Como hoje, as notícias iam se espalhando sem se verificar a veracidade e procedência… há cem anos muito se baseava na confiabilidade de quem as repassava. Pois bem, em 1920, a ‘senhorita’ Amasiles Castellar Diniz de Souza, 21 anos incompletos, procedente de Barretos, de acordo com a Gazeta de Batataes – que com certeza retirou essa notícia de outro periódico – teria recursado e obtido êxito diante das Forças Armadas quando da recusa de sua pessoa, por ser do sexo feminino, para servir a 6ª. Companhia de Metralhadoras no município de Rio Claro, após ter sido oficialmente sorteada.
Ao buscarmos a procedência da informação, o único dado encontrado estava publicado no Correio Paulistano na edição de 08 de janeiro de 1920, sendo exatamente a lista dos sorteados, onde consta o nome “Amasilio, filho do Emilio Castellar Diniz”. Observem o nome não consta como Amaziles.
Descobrimos também que seu pai era fazendeiro, exportador de café e criador de gado ou eqüinos (não soubemos ao certo) em Colina (SP). Poderíamos estar diante de uma mulher emancipadora! Afinal, estávamos nos anos 20, início do discurso feminista! Ou diante de um equívoco relacionado ao nome! Enfim, a notícia do nosso jornal local é que a mulher havia ganhado o recurso de recuso para servir às Forças Armadas…
Continuamos a pesquisa por alguns vieses, até que nos deparamos pela internet com o nome de um dos filhos de Amazíles, que veio a ser um bravo soldado constitucionalista, Augusto Diniz Soares (1916-1977). Talvez o fio da meada tenha começado a ser desembolado: em 1920, Amazíles, com 21 anos incompletos, casada com Antônio Hermeto Soares, tinha pelo menos um filho de 4 anos de idade, Augusto, portanto, bem pouco provável de requerer servir a 6ª. Companhia de Metralhadoras.
O mais curioso mesmo são as memórias familiares dessa passagem, que se misturam e se confundem quanto ao tempo e nos foram gentilmente narradas pelo neto de Dona Amazíles, o sr. Anatole Brasil Sales Soares. Segundo o sr. Anatole, seu bisavô Emílio Castellar Diniz Junqueira e Souza, um coronel sisudo e forte teria recebido no dia 08 de março de 1920 soldados do destacamento na sede de sua fazenda em Colina para buscar um de seus filhos desertores. O dito coronel prontamente pediu que entrassem na casa ao fim do corredor, pois ele não era homem de se indispor com a justiça. Em seguida, voltam a varanda os soldados cabisbaixos. No quarto indicado havia sim, uma mulher, Amazíles, dando à luz, a um dos tios-avós maternos de nosso entrevistado.
A saúde pública e o saneamento básico estiveram às voltas no noticiário do mês de junho de 1920. O tema seria a principal parasitose que afetava a maioria quase absoluta da sociedade brasileira, principalmente a população rural. O ‘amarelão’ contaminada e recontaminava de forma cruel as pessoas. As condições sanitárias em que viviam os brasileiros não contribuía para a melhoria dessa situação. O parasita ‘amarelão’ já foi tratado nas edições de agosto e dezembro de 1919 e em março de 2020. A notícia com o título o AMARELÃO – Relatório da Missão Rockfeller foi resultado de uma força tarefa da Junta Internacional de Saúde no combate mundial à opilação. O relatório do estudo feito no Brasil indicou que nas regiões rurais brasileiras mais de 80% das pessoas adultas e mais de 90% dos menores eram portadores de opilação ou outros tipos de doenças causadas por parasitoses intestinais. No ambiente urbano esse número era menor, mas não foi indicado a % na reportagem. Foi apontado também que em algumas regiões do estado de São Paulo, de cada 3 pessoas, 2 eram portadoras de tal moléstia. A Junta Internacional reforçou que o enfrentamento ao amarelão deveria ser sistemático, pois somente assim haveria decréscimo dos casos, como acontecia em algumas regiões do planeta.
Em 1920, um assunto gerou questões e tensões em todos os ambientes sociais brasileiros possíveis: a visita da família real belga ao Brasil e os gastos exorbitantes para os preparativos de recebimento da dita realeza e sua comitiva. Este assunto foi tema do periódico local desde junho de 1920.
Os reis da Bélgica, Alberto e Elizabeth, visitariam o país entre meados de setembro e outubro, a convite do presidente da república brasileira Epitácio Pessoa e ficariam hospedados no Palácio da Guanabara (RJ), que foi reformado para este fim. Para receber ‘grandemente’ os visitantes, foi obtido pelo Executivo voto favorável e ‘carta branca’ para gastar da Câmara dos Deputados o que fosse necessário. Foram alguns representantes do Senado Federal que questionaram a liberação irrestrita de créditos para os eventos que se seguiriam com a visita real.
Inconformados, toda a imprensa nacional e local indicaram que seriam gastos de no mínimo 100 mil contos de réis, num período de carência e pobreza nacionais. Inclusive, argumentaram ironicamente que não haveria problema, pois era só aumentarem os impostos e selos do povo.
O Brasil do início do século XX brigava por suas fronteiras internas, por interesses e questões que nos parecem bem familiares: territoriais, políticas e econômicas. Na região conhecida como Contestado, na divisa entre os estados do Paraná e Santa Catarina, onde inclusive deu-se um dos mais sangrentos conflitos armados entre civis brasileiros, conhecida como Guerra do Contestado (1913-1916), os caudilhos ainda detinham mais poder que os dirigentes estaduais. Em 1920, o caudilho Manoel Octavio instalou o terror no antigo município de Cruzeiro, atual Joaçaba (PR) a favor do prefeito. O motivo teria sido a sublevação da população contra o imposto de mil réis por arroba de erva mate instituído pelo prefeito da época.
Assuntos relacionados ao pós Primeira Guerra Mundial sempre andavam às voltas nas páginas do jornal, que traziam notícias de todos os tipos, principalmente, as relacionadas às reparações que a Alemanha deveria ‘pagar’ às nações ganhadoras da guerra. Numa das edições de junho a Gazeta de Batataes trouxe uma extensa lista de carnes e animais vivos que esta nação recompensou a França. Vale lembrar que ainda não tinha sido o ressarcimento total.
O jornal trouxe uma curiosidade etimológica sobre a origem da palavra larápio. Não há uma confirmação histórica para essa origem, mas também não há outra. Segundo a tradição, teria existido no período de Roma Clássica um pretor corrupto chamado Lucius Antonius Rufus Appius que asssinava L.A.R.Appius (abaixo).