No início de abril de 2003, a chamada “Guerra do Iraque” caminhava para seu desfecho, com as tropas norte-americanas avançando a passos largos e sem muita resistência em direção a capital Bagdá, com o objetivo de tomar o poder do ditador Saddam Hussein.
O então Ministro do Comércio, Mohammed Mehdi, um dos homens fortes de Saddam, deu uma entrevista à TV Al Jazeera em 07 de abril daquele ano, cheio de orgulho e convicção, dizendo que as tropas iraquianas estavam “dando uma lição no inimigo”, e que o conflito logo se encerraria com a retirada do exército americano do território iraquiano. Muito bem. Dois dias depois, a infantaria norte-americana adentrou Bagdá, cercou os ministérios abandonados pelos seus comandantes (por ele inclusive), e derrubaram uma enorme estátua de ferro de Saddam Hussein localizada no centro da capital, simbolizando o terminado o seu domínio de 24 anos no Iraque.
Duas possibilidades nas declarações do desavisado ex-ministro iraquiano: ou ele era muito inocente e mal informado, ou ele negava o óbvio para defender interesses pessoais, ou no caso, do governo ditatorial.
Efeito semelhante ocorre já há algum tempo em nosso país com relação a percepção e análise que diferentes setores da nossa população, que negam a pandemia, fazem a respeito das ações e consequências do avanço do coronavírus em nossa sociedade. Existem aqueles que se negam a aceitar o óbvio (por motivos de interesse próprio), e aqueles que simplesmente não tem noção da gravidade do impacto da pandemia em nossas vidas.
Primeiro, reforçamos aqui a constatação óbvia de que vivenciamos não somente uma crise de saúde pública. Pelas suas características, a doença atinge nossa sociedade de forma estrutural, envolvendo praticamente todos os setores da economia, impactando na sociabilização entre as pessoas, na educação de todos os níveis, no funcionamento dos governos, do legislativo e judiciário. Ou seja, o resultado é previsível: recessão e enormes dificuldades para a grande maioria dos brasileiros. A pergunta é: que podemos fazer para reduzir os estragos causados pela pandemia, e conseguirmos retornar à normalidade com mais rapidez e segurança?
Primeiro: não negar a realidade crítica que passamos neste momento, e não procurarmos desculpas os saídas mágicas que contrariam as orientações dos gestores de saúde pública e os especialistas em epidemiologia e infectologia. Não há mais tempo para isso.
Sem tratamento prévio, sem remédio e com a vacinação lenta, o que necessitamos urgentemente é diminuir a circulação do vírus da forma mais eficiente possível, e para isso é fundamental manter o maior grau possível de isolamento social. Estamos passando pelo pior momento da pandemia, com a lotação dos leitos de UTI, e o número de pacientes crescendo numa rapidez nunca vista desde o início desta crise.
Aumentar o número de leitos não é uma solução viável neste momento: abrindo leitos é necessário todo o aparelhamento, o espaço físico adequado, os profissionais médicos que darão suporte, e que hoje estão em falta, pois estão todos exaustos, e tem o custeio de toda essa estrutura, que é alto. Não se pode jogar nas costas dos profissionais de saúde essa responsabilidade.
Mesmo se decidíssemos abrir mais leitos, isso não seria montado da noite para o dia, e o ritmo de contágio está mais acelerado do que a capacidade (limitada) de expansão para atendimento aos pacientes. Abriríamos 2, 3 ou 4 leitos aqui em nossa cidade, e em dois minutos estes já estariam ocupados, pois a fila de espera por um leito covid em nossa regional de saúde (DRS-13, Ribeirão Preto) supera 40 pacientes contaminados, em números do dia que escrevo este artigo (03/mar). Ou seja, a solução mais eficaz (e rápida) a ser tomada é baixar a taxa de contágio, e para que ela caia, outra taxa, a de isolamento, tem que aumentar significativamente de imediato, e isso se faz com o isolamento social rigoroso. “Não se resolvem mortes no trânsito criando mais leitos UTI, mas sim com leis de trânsito. O mesmo se aplica à Covid-19. É preciso diminuir o número de casos” (Átila Iamarino).
Além de advogado, também sou comerciante e músico. Os clientes sumiram do escritório, meu estabelecimento comercial pode fechar a qualquer momento, e minha banda não toca há mais de um ano (que saudades!). Também estou preocupado com o futuro, como todos nós estamos. Mas quero estar vivo e com saúde para poder reconstruir o que ficou no caminho durante essa pandemia, e tomar isso como um grande aprendizado de vida, que nós sempre coloquemos em primeiro lugar, as nossas vidas e as vidas de quem amamos.
Está demorando mais do imaginávamos, eu sei, mas vai passar se estivermos conscientes, focados e unidos.