Na vida em sociedade as pessoas partilham de hábitos e interesses afins e que devem ser conduzidos com civilidade, alicerçados num conjunto de preceitos que apresentem, dentro de um grupo social, boas maneiras de relacionamento e convívio.
A pandemia do novo Coronavírus – nome pelo qual é comumente tratada a doença, tem posto à prova a conduta da população e o princípio de civilidade, haja vista a necessidade dos Estados em restringirem a liberdade de circulação da população, em razão da incrível velocidade com que se propaga o vírus e o altíssimo índice de infectados que necessitam de internação e do auxílio de aparelhos de respiração artificial.
Em sua obra, Ensaio sobre liberdade, o filósofo e economista britânico, John Stuart Mill, considerado por muitos o maior filósofo da língua inglesa, preleciona que “O único propósito com o qual se legitima o exercício do poder sobre algum membro de uma comunidade civilizada contra a sua vontade, é impedir dano a outrem.” Assim sendo, se as próprias pessoas são as transmissoras e receptoras do vírus, a velocidade de propagação deste é diretamente proporcional à circulação daquelas e, portanto, o exercício da liberdade de uns afeta diretamente aos outros.
Vale aqui a exposição das palavras do ilustríssimo batatense, diretor do instituto Butantan e ex-coordenador do centro de contingência da Covid-19 em SP, Dr. Dimas Tadeu Covas, em entrevista concedia à revista IstoÉ: “é uma epidemia que não tem vacina, não tem tratamento efetivo e tem uma gravidade clínica importante. Os pacientes que são acometidos pela doença exigem internação, leitos semi-intensivos e UTI. Se nós não diminuirmos a velocidade de propagação do vírus com as medidas de isolamento social, fatalmente o nosso sistema de saúde será comprometido. Mesmo com esse acréscimo de leitos que estão ocorrendo com a construção de hospitais de campanha, se a velocidade de expansão do vírus for explosiva, o sistema de saúde será fatalmente atingido e o prejuízo é para todos porque os hospitais existem para tratar pessoas doentes, não só pessoas com coronavírus.”
Neste sentido, já que até o momento as medidas de isolamento social têm se mostrado a única forma eficaz de redução do contágio, aparenta-se perfeitamente razoável a limitação temporária à liberdade individual das pessoas, com o objetivo de segurar a saúde coletiva e o bem comum da população.
Não há que se falar na hipótese de inconstitucionalidade das medidas que vêm sendo adotadas, já que a própria Constituição Federal estabelece a supremacia do interesse coletivo diante o individual e a não existência de um direito absoluto, uma vez que estes vivem em permanente conflito, trazendo para este terreno e a resolução de eventuais colisões, o princípio da proporcionalidade, que nada mais é do que uma ponderação a fim de assegurar aquilo que é mais interessante aos indivíduos e à sociedade.
Além dessa – a Lei maior brasileira, o Pacto de São José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário, também estabelece a possibilidade da restrição, em períodos de crise, aos direitos por ele garantidos, e traz, em seu artigo 27, um rol taxativo de direitos substanciais que devem ser salvaguardados, não podendo sofrer limitações, direitos que conferem ao cidadão a condição de ser humano, de um mínimo de dignidade.
São eles: o direito ao reconhecimento da personalidade jurídica, o direito à vida, à integridade pessoal, a proibição da escravidão e servidão, o princípio da legalidade e da retroatividade, a liberdade de consciência e de religião, a proteção da família, o direito ao nome, os direitos da criança, o direito à nacionalidade e os direitos políticos, além das garantias indispensáveis para tais direitos.
Outro pensamento que podemos extrair do brilhante filósofo inglês é que, cada indivíduo que se beneficia de alguma forma pelo convívio e a vida em sociedade, tem uma parcela de contribuição a ser dada por ela e, portanto, é dever de cada um de nós obedecer a uma certa linha de conduta para com o restante. De preferência, com uma dose de fraternidade.