrer uma casa à noite é presságio que um dos moradores irá morrer.
– Era de mau agouro colocar os pés da cama virados para a porta, pois somente os defuntos ficam assim.
– Ninguém morre no dia em que espirra; vindo daí o costume de dizer “Deus lhe ajude” após a pessoa espirrar.
– Criança que brincava com fogo, fazia xixi na cama.
– Criança que come crista de galo não faz xixi na cama.
– Expor ao luar roupa mijada de criança pequena traz fortes dores de barriga ao bebê.
– Andar de costas era mandar a mãe para o inferno.
– Para saber quem do casal morreria primeiro, bastava somar o número de letras do nome da esposa com o número de letras do nome do marido e tirar 9. Dando resultado par, era a mulher e resultado impar, o homem.
– Acreditavam que para curar íngua era preciso fazer uma cruz sobre a mesma com um sabugo queimado.
– Para curar caxumba era preciso encostar o cabo aquecido de uma colher de pau na parte afetada.
– Para curar sapinho colocavam a chave do sacrário na língua da criança.
– Excremento de galinha fazia crescer o bigode.
– Para tirar o chulé passavam excremento de vaca.
– Para curar fungo no dedo mergulhavam o mesmo na tinta da caneta tinteiro.
– Evitava-se o contato com pessoa em surto de ataque epilético, pois acreditavam que a baba era contagiosa.
– Para curar suor das mãos era bom esfregá-las nas paredes de uma Igreja.
– Casca de queijo era usada como vermífugo.