O Professor Luciano Patrocínio dos Reis, coordenador do Curso de Mecânica da Escola Técnica Antônio de Pádua Cardoso, o Industrial, que também é empresário, ficou amplamente conhecido pelo trabalho que desenvolveu ao longo dos últimos meses com o Grupo Ajudar Sempre Sem Fronteiras.
Foram dezenas de iniciativas que salvaram vidas, mas quis o destino que ele enfrentasse a Covid-19 também na condição de paciente. Ele precisou ficar internado, mas agora se recupera em casa na companhia da esposa Janaína e dos filhos Luigi e Manoela.
Em contato com nossa reportagem, Luciano afirmou que acredita ter se infectado após um atendimento que fez, instalando de oxigênio em domicílio, no momento em que estava retirando os equipamentos de proteção individual. Gentilmente, aceitou responder as perguntas que formulamos nessa entrevista.
JC – Luciano, primeiramente como você está? Sua recuperação segue?
Luciano Patrocínio: Após os 20 dias de sintomas estou recuperando um dia de cada vez, reaprendendo a respirar, reativando as partes do pulmão que não foram afetadas e as que foram afetadas para que voltem na sua função quase normal. É necessário muito cuidado, sem esforços, hidratação, repouso e oração. Uma infecção de dias que levará meses para a recuperação, ainda com cicatrizes e sequelas pulmonares, onde espero que seja apenas isso.
JC – Como foi passar de uma pessoa que estava colaborando imensamente para com os pacientes da Covid-19 para um dos internados com a doença?
Luciano Patrocínio: Eu vivi desde o início da pandemia histórias, depoimentos, sofrimentos, experiências, de regiões longínquas, de profissionais da saúde em situação de desespero, de populares comuns, de terras indígenas entre tantos outros. Porém, em momento algum pensei que as coisas poderiam chegar tão perto. Entre o ouvir, achar e o estar é muita diferença e, com isso, jamais podemos dizer o que um infectado sintomático passa. O sofrimento, a busca pelo ar, algo tão insignificante para tantos e que hoje seu bem o que é. Parece ironia do destino, há dias estávamos buscando, com o Grupo Ajudar Sempre Sem Fronteiras, maneiras de não faltar o oxigênio aos pacientes e agora pude, com essa experiência, ter maior percepção do quanto estamos vulneráveis às pequenas coisas.
Acho que a todo momento ajudamos sem a pretensão de sermos retribuídos e, posso dizer isso de peito aberto, fui agraciado pelo milagre da vida graças a inúmeras preces e orações recebidas, que foram fundamentais no meu retorno. Os cuidados pelos médicos, fisioterapeutas, enfermeiros, radiologistas, faxineiras, pela UPA, quando necessitei, ambulatório Covid da Santa Casa, juntamente com a mão de Deus fizeram a diferença diante de uma doença que traz tanto sofrimento.
JC – O que tem te ajudado neste período de recuperação?
Luciano Patrocínio: olha, o fato de ter conseguido ajudar muitas pessoas nos últimos meses me mantém firme. Por ser ansioso, o projeto me ensinou, e me ensina a todo momento, o quão é valorosa a vida e principalmente servir ao próximo, pois somos passageiros, com tempo marcado e missões destinadas. Minha família tem sido o esteio maior de toda a minha recuperação, dentre todas as turbulências, isolamento e sofrimento nela que me sustentei. É nela que tenho o colo de aconchego e o remédio, mesmo que ainda sem poder abraçá-los.
JC – O que dizer dos profissionais de saúde, que estão trabalhando diariamente, correndo risco inclusive. Você que pôde observar de perto, como paciente?
Luciano Patrocínio: Os que estão no ‘front’ são heróis vivos, pois também temos os covardes vivos, por inúmeras razões. Profissionais que se doam 24 horas de suas vidas em prol do desconhecido sem ao menos saber o dia de amanhã. Profissionais que na exaustão ainda encontram sorriso nos olhos para lhe dar uma força dizendo ‘tudo vai dar certo’. Durante madrugada, máquinas bipando, pacientes pedindo ajuda, muitas frases ditas: ‘hoje tivemos alta de tantos pacientes, necessidade de entubação, dessaturação de pacientes, deixem ambos no leito, caiu energia, mais um paciente chegando, não conseguimos segurar o paciente, fizemos o que pudemos’. Falas de uma Ala Covid, por isso nosso reconhecimento e esses profissionais que ali são anônimos, mas intensos, que doam suas famílias para cuidarem das nossas.
JC – Você imaginava passar por esse momento, precisando do oxigênio que estava correndo atrás para arrumar?
Luciano Patrocínio: Jamais imaginei que fosse necessitar de oxigênio, da forma que necessitei no oitavo e décimo dias de tratamento, com acometimento de mais de 85% dos pulmões. Hoje ainda tenho saturação entre 92 e 93% e percebo isso ao me esforçar, caminhando do meu quarto até ao banheiro, por exemplo.
Digo que o trabalho do pós-covid que nosso grupo vem fazendo, levando oxigênio de forma gratuita aos pacientes é muito importante, pois muitas pessoas necessitam de oxigênio domiciliar, pois seus pulmões estão debilitados, ainda como uma ferida aberta necessitando de remédio.
JC – Qual foi seu maior medo?
Luciano Patrocínio: O meu maior medo foi ter saído de casa sem ter a chance de dar um abraço em meus filhos e um beijo e dizer o quanto eu os amava. Sai numa sexta-feira apenas para fazer um exame, dali entrei para o corredor e do corredor não voltei. Tive medo de não retornar, de não rever minha esposa, meus filhos, de ser entubado, de ser colocado num saco preto e enterrado. Digo que vivi o auto luto. Onde pude rever toda minha história, o que eu estaria deixando de legado, mesmo sabendo que somos na vida de muitos apenas nada mais do que 30 segundos em mensagens, dizeres e declarações… Diferente de nossa família, onde seremos eternizados. Podem parecer palavras cruéis e duras, mas são as mais realistas. Medo tive, mas tive muita coragem de conversar com Deus e ver o quanto ainda tinha e tenho a fazer em minha missão terrena, a qual não será nada fácil, mas gratificante.
JC – Agora, com o número de casos reduzindo na cidade, acredita que o pior já passou?
Luciano Patrocínio: Estamos numa trégua, isso é apenas para nos preparar. Temos ainda tempos sombrios, infelizmente. Enquanto não tivermos uma imunização em massa, estaremos vulneráveis às inúmeras variantes. No nosso município ainda precisamos de conscientização, ação e acolhimento.
JC – Qual sua mensagem para quem não tem medo de ser contaminado?
Luciano Patrocínio: Não existe ninguém autoimune. Você pode demorar um pouco mais para se infectar e, talvez, quando se infectar seja por uma cepa mais avassaladora e não haja tempo para seu tratamento. Com tudo pode querer colocar a culpa em alguém e esse alguém com certeza não será você. Agora, se você se considera autoimune, pode não ter sintomas, mas pode estar assassinando seus pais, seus filhos, seus avós e tantos outros.