Caros leitores e leitoras, como tratado na edição anterior Altamira deixou indícios de seus escritos postais e sobre como se deu o funcionamento do Serviço Postal Militar da FEB. Nesta edição finalizamos nosso estudo inicial sobre os vestígios deixados por Altamira no uso desses meios de comunicação e as informações possíveis de serem coletadas sobre a 2ª Guerra Mundial.
Para que toda a dinâmica do Serviço Postal Militar funcionasse, a FEB montou o Correio Regulador, órgão responsável pelo envio das correspondências da guerra pela Itália e para o Brasil. Buscavam ter uma unidade em cada base militar, seja fixa ou móvel, responsável pelo recolhimento e distribuição dos malotes. Esses malotes eram recolhidos geralmente pelos oficiais dos ‘carro-correios’ e seguiam para Nápoles, onde eram embarcados em um avião para o Brasil. A censura tinha início: a correspondência deveria ser entregue aberta.
Conforme a regulamentação sobre a correspondência emitida pela FEB, no envio de correspondência civil para a Itália ou vice-versa deveria constar o nome do membro do corpo militar, o número de identificação e a indicação das iniciais da FEB. No caso, o número de identificação postal de Altamira, na maior parte do tempo foi o 419.
Quando chegavam ao Brasil, as milhares de cartas, “(…) eram enviadas para os dois Postos Coletores existentes, um em Natal para atender a região Norte e Nordeste, e outro no Rio de Janeiro, que atendia o restante dos Estados. Até o final da guerra, mais de 1.400.000 correspondências saíram da Europa para os seus destinatários no Brasil, com uma média mensal de quase 100.000. Um número notável para um efetivo de 25.000 homens que estiveram na Itália” (COSTA, 2008, p.4).
Depois de encaminhadas aos Postos Coletores Regionais no Brasil, as correspondências eram encaminhadas às Diretorias Regionais do Departamento Nacional de Correios e Telégrafos e em seguida às agências das cidades destinos. Da mesma forma, a correspondência ou encomenda desde que respeitados os limites de tamanho, peso, embalagem e gênero, podiam ser enviadas para a Itália de qualquer agência postal brasileira.
Batatais, portanto, que enviou cidadãos para toda a estrutura de guerra montada pela FEB no Brasil e na Itália, teve, com certeza, sua agência postal movimentada com a 2ª Guerra Mundial. Cartas, postais, vales-postais e encomendas trocadas entre os familiares, amigos e corpo militar da FEB, iam e vinham sem parar.
Voltemos a tratar dos atos reguladores sobre a correspondência particular para a FEB e dela para o Brasil. Uma das piores coisas que poderia acontecer numa guerra seria um serviço postal falho! As correspondências poderiam nunca chegar ao seu destino por desvio, roubo ou mesmo sequestro do inimigo. Por isso, a preocupação com o inimigo e a espionagem eram reais.
Observem a imagem do lote para leilão de um conjunto de envelopes e cartas, postais, telegramas procedentes da Alemanha do período de 39 a 45 e que nunca chegaram aos seus destinatários.
Os meios de comunicação particulares passavam por triagem e rigorosa censura no Brasil. Os censores escolhidos pelo Estado Novo fiscalizavam o máximo que podiam. As cartas deviam ser entregues abertas, ou isto seria feito pelos funcionários responsáveis, e, da mesma forma seriam lidas para garantir que nenhum tipo de informação fosse passada ao inimigo. A correspondência poderia ser totalmente excluída.
Além da preocupação com a própria guerra, os censores eram norteados a coibir e censurar – por instruções do governo brasileiro – assuntos políticos partidários e sociais que podiam prejudicar o Estado Novo contido nas cartas. O Serviço Postal da FEB estava atrelado às regras do Departamento de Impressa e Propaganda (DIP) do governo Getúlio Vargas.
Uma das grandes apreensões do Estado Novo estava ligada aos sistemas governamentais combatidos na Itália. Afinal aqueles brasileiros e brasileiras estavam lutando contra governos ditatoriais. Esses países eram muito parecidos com o que se vivia no Brasil. Existia uma certa apreensão da proporção que poderiam tomar críticas vindas da guerra contra o Estado Novo.
Os atos de censura procedimentais durante a 2ª Guerra no Brasil foram taxados de rigorosos e exagerados. Os censores recortavam as partes consideradas ‘perigosas’ trocadas entre o corpo militar brasileiro e os brasileiros. Assuntos ‘desestimulantes’ nas correspondências também eram objetos de triagem. Todos, como o exército brasileiro, o governo, a família, os amigos, ou seja, o Estado e a sociedade deveriam manter o corpo militar da FEB com foco na guerra.
Uma das formas de estimular os combatentes a fim de amenizar a dor e a vontade de voltar era exaltando as coisas do Brasil com cartão-postais:
Ainda quanto aos assuntos passíveis de censura, por serem considerados ‘desestimulantes’, temos um exemplo de triagem vivenciado por Altamira em relação a morte de seu pai, no dia 06/08/1944. Depois de ter várias cartas e telegramas censurados, a família conseguiu driblar os censores e avisar Altamira do falecimento do pai, ocorrido dias após ela dar início a sua jornada aérea para chegar à Itália. Oficialmente, a enfermeira Altamira foi notificada em dezembro de 1944.
Em algumas situações, parece que Altamira e seus familiares conseguiram agilizar o serviço postal militar. Tratou também em seu diário da censura e desvio postal, como no dia 16/02/1945, “Nisto chegaram 2 cartas da querida mana Aurêa (ando preocupada e tive 1 máu sonho esta noite com ela). Trazia 2 postaes – recortes jornaes – anexo carta Mj. Lemos – vieram sem censura penso q. em mão do Mj Jardel Fabricio – diz que me mandaria relogio e caneta (lamento a bôa intensão porq. não se recebe nada aqui) são desviadas”.
No dia 08/03/1945, Altamira tentou, novamente, agilizar a chegada ao destino de sua correspondência pessoal: “(…) o Flavio veio me buscar pª o banho em Porreta e eu tive q. ir pª não recusar tantas vezes a condução do Cel Torres. (…) Passei 1 telegrama pª a mana Aurea, acusando cartas, encomendas, (…) Almoçamos e depois dei 1 volta por Porreta (…) Ganhei 1 barra chocolate e 1 pacote de mate. (…) Recebi 1 ótima carta da querida mana Aurêa (veio sem censura e pelo Estado maior): 1 postal – 1 retrato dela, 1 meu = miniatura do qdro formatura – 1 lista de endereços e ótimas noticias; fiquei contente! – estou atrasadíssima com a correspondência – a minha cadeira está atulhada de uniformes – Não temos onde guardar tanta cousa. (…) Aproveitei e escrevi uma carta pª a mana Aurea, anexei 2 fótos (esta irá em mão do Cel Senna Campos).”
Em mais de uma passagem de seu Diário de Guerra, Altamira apresentou os correspondentes de guerra dos jornais nacionais e estrangeiros como grandes aliados no envio de correspondências – quando conseguiam – de uma forma mais rápida e muitas vezes sem censura.
“27-10-44-6ªfeira:- Às 7hs,00 breakfast- depois dormir até 11hs,00- Chegaram Berta, Elita e por sorte o grande amigo nosso (que fala corretamente o português) correspondente de guerra, já conhecido Henry W.Bagley, ex-diretor do “Bureau” da Associated Press, no Rio de Janeiro. Fez a nossa reportagem – tomou café – prometeu se informar sobre a família de meu cunhado Giovanni e também vai levar uma carta em mão para Dr. Luthero Vargas**, companheiro de turma do Helio (que escrevi pedindo a minha transferencia para Aeronautica.” (…)
** No trecho abaixo, Altamira demonstrou descontentamento com a FEB e seu desejo de ser remanejada para a FAB, pedido que faz de próprio punho com entrega ao portador. Obteve a resposta por correspondência cerca de 3 meses depois. Após acusar o recebimento da carta de Luthero Vargas, Altamira não emitiu mais nenhum comentário sobre o assunto. Seu pedido indeferido.
“26-1-45- subi trazendo os medicamentos e 1 carta de Luthero Vargas (assunto: Aeronautica – transferência). Fiz todo tratamento: gargarejo – drops de efedine[?] _ A.P.C. c/ codeína[?] – Tossi – vomitei a sópa – deitei-me e Jura tbem, mas chegou o Cel M.T. e ficou conversando até 17- J. fez cafe e torradas – não fômos jantar.”
Segundo narrou Altamira, a correspondência não tinha tanta periodicidade no recolhimento e recebimento, como esperado.
“Quartel General de Pistoia _ Procurei seção correio – fiquei conhecendo Humberto – dei-lhe 1 retrato meu e deixei com ele um cartão como presente do Cel M. Pôrto q. deve chegar amanhã de Napoles – subimos á seção dele e lá estava o Capt. Paulo Chaves e o Tent Manjia[?] tinha cartas para todos: 2 para mim 1 cartão de Mabel Shaux da C.A.E.F.E e 1 carta Nenê – imaguia q. recebeu a celebre carta q. não seguiu por Olga em mão e deixei aberta no Q.G. ha tempos”.
Pelas narrativas, é comum que as enfermeiras e outros agentes utilizassem como carona, os ‘carro correios’, veículos do sistema postal: em 15-10-44, em Pisa, “(…) Parou de chuver. Escrevi pª Josefina, D. Sinhá Samarão, Jim (correio americano). O sargento americano Goodyear me ajudou a escrever em inglês. Finalmente a Chief Nurse marcou minha viagem pª 2ª feira pela manhã – na condução do correio _ Respirei fundo e agóra é que vou socegar um pouco.” No dia 23/10/1945, “Após breakfast saí ás 8hs + de Pizza na condução Correio = Mail: Num gip iam na frente: o chauffer – 1 major e 1 capt. americano; eu e toda correspondencia e minha bagagem atraz.”
Ainda para minimizar as dificuldades dos envolvidos na guerra, havia outra forma dos homens e mulheres em situação de combate trocarem breves palavras com seus familiares: o telegrama.
Segundo consta, o telegrama foi considerado um ‘veículo lento’, por demorar cerca de uma semana para chegar ao destinatário. Caro leitores, se o telegrama era um sistema demorado, imagem as cartas!
Os membros da FEB, soldados e enfermeiras, por exemplo, tinham acesso restrito a esse meio de comunicação. As razões eram variadas, desde o alto custo para utilização do serviço telegráfico, pago pelos usuários e cobrado pela própria FEB, até às condições climáticas e qualidade da transmissão. O telegrama também passava pelo serviço de censura.
Há poucos dias de seu embarque rumo a Itália, Altamira, ainda no Brasil, em Recife, reclamou não ter podido passar um telegrama. Sempre que conseguiu fez uso do telegrama também. “13-II-45 levei cartas e trouxe tbem com 3 telegramas para o pessoal (menos pª mim). Tomei 1 cafésinho e sai e sai apressada.” (…) “19- II 45 – Ás 18,30 o Dr. Monteirinho me trouxe o 2º telegrama de Aurea: “Encomenda recebida / e dinheiro tbem”: fiquei contente – chegou aqui no Banco de Pistoia em 17-II-45.
Dentro do próprio palco de guerra, outros meios de comunicação foram disponibilizados aos altos membros da FEB: o rádio e o telefone – foi utilizado entre os campos de batalha -, ainda que de forma precária.
Em 23/02/1945, Altamira fez menção ao uso de telefone e como sempre ficou demonstrada a importância da chegada das cartas: “Providenciei o xpe telefonei Mj M. (…) pouco pude conversar _ dei-lhe 1 carta da colega França pª o Tte. (fiquei triste por não ter tempo). (…) Fiz ligeiro preparo e procurei dormir mas um rato pintou a noite inteira – a cobra fumou fortemente (…) Recebi 1 carta Aida e 1 Aurea c/ folhinha e letras de tangos argentinos – Li quasi no escuro.”
Pelo exposto, observamos que a correspondência trocada por Altamira com pessoas do seu entorno social e profissional foi a mais intensa possível. O mesmo podemos pensar dos demais membros da FEB e seus colaboradores italianos e americanos. E perguntamos: Os descendentes dos pracinhas batataenses não teriam guardado no baú de lembranças as cartas escritas durante a guerra?
Bibliografia
COSTA, Marcos Antônio Tavares da. (2008). A Censura Postal Militar: A Política do Estado Novo na Correspondência de Guerra da FEB. Revista Virtú – ICH, Mundo do Trabalho e Política Social. 7ªed ,1º/2008. Juiz de Fora: UFJF. Disponível em: https://www.ufjf.br/virtu/files/2010/05/artigo-7a16.pdf. Acesso em: 17 nov. 2020.
VALADARES, Altamira Pereira. Diário de Guerra. v. 1 [28/08/1944, com excertos desde o dia 04/08/1944, a 28/04/1945]. Centro de Documentação da Segunda Guerra Mundial “Cap. Enf. da FEB Altamira Pereira Valadare