O presidente Lula marcou mais um gol diplomático ao liderar nessa semana em Brasília, a Cúpula Latino-Americana, quando estiveram presentes todos os presidentes da América do Sul, com exceção da presidente do Peru, Dina Boluarte, que no momento enfrenta um processo de impeachment. E seria uma agenda extremamente positiva para o Brasil, se o nosso presidente não insistisse em tentar defender o indefensável, no caso, o regime de governo de Nicolás Maduro na Venezuela. Nesse caso, foi um golaço contra.
Que se receba o presidente da Venezuela, que sejam reatadas as relações diplomáticas com o país vizinho, e sejam reatadas as relações comerciais, é compreensível (e necessário), mas daí a tentar mostrar que por lá está tudo dentro da legalidade, vai uma distância muito longa, e na minha opinião, inalcançável.
Lula afirmou, logo na recepção à Maduro na segunda-feira passada, que “a Venezuela precisa divulgar sua narrativa sobre a situação política e econômica do país para fazer frente às narrativas construídas por opositores no cenário internacional”. Pois bem.
Ocorre que todos os relatórios internacionais, inclusive um bem atual e fundamentado, elaborado entre 2020 e 2022 pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas ONU, presidido pela ex-presidente do chilena Michele Bachelet (de esquerda, à propósito), apontam para a prática de possíveis crimes contra a humanidade sob ordens dos mais altos escalões do governo de Nicolás Maduro, submetendo políticos da oposição, jornalistas, manifestantes e defensores dos direitos humanos a tortura, violência sexual e outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, praticados por agentes da Direção-Geral de Contra inteligência Militar, a Abim venezuelana. Isso sem falar da situação de miséria que atinge metade da população de lá, boa parte em constante migração para os países vizinhos, Brasil inclusive. Alguém por um acaso já avistou famílias venezuelanas pedindo ajuda nos semáforos de Batatais? Pois bem, isso não é narrativa… é a realidade.
Ao insistir nessa fábula, o presidente Lula recebeu a invertida indignada de ao menos 4 presidentes que estiveram na Cúpula, e se manifestaram publicamente: o do Uruguai, Lacalle Pou, do Paraguai, Mario Abdo Benítez, do Equador, Guillermo Lasso, e o do Chile, Gabriel Boric. Este último, também de esquerda, rebateu de forma contundente as declarações de Lula, afirmando que não se pode pode fazer “vista grossa” ao que ocorre no país governado por Maduro.
Ou seja, o Brasil, o maior país da América Latina em extensão, população e PIB, é uma liderança natural no continente, mas havia se afastado dessa posição no governo Bolsonaro, por questões puramente ideológicas, inclusive fechando a embaixada em Caracas. Num evento que tinha tudo para reafirmar o protagonismo brasileiro na região, Lula constrói ele mesmo uma narrativa sobre a “autocracia” venezuelana, cheia de tons e cores ideológicas, e muda o foco da reunião de Cúpula.
Realmente, parece que o nosso chanceler Mauro Vieira vai ter um bocado de trabalho pela frente… em especial, as falas atabalhoadas do nosso presidente.