Três notícias:
Primeira: Folha de São Paulo, 14/07/2019, reportagem de Rafael Garcia. Pesquisa Datafolha apurou que 7% dos brasileiros acredita que a Terra é plana. Segundo o IBGE, a população brasileira é de pouco mais de 210 milhões de pessoas, ou seja, aplicando o percentual da pesquisa, 14,7 milhões de pessoas no Brasil acreditam no terraplanismo. Este não é um movimento local. Tem muita gente no mundo acreditando que vivemos numa piscina com borda infinita. Até o guru do presidente do Brasil, o astrólogo Olavo de Carvalho declarou que, apesar de não ter estudado a respeito, “assistiu alguns vídeos” sobre os “experimentos” do terraplanismo e “não há nada que os refute”. Certamente ele também não leu que Erastóstenes, três séculos antes de Cristo, já tinha concluído pelo formato esférico deste lindo planeta azul. Ele também não deve ter ouvido falar de Kepler, Galileu, Einstein ou Sagan.
Segunda: BBC Brasil, 20/06/2019. Matéria assinada por Juliana Gragnani, relata que há um movimento antivacina. A mesma BBC, em matéria do dia 11 de fevereiro aponta mitos sobre vacinação que estão fazendo surgir doenças evitáveis, como o sarampo. Dentre estes mitos: que doenças foram criadas para vender vacinas, que a vacinar provoca a doença, que as crianças não suportam tomar tantas vacinas, que a vacina causa autismo, dentre outras teorias absurdas. A estatística neste caso é mais alentadora: 97% dos brasileiros aprovam a vacinação infantil. Aliás, neste quesito Batatais parece bem. De acordo com a Secretária de Saúde, a meta de vacinação chegou em 94,95%. Mesmo com índices elevados, impressiona saber que mais de 3 milhões de brasileiros ainda duvidem dos benefícios da vacinação. E uma observação importante: grande parte da comunidade antivacina mundial é formada por pessoas instruídas e com renda alta.
Terceira: Último Segundo (Portal IG), 16/11/2018. O então escolhido e hoje empossado Ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, “acredita que a mudança climática é um dogma científico influenciado pela cultura marxista, que pretende atrapalhar o Ocidente e beneficiar a China.” Combina com a declaração recente da mais alta autoridade brasileira contestando dados do INPE (um dos mais prestigiados institutos de pesquisa do Brasil e do mundo) porque achou que os dados eram parecidos com os do ano passado.
O ser humano construiu sua história dúvida. Ela é o motor inicial do conhecimento.
O grande problema nos exemplos acima mencionados é o uso da dúvida em questões cujo consenso científico está há muito consolidado.
A questão é tão grave que já existe termo designativo o estudo das teorias negacionistas: “agnotologia”, tradução de “agnotology”, cunhado por Roberto Proctor, professor de história da ciência da Universidade de Stanford. É o estudo da ignorância humana.
A dúvida emergente das teorias negacionistas tem múltiplas causas. Destaco quatro: a ignorância, a preguiça, o comodismo e o interesse.
A princípio, a ignorância aparenta se limitar ao estado de quem não conhece; uma ausência de informações, conceitos e ideias, como um recipiente vazio que, à medida que é preenchido, faria desaparecer a ignorância. Na verdade, ela é funcional: as informações, conceitos e ideias podem existir e o indivíduo ignorante simplesmente desprezá-las. Condiz com nossos tempos e está representada pela denegação irracional de conhecimentos científicos, como nos exemplos mencionados no início do texto.
A dúvida emergente da preguiça talvez seja a mais comum. Estudar, conhecer, aprender exige esforço e toma tempo e o mundo de hoje, especialmente o virtual, está cheio de tentações que ocupam o tempo dando a impressão de preencher o vazio da nossa existência Na verdade, é apenas um refúgio confortável para nossos cérebros. Paulinho Moska tem uma canção a respeito: “eu luto contra a minha preguiça, essa areia movediça que não me deixa partir”.
A preguiça está muito associada ao comodismo. É a conformação, a aceitação da realidade, ainda que não nos seja favorável e que seja possível mudá-la.
Já o interesse é de diversas ordens. Pode ser financeiro, seja pelo receio de perder, de gastar, de investir. Mas também pode ser ideológico e, neste ponto, é importante dizer que em matéria da disseminação do negacionismo, há representantes de todas as vertentes políticas, religiosas e filosóficas. A ciência serve enquanto favorece meus interesses; se ela se contrapõe, deve ser descartada. Vejam que a mesma ciência que desenvolveu formas de explorar as energias fósseis nos adverte hoje sobre os riscos de manter os níveis de exploração.
A combinação destes fatores na disseminação de dúvidas infundadas e negacionismos sobre consensos científicos é, ao mesmo tempo, um entrave à evolução e um risco à existência humana.
Os consensos científicos não são modismo de estação, mas o produto de conhecimentos, pesquisas criteriosas e verificação de resultados. Não são infalíveis, mas, no mínimo, contribuem para a redução da incerteza e para apontar caminhos.
Não basta, pois, a dúvida. Ela é apenas a primeira fagulha, mas precisa de combustível para florescer como conhecimento.