Quem foi este homenageado que recebeu nome de rua numa data cívica como o 9 de julho de 1947? Aliás, uma das mais longas e antigas ruas que dividem o bairro do Castelo e o da Vila Maria. Que outrora em tempos mais longínquos foi chamada de Rua do Outro Mundo pela distância do centro da cidade.
É sabido que a pessoa que foi José Augusto Fernandes, por alcunha Jean de Frans, é referência contínua para quem gosta e estuda as histórias, memórias e causos de muitos personagens, paisagens e instituições de Batatais do final do século XIX e início do século XX.
Memorialista por vocação, ficamos, às vezes, a divagar que se não fosse este homem não teríamos muitas informações ou dados para serem ditos ou contraditos! Quem poderia nos contar sobre o cotidiano e algumas anedotas e hábitos de Batatais de outr’ora, outros tempos sobretudo da tradicional sociedade econômica e cultural, senão fosse os escritos deixados por esse mentor? Infelizmente, temos poucos relatos e outras fontes sobre a população em geral, mas, se ainda o temos é graças à Jean de Frans. Ele pode ser considerado o patrono dos cronistas batataenses.
Suas produções como já comentado por nós anteriormente, merecem uma revisão comentada ou edições ampliadas. Seus trabalhos mais conhecidos, foram lançados no ano do centenário da cidade em 1939, dois livros da série Batatais de Outr’ora: Gente de Minha Terra* e Bom Jesus da Cana Verde*. Acrescente-se, ainda para a mesma série dois volumes não publicados, ainda datilografados e encadernados, intitulados: Campo Lindo das Araras (crônicas publicadas na imprensa batataense) e Cana Verde, Campo Lindo, Batatais (crônicas publicadas no Correio Paulistano), datados da década de 40. Além dos livros e encadernados, muitos de seus escritos não se encontram encadernados ou reunidos em volumes, estão distribuídos pelos periódicos locais como a Gazeta de Batataes (1918 a 1920), O Jornal e A Tribunal (1943 a 1947), com pequenas interrupções. Postumamente, no O Jornal foi publicada a série ‘Autonomia Municipal’. Aventurou-se também pela poesia e deixou um livro de poesias, sem título, de 1924 e um poema dedicado a sua cidade natal.
Além da produção específica sobre Batatais, JAF, dedicou uma obra à cidade (que também o recebeu por longo tempo) de São Paulo e em sua memória deixou como legado a obra Há 50 anos: Velhas Ruas Amigas de São Paulo (1943)
Todavia, na proporção inversa que deixou tantas impressões sobre a população residente ou que por aqui passou, pouco se sabe da vida profissional e pessoal de um dos mais significativos colaboradores de nossas reminiscências. Seus dados pessoais e profissionais nos são revelados de forma muitas vezes, enviesados ou nas entrelinhas de suas crônicas e em documentos produzidos pelos órgãos em que atuou como funcionário público; no acervo do biografado doado pela família de Jean de Frans, no início do XXI, sob a guarda permanente do Arquivo Público da CMB ou mesmo em seu acervo administrativo histórico da instituição; nos periódicos impressos na Hemeroteca do Museu HPWL e nos acervos pessoais de alguns preservadores da história regional.
Que tal conhecer um pouco da vida e obras deste discreto memorialista que nos serve de base em tantos saberes?
Nasceu José Augusto Fernandes, no dia 29 de agosto de 1885 em Batatais, segundo dos quatro filhos de Augusto José Fernandes (1854 – 1901) nascido na época no município de Batatais, hoje Jardinópolis e da batataense Augusta Teixeira de Miranda (1856 – ?). Nosso memorialista faleceu, aos 61 anos de idade, em maio de 1947 na cidade de São Paulo. Seu pai, como profissional exerceu as atividades de coletor provincial e municipal, escrivão do Juízo de Paz, tabelião do Cartório do 2º Ofício e secretário do 1º Diretório Republicano eleito de Batatais. Sua mãe, conforme consta no livro IESA de Ouro de Clotilde de Santa Clara Medina Cardoso de 1999, é considerada a primeira fundadora da primeira escola para o sexo feminino por volta de 1870 junto à casa da família e ao cartório do pai à antiga Rua Alegre, atual Prudente de Moraes, em frente ao antigo Largo do Rosário, atual Praça Dr. Washington Luís. Teria morado com a família também na esquina da atual Rua Celso Garcia com a Rua Santos Dumont. Eram extremamente católicos.
Da ascendência paterna de José Augusto Fernandes sabemos que desde 1839 seus avós viveram boa parte da vida por estas paragens, no antigo povoado de Ilha Grande, hoje, município de Jardinópolis. Seus avós paternos foram José Umbelino Fernandes (1820 – 1884), natural de São João del Rei e D. Generosa Augusta de Loyolla (1820 – 1907), que conforme tradição familiar se diz que era descendente de um dos inconfidentes mineiros de 1789. Em Batatais, seu avô, exerceu a advocacia foi comerciante, lavrador, vereador e delegado de polícia. Seus avós tiveram numerosa prole, sete filhos.
O bisavô paterno de JAF, pai de José Umbelino, Felicíssimo Tomaz Fernandes, era de origem portuguesa, da região do Algarve. Teria chegado ao Brasil por volta de 1815 para ser Juiz de Fora na então Capitania de Minas Gerais. Casou-se com D. Bertolda de Alvarenga e Castro, natural de Itabira do Campo.
Se dependesse de seus pais, nosso biografado, não morreria ‘pagão’, pois foram seus padrinhos de batismo: o coronel Joaquim Alves e D. Marianna Alves Freire.
Iniciou seus estudos em sua cidade natal, no Colégio Batataense dirigidos pelos professores Moura Lacerda e Yvão Nolf Nazário
Lendo suas memórias, observou-se um garoto precoce para a tenra idade. Fez da adolescência todo um despertar de interesses que o acompanharam pela vida afora.
Em seus artigos deixados na Gazeta de Batataes no ano de 1918, inicia com a série ‘Teatro e Teatrices’ onde demonstra toda a sua paixão na adolescência pela arte de representar, tendo sido membro e por vezes fundador das sociedade litero-dramáticas existentes na cidade entre os anos de 1896 a 1903, quando JAF tinha entre 15 e 18 anos, como a Sociedade Dramática Infantil 2 de Dezembro, Sociedade Familiar 1º de Junho, Sociedade Recreativa Lírio-Batataense, Sociedade Cívico-Literária e Grêmio José de Alencar.
De suas aventuras pela dramaturgia, já na vida adulta, deixou-nos, duas comédias O Dr. Sabe Tudo (1943) e a Família Piteira (1943) e ainda dois romances Tempo Quente (s.d.) e Via Sacra (1945), não publicados.
No jornalismo, de acordo com suas próprias palavras, desde cedo fez pequenas incursões, enviando para vários jornais do interior e da Capital, usando diferentes pseudônimos, para suas charadas e logogrifos. Até que se firmou no jornaleco local O Primavera (1900).
O pseudônimo mais conhecido de José Augusto Fernandes foi Jean de Frans, variação do seu próprio nome abreviado, mas não foi o único, existiram outros, a saber: Sem Pátria, Pimpão, Chico Marmanjo, Julien, Caio Hermes e Mycio Scylla.
Foi além, trabalhou como tipógrafo no jornal local O Cavador e em 1903 e ajudou a fundar junto com Anselmo Tambellini, O Ósculo, jornal dedicado ao público feminino e em seguida, A Cimitarra.
Muito jovem ainda, aos 14 anos, já era membro da Loja Maçonaria Philantropia II, do qual temos informações que se desligou quando foi morar em São Paulo.
Aos 16 anos de idade, começou a servir a administração pública como professor municipal adjunto e também como secretário da Câmara Municipal quando eram intendentes municipais o Dr. Renato Jardim e o Dr. Miguel Cursino Vila Nova, entre os anos de 1991 e 1903.
Com certeza, toda essa vivência com o Arquivo da Câmara Municipal de Batatais e sua observação em relação ao que o cerca deu-lhe os subsídios necessários para bem alicerçar a história do nosso município.
Com quase 20 anos de idade, JAF, muda-se para São Paulo, em busca de aumentar suas possibilidades de realização profissional. Durante os primeiros três anos foi escrivão de paz do Distrito de Belenzinho, comarca da Capital. Em 1907, a convite do próprio Dr. Washington Luís, então, Secretário dos Negócios da Justiça e da Segurança Pública do governo do Estado de São Paulo, JAF passa a integrar o quadro de funcionários daquela secretaria onde permaneceu até o ano de sua aposentadoria em 1942, passando por diversos cargos.
Voltando a sua vida pessoal, depois que foi para São Paulo em 1907, JAF casou-se em 1909 com D. Amélia de Souza Macedo ( ? – 1960) e desse enlace tiveram seis filhos: quatro mulheres e dois homens e doze netos.
Além das obras de reminiscências, poéticas, biográficas e humorísticas deixadas pelo biografado, JAF organizou e produziu dentro da Secretaria da Justiça onde trabalhou, por longo período, algumas compilações e notas descritivas, organizativas e históricas. Publicadas: Sinopse de leis, decretos, atos e decisões de 1889 a 1915 da Secretaria de Justiça (1917), Repertório dos Atos do Poder Legislativo e do Poder Executivos, referentes à Secretaria de Segurança Pública (1938), Antônio de Godói – notas biográficas (1941), Archer de Castilho – notas biográficas (1942), O Primeiro Convênio Policial Brasileiro – notícia histórica (1942). Não publicados: A Secretaria da Justiça e Segurança Pública – Breve Notícia Histórica de 1892 a 1943 (1944).
*Os livros citados podem ser disponibilizados em pdf na plataforma do Acervo Público da Câmara Municipal de Batatais
** Agradecemos gentilmente a disponibilidade em sempre nos ajudar do amigo Gaspar Prado com o material que possui. Esse agradecimento deve ser expandido para os funcionários da CMB.
***Este texto foi originalmente publicado pela revista Amicus, ano I, n 2, 2000 de autoria de Luciana Squarizi. Foi readaptado, em 2020, para este artigo por Luciana Squarizi e Alessandra Baltazar]