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Improviso é para poucos

Falando em entrevista na semana passada à jornalistas durante à viagem ao Egito, o presidente Lula abordou um tema bem delicado, emitindo uma opinião forte sobre a guerra entre Israel e o Hamas, que já dura mais de 4 meses. Durante sua fala, comparou a atual ofensiva israelita ao holocausto da segunda guerra promovido por Hitler, e causou uma desnecessária saia justa entre Brasil e Israel. Tivesse estabelecido um roteiro prévio com sua assessoria (o que é sempre recomendável), muito provavelmente a canelada não teria acontecido. E convenhamos que, definitivamente, falar de improviso não é pra qualquer um, muito menos um presidente da república, qualquer um deles.
Meu saudoso pai foi um grande orador, resultado de anos trabalhando como locutor/repórter/apresentador na Rádio Difusora, da vida acadêmica como estudante de Direito e de muita leitura de todo tipo, livros técnicos, de ficção, revistas, e principalmente jornais, que ele devorava diariamente. Depois como político, veio o aperfeiçoamento com a prática, e pude assistir ao vivo grandes discursos dele.
Mas ele não gostava de se arriscar à falar de improviso. Mesmo sem redigir sua fala, ele anotava num pedaço de papel os tópicos importantes que precisaria fazer reverência durante o discurso, sem se arriscar em assuntos polêmicos, salvo se fosse extremamente necessário, e tivesse pleno domínio sobre o tema.
Me recordo muito bem, que 1984 aconteceu a minha “formatura” do primeiro grau, na Escola Estadual “Dr. Washington Luiz”, e fizemos uma missa e depois uma comemoração na escola. Na ocasião havia sido escolhido o orador da turma, e fiquei super animado em representar meus amigos de escola. Logicamente, fui perguntar para meu pai o que deveria colocar no discurso.
“Primeiro, não vá querer parecer um sabe-tudo falando palavras difíceis, você tem 14 anos. Descreva o que significou a escola pra você, quais lembranças ficarão nas suas memórias, e agradeça todos aqueles que lhe ajudaram a chegar até aqui. E nada de discurso longo!”, foi mais ou menos o que ele me disse. E lá fui eu rabiscar no papel.
Algumas horas depois, todo eufórico (e um pouco envergonhado) levei um texto de duas páginas e meia pra ele revisar. Sentado no sofá na frente da televisão e caneta na mão, ele corrigiu algumas frases, deu algumas dicas, e incluiu no que tinha escrito duas observações que deram um tom mais leve ao texto, quase cômico, e que me lembro ter funcionado muito bem quando li no dia da cerimônia. Tenho o discurso original guardado até hoje comigo, e que completará 40 anos ao final desse ano.
Contei essa história pra finalizar com a seguinte conclusão. Se para um estudante de primeiro grau, falar de improviso em sua formatura não pode ser uma opção em hipótese alguma, imagine para um presidente da república no exercício de suas funções, em viagem oficial ao exterior, e durante uma entrevista coletiva que será transmitida mundo afora.
Se ainda fosse a primeira vez que Lula tivesse falado pelos cotovelos de improviso, vá lá… mas o histórico não lhe ajuda muito. Nessas horas não adianta querer se achar o dono da cocada preta, e sair falando o que dá na telha (como outros ex-presidentes já fizeram várias vezes). A fala tem poder, e pensar antes de falar sempre nos previne de passar por grandes constrangimentos. No mínimo.