Olá leitores! Começamos nosso Há 100 anos… com notícias e dados que nos pareceram bem atuais. Logo na primeira edição do mês de julho da ‘Gazeta de Batataes’ há uma matéria com o título ‘AGUA’, o tema é sobre o seu desperdício, observado por muitos cidadãos, ainda mais numa época de estiagem como aquela que vinha ocorrendo em 1920. O artigo é bem interessante e chama a atenção de alguns usuários que acreditavam que os mananciais de água da cidade seriam inesgotáveis e com isso se sentiam no direito de gastarem o quanto quisessem de água limpa.
Pena que passados 100 anos, essa situação em relação ao desperdício e à falta de água só piora, a conscientização ainda é pouca. Reproduzimos um pequeno trecho do artigo: “devemos evitar, cuidadosamente, qualquer gasto inutil de água, ou seja empregando-a na irrigação demasiada de plantas, ou seja porque depois de qualquer serventia, deixamos que das torneiras corra abundantemente, sem necessidade. (…)” Isso porque, à época, não tinham o costume de lavar os passeios, apenas varrê-los.
Outro assunto que incomodava alguns munícipes em 1920, tratava-se dos desencontros entre o registro de óbito e respectiva baixa no cartório de registro civil da cidade natal. Uma sugestão foi dada para que quando algum morto fosse enterrado num município no qual não havia nascido, o responsável pelo cartório do registro do óbito deveria comunicar ao tabelião da cidade onde o defunto fora registrado como natural, para que fosse dado a baixa e assim não existissem erros ou atos falhos. Como consta: “ehis ahi, como se poderia corrigir a tal irregularidade, aliás muito prejudicial, – porque nós todos sabemos, – há numerosos mortos que, pelo registro, estão ahi passando como vivos, como almas ainda deste mundo. (…)”. Atualmente, isso é realizado com sucesso e está previsto nas leis de registros públicos.
Em junho de 1920, reproduzimos a notícia que um preso da cadeia local de Batatais havia ganhado na loteria. Em julho de 1920, teria ocorrido o mesmo com outro cidadão batataense. Foi anunciado pelo periódico a ‘Gazeta de Batataes’, que o sr. José Ordine, vereador, exercendo o cargo de vice-prefeito e bem sucedido negociante na cidade, havia ganhado na “loteria de São Pedro, do Banco Lotérico. O bilhete teria sido adquirido na capital paulista”.
Nos dias atuais, existem ainda algumas profissões em que se permite ser apenas ‘prático’ e não necessariamente ter um estudo acadêmico. Há 100 anos, uma dessas profissões era a de farmacêutico prático (não diplomados). Nesse período ficou instituído que o ‘prático’ em Farmácia só poderia exercer a atividade se passasse numa avaliação que o habilitasse para o exercício daquela função, caso contrário ficaria impedido de exercê-la.
Há 100 anos o debate sobre se o ‘prático’ em Farmácia tinha realmente o direito de ter sob seus cuidados a manipulação de drogas e consequentemente pessoas sob sua responsabilidade, começou a tomar fôlego, principalmente depois da implantação do Código Sanitário Brasileiro em 1917.
As autoridades defendiam que os farmacêuticos práticos deveriam se submeter a exames de conhecimentos específicos, para que a venda direcionada (ou por engano) de substâncias tóxicas como por exemplo, o ópio e a cocaína, fossem impedidas ou realizadas de forma criteriosa.
O artigo argumentava que quem deveria ter a responsabilidade de prescrever o uso ou não desse tipo de substância era o médico responsável pelo tratamento do paciente, o que felizmente, acontece nos dias atuais.
Vamos falar de entretenimento! O Circo-teatro Guarany surgido no início do século XX, de propriedade do sr. João Alves, esteve em nossa cidade por várias vezes, porém ao que tudo indica, essa teria sido a primeira vez ou uma das primeiras vezes! Tratava-se de um circo familiar, como a maioria na época. Contavam com 50 artistas que faziam apresentações variadas, entre elas: shows equestres, acrobáticos, musicais, teatrais, trapézios, contorcionistas e humorísticos.
Como clowns (palhaços), a companhia circense tinha representantes famosos para a época: Afonso Stuart Teresa (1895-1983), o palhaço Periquito e o próprio proprietário do circo, o sr. João Alves (1873-1954), como clown e cantor. A família Teresa, como era conhecida, era circense por tradição. Afonso Stuart Teresa, com o tempo foi para o teatro-revista e depois fez carreira no cinema e televisão, com fitas como: ‘Paulista de Macaé’ (1927); ‘Alô, Alô, Brasil’ (1935); ‘Trabalhou Bem, Genival’ (1955); ‘Alegria de Viver’ (1958); ‘Meus Amores no Rio’ (1959) entre diversos trabalhos. O famoso Oscarito descende da família circense de Afonso Stuart.
Por falar em diversão, o Batatais Futebol Club, no mês de julho de 1920, jogou em casa contra o “União Teams” da cidade de Franca. Alegando parcialidade do juiz Oswaldo Farinelli, os jogadores do time de Franca se retiraram do campo, 15 minutos antes do final da partida. O jogo ficou em 1 x 1.
Na seção de Necrologia do dia 11 de julho, foi notificada a morte da anciã Francisca Cândida Pimenta Leitão, viúva de Alfredo da Silva Leitão, ex-intendente (cargo de prefeito na época/1893-1894) e vereador oposicionista ao Partido Republicano Federalista (PRF), logo após a Proclamação da República, sendo contemporâneo de Joaquim Celidônio e Washington Luis.
Alfredo Leitão foi um dos redatores do Código de Posturas da cidade de 1894. Como profissão, foi por um período lavrador, porém vitimado por grave enfermidade que o deixou inválido, cego e paralítico, acabou sem nenhum tipo de renda.
A Câmara Municipal juntamente com outros batataenses, o auxiliavam como podiam. Até a morte do honrado homem, a família morava à ‘Rua Princeza’ (atual Rua Treze de Maio), após sua morte, em janeiro de 1906, passaram a residir à Rua da Estação. Alfredo e sua esposa Francisca foram pais de Jayme Leitão, (também participativo cidadão batataense), João de Deus Leitão (militar), Maria Ignez Cassimira Leitão e Maria José Leitão. Jayme Leitão foi escrivão da Coletoria Estadual, professor na Escola Municipal da cidade, na Macaúbas e em Brodowski. Durante várias gestões, pertenceu à diretoria da Linha de Tiro 26 e foi também secretário da Santa Casa e Asilo dos Pobres São Vicente de Paulo.
Ainda sobre política, em julho de 1920, o deputado estadual e chefe do diretório batataense do Partido Republicano Paulista (PRP), o coronel Gabriel de Andrade Junqueira, ocupando o cargo recém eleito de vereador na cidade, acabou por renunciar ao mesmo. O conterrâneo alegou que as duas ocupações políticas, a de deputado e vereador concomitantes estavam incompatíveis, principalmente em relação às reuniões plenárias ordinárias e extraordinárias. O deputado disse “que sua atitude não o eximaria do compromisso político com a população batataense”.
A saúde pública é assunto recorrente nas páginas da ‘Gazeta de Batataes’, sendo que há 100 anos um caso de varíola assustou a população e gerou atitudes imediatas das autoridades públicas e sanitárias, tanto locais quanto regionais. O suspeito, segundo informado pelo jornal, vinha da cidade de Barretos (SP). Este único caso deu o sinal de alerta para que o variloso fosse imediatamente colocado em posto de isolamento e seu grupo social avaliado e investigado pela fiscalização regional. O prédio onde vivia o paciente foi desinfectado e as autoridades fizeram o pedido de mais 5.000 vacinas contra a varíola ao governo estadual, para que a população pudesse se imunizar. A vacinação à época era feita pelos estabelecimentos farmacêuticos e uma campanha foi iniciada para que a população fosse se “vaccinar ou revaccinar” para evitar a “terrível erupção”. Ao que tudo indica, não houve propagação da moléstia.
Um anúncio nos chamou a atenção pela curiosidade dos gêneros que eram mandados à Europa. A Casa Scatena, do negociante Arthur Scatena, em nome das famílias da colônia italiana local enviava gêneros diversos, principalmente comestíveis, aos familiares que ficaram na Itália, como café, açúcar, carnes e doces (foto ao lado).
Quem diria que passados 100 anos não teríamos recenseamento em 2020 e já cogitam um novo adiamento do censo deste ano para 2022? Esse estado pandêmico tem apavorado!
Os especialistas são unânimes em dizer que o recenseamento federal de 1920 foi o primeiro censo com critérios bem rígidos quanto aos dados solicitados. Aliás, assim o esperamos! Em Batatais foi montada uma comissão censitária local, não remunerada (vale ressaltar), que dividiu o município em zonas com seus respectivos responsáveis. A comissão foi presidida pelo prefeito coronel Manoel Victor Nogueira, pelo coronel Manoel Gustavino de Andrade Junqueira, José Procópio Meirelles, José Paulino da Costa, capitão Francisco Moreira, José Ordine, major Antônio Cândido Alves Pereira e José Ferreira da Silva.
Além do recenseamento federal, no mesmo período, o governo estadual realizou o recenseamento escolar por todo o município. Ao que tudo indica, nas zonas rurais foram os próprios fazendeiros que custearam o transporte dos professores-recenseadores.
A mulher e a moda da década de 20 continuaram a ser censuradas pelo jornal local e ao que tudo indica pelos jornais de maior circulação, como ‘O Paiz’ (RJ). Desta vez, uma nota copiada do jornal citado conta que um padre de Nova Orleans (EUA) precisou apagar as luzes ao ver a noiva nua dentro de sua igreja. Não conseguimos verificar a veracidade do fato, mas exageros à parte…
Lembrando que a moda nessa época deixava um pouco das pernas, braços e colo à mostra.
Em 1920, Batatais recebeu a visita de um ilustre, porém esquecido conterrâneo, Arlindo Alberto [Andrade?] de Lima. Do que podemos averiguar, teria nascido em Batatais em 17 de abril de [1880?], filho de Carolina Cândida de Lima. Um de seus irmãos foi Armando Lima, diretor regional do Posto Zootécnico ‘Dr. Altino Arantes’.
Fez o curso de Humanidades no Colégio de Itu e o 1º ano em Direito no Largo São Francisco. Tendo perdido seu pai nesse período, mudou-se para Pernambuco e lá estudou Ciências Sociais e Jurídicas na tradicional Faculdade de Direito de Recife entre os anos de 1901 e 1903, onde deu os primeiros passos como professor de latim e literatura.
Antes mesmo de finalizar sua formação, era considerado um ‘educador modelo’ e seu nome era conhecido no meio acadêmico, literário e educacional. Por isso, foi convidado pelo proprietário do Colégio Pestalozi de Recife, o matemático Raymundo Honório, para ser seu sócio e professor. Assim o fez, além de escrever para um jornal da instituição e fundar o ‘Lyceu Pernambucano’.
Depois de formado, voltou a Batatais e se casou com Lavínia Marques de Lima, filha de Maria Nunes Gomes Marques (Dona Núncia).
Dedicou-se à advocacia na comarca, à educação como professor no Colégio Tristão de Lima Júnior e inspetor escolar municipal entre os anos de 1904 e 1910. Era um filantrópico e empreendedor, acreditava na educação e no progresso. Foi um dos financiadores da chegada da energia elétrica na cidade em 1907. Fundou junto com alguns colegas – José Horta de Macedo, Anselmo Tambellini, Julio de Almeida, Francisco Souto, Rita Rodrigues e Albertina Debbieux – a ‘Sociedade Propagadora de Instrução’, uma escola noturna de alfabetização para adultos de ambos os sexos. A escola recebia um pequeno auxílio da municipalidade como pagamento de aluguel, água e luz.
Era membro atuante do diretório local do Partido Republicano Paulista (PRP). Em 1910 lançou pela primeira vez sua candidatura a deputado estadual obtendo pouco mais de 400 votos. Foi eleito vereador pelo PRP para o biênio 1911/12, e, em seguida pelos seus pares vereadores, prefeito da cidade em 1911 – tendo como vice-prefeito Juvenal Pereira Lima – e presidente da câmara em 1912. Neste mesmo ano, quando Washington Luís era Secretário da Justiça e Segurança Pública e Altino Arantes deputado federal por SP, Arlindo Lima foi nomeado Arquivista da Repartição de Estatística e Arquivo do Estado.
Em fevereiro de 1913, se elegeu deputado estadual para o biênio 1913/1915 pelo 10º distrito (nossa região), com mais de 12.000 votos, tendo como companheiro de legislatura, Dr. Washington Luís.
Em sua gestão como prefeito de Batatais, o Grupo Escolar Dr. Washington Luís foi inaugurado e as obras do Posto Zootécnico iniciadas. Algumas das nossas principais ruas deixaram de ter seus antigos nomes e passaram a ser renomeadas e numeradas, como por exemplo: a antiga Rua Alegre passou a ser a Rua Prudente de Moraes; Rua da Floresta para Rua Tiradentes, Rua Municipal para Rua Marechal Teodoro, Rua Campo Alegre para Rua General Osório, Rua do Comércio para Rua Celso Garcia, Rua da Quitanda para Rua Coronel Joaquim Rosa etc.
Em fins de 1912, Arlindo Lima teve seu escritório de advocacia associado ao do Dr. Frederico Marques, primeiro à Rua do Comércio (Rua Celso Garcia) e depois transferido para a também residência do Dr. Arlindo Lima à Rua Coronel Pereira. Foi correspondente do Correio Paulistano.
Mudou-se em 1915 para Aquidauana (atual estado MS) e fundou a 1º de setembro, uma escola de ensino básico, o Instituto Pestalozzi, e dois anos depois, 1917, a escola foi transferida para a progressista cidade de Campo Grande (MS), com incentivos do governo municipal. Com isso, o Instituto passou a oferecer o ensino médio, o magistério e cursos profissionalizantes noturnos em regime de internato, semi-internato e externato para ambos os sexos. Embora o colégio fosse misto, as unidades femininas e masculinas eram em prédios separados, pois isso seria uma afronta à moral da época.
Em 1920, o prédio com ótima localização na cidade, foi remodelado por um arquiteto italiano reconhecido na região, Camillo Boni.
Em 1922, Arlindo Lima arrendou o Instituto Pestalozzi, mas ainda assim permaneceu no corpo docente do colégio. Muito envolvido com as questões educacionais, nunca deixou de advogar com a mesma intensidade e paixão, sempre apoiado pelo também batataense, fazendeiro e político residente em Campo Grande, Dolor Ferreira de Andrade.
Não conseguimos, mais informações sobre o sr. Arlindo Lima. Provavelmente faleceu em 1940 e teve um filho de nome Joaquim que se casou no RJ na mesma época.
No ano de 1963, o advogado, político, empreendedor e professor Arlindo Lima recebeu uma homenagem, tendo seu nome eternizado como patrono de uma escola municipal em Cuiabá.