O povoado primitivo e os enterramentos
A origem de Batatais está relacionada ao “Caminho do Ouro” percorrido pelos bandeirantes, sentido a Goiás, também denominado ‘Caminho dos Goyases’ em meados do século XVIII; nessa época provavelmente habitada, ainda, pelos povos originários – os índios cayapós.
Nos meados do mesmo século, assim como aconteceu em toda a província de São Paulo, a divisão da região, com a colonização portuguesa, foi feita por doação de sesmarias; em seguida, as sesmarias foram desmembradas num conjunto de posses; que deu a formação dos latifúndios e foi em torno de um destes que surgiu o primeiro povoado de Batatais na propriedade chamada Fazenda Batataes.
Tendo as pessoas o ‘lugar de morar’, haveriam também de ter o ‘lugar de dormir’ denominação originária da palavra cemitério (do grego koimhthrion, pelo latim coemeterium) seguindo o conceito da religião hebraico–cristã, de acordo com a qual a morte nada mais é do que um sono que termina com a ressurreição, não sendo, a morte um fim definitivo. (CARNEIRO, 2010, p.169)
No 1º Livro de Óbitos da Freguezia do Senhor Bom Jesus dos Batataes – que se inicia em 1814 e ultrapassa a mudança de localização do povoado em 1822, indo até o ano de 1848 – foram referenciados os vários cemitérios, entre eles: Semitério dos Batataes, Semitério do Cubatão, Semitério do Rio Pardo, Semitério dos Barreiros, Semitério do Sapucahí, Semitério de Santo Ignácio e Semitério da Santa Cruz das Lages também denominado de Semitério das Lages, Semitério de Santa Cruz, Cruz Santa das Lages ou Erminda de Santa Cruz, entre outros. (Livro de Óbitos nº 1 – 1814-1848)
Essa informação nos indica a existência de pequenos cemitérios espalhados pelo imenso arraial, provavelmente no entorno de pequenas capelas erguidas pelos fazendeiros e posseiros do local.
Oficialmente a região tornou-se Freguesia do Senhor Bom Jesus da Cana Verde em 25 de fevereiro de 1815 e provavelmente possuía, conforme descreve Jean de Frans em seu livro Bom Jesus da Cana Verde – Batataes d’Outrora, um pequeno povoado, com um ‘mísero’ cemitério e alguns casebres rústicos:
“A margem do riacho dos Batataes, affluente á esquerda do rio Sapucahy-mirim, e á beira da estrada real de Goyaz, erguia-se, naquelles primeiros dias de 1801, pouco mais de meia duzia de casas de aspecto humilde, ao redor das quaes outras foram aparecendo. Para esse pequeno nucleo convergia, dada a sua situação, junto a unica via de comunicação (…) todo o commercio das quinze posses enumeradas, vastíssimas todas, avançando leguas e leguas. Essa circumstancia concorreu, certamente, para que se desenvolvesse o pequenino povoado, que em 1810 já possuía um cemiterio de reduzidas proporções.” (FRANS, 1939, p.09)
É sabido que desde a segunda metade do ano anterior, em 1814, o povoado tinha a sua própria assistência religiosa feita pelo vigário Manoel Pompeu de Arruda, possuidor de uma propriedade na mesma freguesia, “na Fazenda do Retiro, ribeirão da Caxoeira.” (TAMBELLINI, 2000, p. 327)
Em agosto de 1814, antes da região ser oficialmente uma freguesia independente, tem início os registros de enterramento, feitos pelo pároco responsável. Antes desta data, mais precisamente desde 1804, pertencíamos a Freguesia de Franca e os registros religiosos de batismo, casamento e óbito ficavam sob a responsabilidade daquela paróquia.
O primeiro registro de óbitos do livro da Freguesia dos Batataes, ocorreu em 08 de agosto de 1814, com a morte do escravizado, Izidoro Rodrigues Caldas, solteiro, 30 anos, vitimado pela cólera, feito pelo Padre Manoel Pompeu de Arruda. Enterrado dentro da Matriz de Batatais.
Quanto à capela, necessária a toda freguesia, Jean de Frans continua no livro Bom Jesus…:
“Algum tempo levou o povoado recern-elevado sem a matriz, que, em principios de 1817, abria suas portas toscas aos devotos, que acorriam a assistir aos Oficios divinos, dirigidos pelo reverendissimo padre Manoel Pompeu de Arruda, primeiro vigario, sacerdote de acrisoladas virtudes. A igreja não passava, afinal, de uma construcção rustica e pouco recommendavel, feita de madeira mal apparelhada e de telha vã, sem muita largueza e nenhum conforto, recinto onde os fieis, apezar de reduzida a população urbana, se comprimiam á hora da missa.” (FRANS, 1939, p.10)
Os registros de óbitos e rituais fúnebres foram de responsabilidade da Igreja Católica do período colonial até a Proclamação da República em 1890. Conforme orienta as normativas da Igreja, nos livros devem constar diversas informações, como data do falecimento e enterramento, nome do defunto, idade, causa da morte, estado civil, filiação, condição civil (se cativo, o nome do proprietário), naturalidade ou procedência, nome do pároco, local do enterramento, além dos dados relacionados aos rituais fúnebres, como encomenda da alma, a mortalha utilizada e os sacramentos realizados.
No 1º Livro de Óbitos da Freguesia de Batataes (1814-1848), conforme orientações, deveriam constar todos os mortos de conhecimento da Igreja, livres ou cativos.
Para a presente pesquisa, ainda em andamento, já foram analisados os enterramentos dos anos de 1814 a 1824, período da história de Batatais que vai da elevação do primeiro povoado à Freguesia, sob invocação do Senhor Bom Jesus da Cana Verde, passando pela sua transferência para o Campo Lindo das Araras e os primeiros anos do novo povoado.
Quanto ao local específico dos enterramentos no primeiro povoado de Batatais, os defuntos eram enterrados ‘dentro desta Matris de Batataes’ ou no ‘adro desta Matris de Batataes’, conforme consta no 1º Livro de Óbitos. Era costume geral enterrar as pessoas no interior ou no entorno do templo religioso, considerado como campo-santo.
Provavelmente, Jean de Frans, ao tratar do pequeno cemitério do povoado primitivo, falava dos enterramentos realizados antes da construção da capelinha e mesmo depois do templo edificado, com os enterros no seu adro ou pátio.
Essa prática de enterrar os corpos dentro da igreja, ou seja, ‘próximo aos santos’ era decorrente da crença dos cristãos de que o morto obteria maior proteção e indulgências por estar ‘próximo aos santos e mártires’ e, com isso, mais longe do inferno.
Na prática, acabou por ser indicativo da relação do morto com a própria Igreja, além de demonstrar prestígio entre os fiéis. Muitas vezes, o local de enterramento também estava relacionado aos recursos financeiros do defunto e sua família: quanto maior os bens, mais próximo do altar o corpo era colocado, ficando assim ‘mais próximo dos santos’; da mesma forma, as pessoas desprovidas de bens, eram enterradas no adro da igreja.
Todavia, na análise da primeira década de enterramentos do povoado de Batatais, não foi observada a rigidez dessa prática de enterramento quanto a condição jurídica – livre, forro ou escravizado – sendo, muitas vezes, os escravizados e a população mais pobre também sepultados dentro da igreja local, porém mais afastados da capela mor. Cada proprietário de escravizados era responsável por dar um enterramento cristão aos seus cativos.
Comumente, os padres e pessoas ligadas às Ordens, Confrarias e Irmandades Religiosas eram enterrados dentro da Igreja, o mais próximo possível da capela mor. Para ter os restos mortais depositados em diferentes locais no interior de uma Igreja, esmolas eram estipuladas. Quanto maior a oferta, mais próxima da capela mor a pessoa era enterrada e maior a sua indulgência.
Nos livros de assentos da Igreja Matriz, não há referência a essas esmolas quando do enterramento; apenas em poucos documentos de testamentaria da época é que foram encontradas referências às doações feitas à Igreja nos sepultamentos.
Na época, os defuntos eram enterrados somente com os panos ou mortalhas, sem caixão e sem a necessidade de um túmulo próprio para o morto.
Cabe aqui trazer uma definição pouco conhecida pela maioria das pessoas: o ato de enterrar, prática comum nos séculos XVIII e parte do XIX, significa colocar o corpo, geralmente envolto em pano, dentro de uma cova e sem caixão. Já o sepultamento consiste em enterrar uma pessoa dentro do cemitério, utilizando um caixão próprio para ocasião.
Nos primeiros tempos da Freguesia dos Batataes, ainda no povoado primitivo, nos assentamentos de óbitos, nada foi registrado, que indicasse qual a mortalha que envolvia os restos mortais dos defuntos. o que nos faz deduzir que os corpos eram enterrados envoltos em túnicas brancas. Nesse período de 1814 a 1820, foram colocados apenas os corpos que foram envolvidos em hábitos de santos.
Em 1820, o pároco da época, Manoel Pompeu de Arruda, por ocasião de sua morte por ‘hipropesia do peito’, ‘aos 50 e tantos anos’, foi enterrado no povoado primitivo, na Fazenda Batataes, ‘dentro da Matris do Senhor Bom Jesus da Canna Verde’ sem a indicação do tipo de mortalha utilizada. Foi registrado que o falecido era irmão da Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte em São João del Rei e que deixou testamento.
Após a morte do Padre Manoel Pompeu de Arruda, instala-se provisoriamente no povoado da Freguesia dos Batataes para dar assistência espiritual aos moradores, o Padre José Joaquim Teixeira até a chegada do novo pároco, o Padre Bento José Pereira. Com a mudança de vigário, os assentos com a indicação do tipo de mortalha passaram a ser constantes.
Em Batatais, o uso do pano branco para envolver os restos mortais foi o mais utilizado, podendo indicar a situação econômica mais precária do defunto ou pela semelhança com a cor do ‘Santo Sudário’. Seu uso não garantia nenhum tipo de indulgência ao morto; a cor azul foi usada para o envolvimento dos restos mortais de apenas três jovens e solteiros e preta para um casal de adultos.
Há registros de corpos envoltos em panos coloridos de preto, azul claro ou vermelho, além dos defuntos envoltos em mortalhas de algum santo de devoção, como os hábitos de São Francisco e de Nossa Senhora do Carmo.
O uso do pano vermelho era usado geralmente em crianças, vistas com elementos de inocência e santidade, pois no catolicismo, o vermelho é a cor dos mártires da Igreja.
A escolha, por envolver os defuntos com hábitos de santos, pelos membros de alguma entidade religiosa tinha por objetivo garantir a intercessão daquele santo junto a Deus. Era uma forma de assegurar a salvação eterna da alma da pessoa que usasse aquela vestimenta envolvendo seus restos mortais.
A mortalha de São Francisco de Assis era comumente a mais utilizada, entre homens e mulheres, e buscava demonstrar a devoção e humildade da pessoa em vida – o que não necessariamente significava a realidade – perante a Deus e aos santos.
Existia a crença que o defunto com hábitos franciscanos teria a salvação eterna da sua alma. O hábito carmelitano, mais comum entre mulheres, também foi registrado em Batatais. O uso de mortalhas dedicadas aos santos somente foi registrado em pessoas livres.
Na segunda metade do século XIX, mortalhas da cor azul e da cor rosa passaram a ser utilizadas em crianças, moças e jovens solteiros. O uso do pano preto para envolver o defunto aparece com frequência nos registros no mesmo período citado.
Novo povoado: uma nova Matriz e suas práticas de enterramento
A chegada do Padre Bento José Pereira, no início de 1821, marca a trasladação da sede da dita freguesia para outras paragens. O novo pároco, dá início ao processo de busca por outra região para erguer uma nova e robusta Matriz.
Com a mudança da sede da Freguezia dos Batataes para as terras que Germano Moreira e Anna Luísa doaram em 1821 para a Igreja, um novo templo começou a ser construído, nas terras denominadas Campo Lindo das Araras. Tem, com isso, a formação do novo povoado.
Com pouco mais de um ano da doação das terras para o patrimônio da Igreja, a nova Matriz do Senhor Bom Jesus da Cana Verde do Campo Lindo, mesmo sem estar finalizada, passou a ser utilizada no segundo semestre de 1823.
Na nova Matriz desta freguesia, o hábito de se enterrar os defuntos no interior da Igreja permaneceu por pouco tempo. Em 1829, os enterramentos no interior do templo são suprimidos. Ainda assim, a população local era enterrada próxima à Igreja, no campo-santo de todo o seu entorno, até a criação de um cemitério formal.
Atualmente, estão sepultados oficialmente no interior da Igreja Matriz, apenas os párocos Cônego Joaquim Alves, Monsenhor Joaquim Alves, Monsenhor Mário da Cunha Sarmento e recentemente o engenheiro e arquiteto Carlos Zamboni.
Desde a segunda metade do século XIX, quando as primeiras noções sanitárias e higiênicas públicas foram consideradas de forma mais séria, os cemitérios passaram a ser instalados próximos às igrejas ou mesmo afastados dos templos para evitar o mau-cheiro e as possíveis contaminações. Mas, de maneira geral, no Brasil, o costume de se enterrar dentro dos templos religiosos perdurou, pelo menos, até o início do século XX.
Cemitério tradicional cristão: enterramentos no adro da Igreja e sem túmulos
Com o passar dos tempos, a população começou a se preocupar com o contágio de algumas doenças, mesmo depois da pessoa morta. Porém, isso não significou a criação imediata de locais mais adequados e afastados do centro urbano para a colocação dos corpos.
As doenças contagiosas mais comuns indicadas como causa mortis nos primeiros tempos no povoado primitivo de Batatais foram: cólera, tísica, morfea, mal de São Lorenzo, febre maligna; além de causas como: esquinência, febre biliosa, hipropesia, lombrigas, defluxo, icterícia, sarnas, morte repentina e parto. Nos assentos constam também causas por mordedura de cobra, raio, facadas, ‘matado’, afogado e queimado, entre outros. (Livro de Óbitos 1, 1814-1824)
Em Batatais, o Código de Posturas de 1872, previa cuidados especiais quando o defunto tinha morte por varíola.
Os cadáveres dos que morrerem de bexigas ou outras rnoléstias epidêmicas ou contagiosas, seriam sepultados “em logar distincto e separado dos mais cadáveres”, naturalmente para evitar o contagio, o que, convenhamos, seria uma calamidade. (FRANS, 1939a, p. 28)
As posturas de 1872 proibiam “a resa cantada em voz alta pelos assistentes de cadáveres depositados em casas particulares”, principalmente se nas redondezas houvesse “enfermo grave ou qualquer parturiente”: – multa de cinco mil reis. (FRANS, 1939a, p. 28)
Nas narrativas de Jean de Frans, encontramos passagens com antigos moradores da cidade e suas reações frente as persistentes epidemias, como o medo de contaminação por varíola. A seguir, um trecho do texto Joaquim Alves constante no Gente de Minha Terra – Batataes d’Outrora:
“Outra feita, grassando com certa intensidade a varíola em llha Grande (antigo distrito de Batataes, atual Jardinópolis), circulou celere pela cidade a noticia de que, nos arredores, havia fallecido um varioloso, que os parentes teimavam em enterrar no cemiterio local. O tenente e a mulher temiam as bexigas, como toda gente aliás, e por isso deliberaram abandonar a: cidade, antes que o defunto chegasse e com elle a epidemia”. (FRANS, 1939b, p. 24)
Medidas sanitárias passaram a ser defendidas com maior ênfase na época. Casos de tuberculose pulmonar deveriam ser comunicados à administração pelos responsáveis pelos cemitérios; a proibição de velórios e enterros públicos e a sanitização das casas dos mortos era obrigatória.
Vale lembrar que Batatais, chegou a ter três distritos ao final do século XIX: Jardinópolis, Brodowski e Altinópolis. Em todos os distritos, pelos documentos da Câmara Municipal havia cemitérios extra-muros.
Em 1828, uma das ‘Leis Imperiais de Estruturação dos Municípios’ proibia os enterramentos dentro das igrejas. Em Batatais, ao menos no papel, a partir de 1829, provavelmente para se adequar às leis de estruturação dos municípios decretadas no ano anterior, começou a ser registrado pelos párocos nos assentos de óbitos, a expressão ‘novo semiterio desta Matris’ ou ‘semiterio interino’ ou simplesmente ‘semiterio desta Matris’.
Porém, na data inicial citada não foram encontradas fontes que garantam a existência e localização de um ‘cemitério a céu aberto’, afastado do centro urbano; o que nos faz imaginar que o local de enterramento continuou a ser o entorno da Igreja Matriz, provavelmente sem a construção de sepulturas e túmulos.
Tanto que, em 27 de agosto de 1837, o então Visitador Ordinário do Bispado, Joaquim Manoel Gonçalves de Andrade, deixou registrado no 1º Livro de Tombo da paróquia a recomendação para que se concluísse as obras da Matriz, indicando a imperiosa necessidade de se parar com as práticas de enterramento executadas dentro do templo religioso e ao seu redor ocorridas em Batatais e advertindo para a necessidade e urgência na feitura de um cemitério público, inexistente até então. (TAMBELLINI, 2000, p. 153)
As indicações do Visitador Ordinário do Bispado corroboram para a ideia de que não havia um cemitério afastado da Igreja Matriz e com túmulos, como deixa supor o livro de assento de óbitos para o período.
Entende-se por cemitérios convencionais ou secularizados aqueles, em sua maioria, surgidos no Brasil no século XIX e que se caracterizam pela presença de sepultamentos realizados em construções funerárias, como túmulos ou mausoléus, podendo também aparecer na forma de cova simples, fora do espaço interno das igrejas. Também conhecido como a “céu aberto”, tradicionais, extramuros ou monumentais. (VIANA, 2007)
Vinte anos se passaram e o cemitério extra-muro começou a ser construído na cidade. No texto Primeiros Tempos do livro Bom Jesus da Cana Verde – Batataes d’Outrora, Jean de Frans relata que em 1852, a Igreja Matriz estava “quasi prompta, possuía capella-mór e dois altares…” e afirma ainda que alguns serviços públicos essenciais deveriam ser finalizados:: “como bicas para a agua e da construcção do cemiterio, no fim da rua Barão de Cotegipe, então do Cemiterio.” (FRANS, 1939a, p.14)
Conforme indica Jean de Frans, no texto A Visita do Bispo, as atas da Câmara Municipal de Batatais de 1853 tratam da construção de um cemiterio naquele ano, pois a administração aprovou a distribuição de braças de taipa do ‘cerco’ do cemitério, entre os habitantes que ‘costumavam sepultar cadáveres na vila’, porém, em nada resultou tal atitude, pois “cinco anos depois, o cemitério continuava apenas começado (…)” (GAZETA DE BATATAIS, 22/03/1945)
Ao que tudo indica, o cemitério jaz não concluído, posto que em 09 de julho de 1858, o Bispo Diocesano de São Paulo, D. Antônio Joaquim Mello, em visita à cidade de Batatais deixou registrado no 1º Livro de Tombo:
(…) a falta de cemitério e o modo porque os enterramentos eram efetuados (…) Confessava, sem rebuços, que não aprovava as sepulturas dentro da igreja, mas também de seu agrado não seriam os ‘cemitérios remotos’. Mas em Batatais, paróquia abastada, como ele pudera ver, não havia, ‘de nenhum modo’, cemitério e os corpos eram sepultados no páteo aberto, exposto à toda falta de respeito para com os ‘corpos dos cristãos’, que são ou devem ser o templo do ‘Espírito Santo’. Exigiu, pois, de maneira terminante, que se concluisse o cemitério já começado(…), tanto assim que mandou ao reverendíssimo pároco, padre Felipe Ribeiro da Fonseca Rangel, que, passada que fosse a festa próxima do padroeiro, Senhor Bom Jesus, celebrada naquele mês de agosto, ‘nem huma festa faça mais, nem hum Terço ainda mesmo de promessa’, enquanto o cemitério não estivesse ‘feito e bento’! (GAZETA DE BATATAIS, 22/03/1945)
Foi necessária esta notificação eclesiástica para que na vila de Batatais fosse instalado definitivamente um cemitério, em fins de 1859, depois de longos anos de paradas intermitententes: o Cemitério Público da Matriz. Registrado nos livros de assentos como ‘Semitério desta Matris’ e popularmente chamado de Cemitério do Bosque.
Desta época, no entorno da Igreja, ficaram alguns corpos enterrados, que foram ignorados quando a praça foi urbanizada no alvorecer do século XX. De acordo com os documentos da própria Igreja, o padre Padre Lafaiete de Godoy, pároco em Batatais de 1901 a 1904, defendeu veementemente os interesses da instituição a ponto de discordar da construção de um coreto na frente da igreja, considerando que no local existiam restos mortais. (FREITAS, 2020)
Cemitério do Bosque: o primeiro cemitério convencional – os defuntos deixam os arredores da Igreja Matriz
“O cemitério da Freguesia, que aquelle tempo estava a cargo da Matriz, embora rogada a sua construcção pelo conego Joaquim Manoel Gonçalves de Andrade, na sua visita em 1837 – sofria com a indiferença dos habitantes da Canna Verde dos Batataes. Apenas começado, foi, também, motivo para observação do eminentíssimo prelado, que chegou mesmo a proibir qualquer festa religiosa na matriz, enquanto não se concluisse o cemitério. Em 1858, portanto, a necropole da Freguesia apenas começada, e os cadáveres eram sepultados num pateo aberto. Graças a enérgica ordem do bispo, um anno mais tarde, por provisão do dia 09 de agosto de 1859, pedida pelo vigário, foi concedida licença para benser o cemitério, então concluídos. (…)” (GAZETA DE BATATAES, 21/05/1931)
O primeiro cemitério convencional de Batatais teria sido concluído em 1859 e passou a ser denominado de Cemitério Público da Matriz e popularmente de Cemitério do Bosque, por ser um local onde havia eucaliptos, em frente ao atual Estádio de Futebol ‘Dr. Oswaldo Scatena’, ao final da atual Rua Barão de Cotegipe, chamada por longo tempo, exatamente por isso de Rua do Cemitério.
Em 09 de agosto de 1859 foi feita a provisão do Bispo concedendo a faculdade de benção para o cemitério da Freguezia do Senhor Bom Jesus da Canna Verde dos Batataes e em 1861 foi benzido. (FRANS, 1939a, p.14)
Sobre o dito Cemitério do Bosque, novamente recorremos a Jean de Frans, que em dois momentos o descreve:
“…cercado de muros de taipa e repleto de jazigos collossaes, agora desapparecida (…) E para as bandas do Potreiro, no meio do campo, ficava o cemiterio, ao qual dava accesso um caminho em continuação da rua do Cemitério. O campo-santo era cercado de taipas sem reboco, seus tumulos eram enormes, pesadões, de tijolos, relembrando aquelles dos prophetas de que davam noticia revistas de antanho, que ainda cuidavam da Terra Santa.” (FRANS, 1939a, p.17)
Todavia, no livro de assento de óbitos da Matriz de Batatais não há o uso da expressão ‘Cemitério do Bosque’. Nos registros de óbitos também não há um padrão que indique se a Igreja parou de sepultar seus mortos em seu no pátio com a inauguração do 1º cemitério remoto da paróquia, pois as anotações permanecem com as duas formas: “no adro desta Matris” e “no semitério desta Matris”.
Essas duas formas de registro geram perguntas: os enterramentos ao redor da Igreja não cessaram depois do uso do Cemitério do Bosque? Por quais motivos? Dá para diferenciar e classificar as duas práticas de enterramento, do tipo: por grupo social, católico ou acatólico, por exemplo?
De acordo ainda com o memorialista, o Código de Posturas de 13 de abril de 1872 proibia, sob pesada multa, que oscilava entre vinte e trinta mil réis, enterrar corpos humanos fora do cemitério.
(…) os cadáveres, depois da competente encomendação na igreja, seriam levados, â mão ou em carro fúnebre, caixão ou esquife, do modo porque tiverem disposto em seus testamentos ou por vontade de seus parentes. (FRANS, 1939a, p.27 e 28)
Segundo Tambellini (2000, p. 154), tal cemitério funcionou por cerca de 30 anos, visto que em 28 de julho de 1888, o Bispo de São Paulo, D. Lino Deodato de Carvalho, concedeu a licença para se erigir, fundar e benzer o novo cemitério da paróquia.
Jean de Frans nos oferece uma curiosidade: o Cemitério do Bosque não tinha uma cruz de identificação do local.
“o interessante é que não havia cruzeiro no cemiterio e só muitos annos mais tarde, em 1900, quando já de ha muito estava interdictada a necrópole, o padre Vicente Passos, houve por bem erigir alli uma enorme cruz.” (FRANS, 1939a, p.17)
Em 1886, quando da visita do casal de imperadores Dom Pedro II e Isabel Cristina a Batatais, por ocasião da inauguração da Estação Mogiana local, Dom Pedro II visitou o ‘Cemitério Velho’, o Matadouro e a Cadeia.
O Cemitério do Bosque foi substituído por um outro cemitério paroquial menos de três décadas depois, em 1889, situado nas imediações do primeiro.
Continua na próxima edição.
Cemitério do povoado primitivo (Fazenda Batataes) – anterior a 1814 – 1822 e outros espalhados pelo arraial
Cemitério do novo povoado (Campo Lindo das – 1822 a 1858
Cemitério do Bosque – 1859 – 1889
Cemitério Paroquial Bom Pastor – 1889 – …
Cemitério Municipal da Saudade – 1903 – …