Do alto de um rochedo, na escuridão da noite profunda um cadáver adiado fixa os olhos com atenção na imensidão do oceano, tudo se perde onde tudo se alcança, dois universos que se juntam num horizonte provável abrigando em suas entranhas, nas suas partes mais profundas mistérios incompreensíveis e enigmáticos.
O que se move nesse conjunto de partes que estão reunidas harmoniosamente em um Todo? Ali estão e não posso ver, qual é o ritmo e a correspondência quando eles se tocam?
Assim, o cadáver adiado pensa e reflete sobre a imensidão de si e de seu propósito. O zênite está sobre sua cabeça enquanto suas ideias formam um prisma para decompor o espectro que o acomete.
O cadáver adiado pensou nos tesouros que acumulou e agora percebe que tudo foi passageiro e que lhe trouxe medos, angústias e desavenças. Via nos outros aquilo que possuía em si mesmo, era apenas um reflexo quando poderia ter sido essência, pleno de bem aventurança, bastava apenas um mantra que o levasse ao desapego.
Lutara arduamente pela existência material sem perceber que tudo foi temporário e ilusório, pervertido e miserável, nunca ficara satisfeito, era um peixe fora da água. A sua ignorância o afastara de Deus e agora ele começava a perceber que era uma partícula atômica eterna do conhecimento perfeito, um pensamento sutil começava a cultivar sua consciência e pensou no quanto de amor ele tem a oferecer e na necessidade de compartilhar essa força incomensurável, começava a viver uma nova relação.
Ele estava ali, não por mero acaso, queria ver na imensidão de si e do universo tangente sua ilusão de realidade, as lições começaram a chegar por um propósito, não podia mais continuar com seu corpo separado da sua alma, era imperfeito na sua consciência, começara reconhecer sua ignorância e queria libertar-se para compartilhar uma rara felicidade com outros seres, pois estava saindo de uma prisão, a prisão material.
Estava deixando o tempo e o espaço, seus pecados agora amadurecidos estavam levando-o ao discernimento e ele conseguia entrar num estado de amor, paz e felicidade, porque entendera a finitude de seu corpo e a eternidade da alma.
Foi quando o relógio tocou e ele despertou de seus sonhos para continuar sua vida cotidiana, naquela manhã ele percebeu porque ele era um cadáver que havia sido adiado.