Depois de décadas, o Governo do Estado está despejando a ABE – Associação Batataense de Ensino do prédio centenário que ocupa na Praça Anita Garibaldi. Entramos em contato com ex-alunos, ex-professores e autoridades que lamentaram o que está acontecendo.
“Primeiro quero dizer que tenho uma gratidão imensa pela Escola de Comércio (Associação Batataense de Ensino), pois foi nessa escola que me formei em 1970, Técnico em Contabilidade e trabalhei nesta profissão por mais de 50 anos. Segundo, tive a honra de lecionar nesta escola a matéria contabilidade por quase 10 anos. Eu era aluno quando a escola mudou do antigo prédio da escola IESA (Praça Barão do Rio Branco) para o prédio atual, na praça Anita Garibaldi. O Governo do Estado cedeu o prédio para a Prefeitura de Batatais, através de Decreto assinado pelo governador da época, e a Prefeitura cedeu também por decreto para a escola funcionar, tendo como contrapartida pelo uso a concessão de bolsas de estudos aos alunos carentes. No ano passado, como prefeito recebi um ofício da dirigente regional de educação da Secretaria Estadual de Ensino, sediada em Ribeirão Preto, solicitando a devolução do prédio. Respondi a solicitação informando que havia um decreto do governador cedendo o prédio para a prefeitura e um decreto do prefeito cedendo o prédio para a escola. Entendia que para devolver o prédio ao Estado, primeiro o governador teria que revogar o Decreto do Estado e depois disso o prefeito revogaria o Decreto Municipal. Até o final de 2020, em que permaneci na prefeitura, não me foi comunicado mais nada. Parece que o caso voltou novamente a ser discutido e respondendo diretamente à pergunta, confesso que estou sem o conhecimento atual das coisas, mas penso que as autoridades locais juntamente com as autoridades do governo do estado trabalhem numa solução satisfatória para o caso. Será que o governador está sabendo do que está acontecendo? É o governador que terá que tomar a decisão. Pois trata-se de um decreto e não lei. E decreto o governador pode revogar. Basta somente à vontade dele. Ele já se manifestou sobre o caso? Um abraço a todos”, José Luis Romagnoli – ex-prefeito.
“É algo surreal que em pleno século XXI a gente ainda veja coisas como essa, em que o estado controla a história e a cultura local. Em minha opinião, só quem deveria ter o poder e o controle sobre isso é o próprio município. Como ex-aluno e integrante dessa história fico muito tocado e vejo como uma grande injustiça. Um verdadeiro atentado à história da antiga escola de comércio de Batatais”, Leonardo Sampaio, ex-aluno, Logística Ambev.
“Sou muito grato por tudo que vivi na escola ABE como professor por alguns anos, uma instituição séria de profissionais envolvidos com a proposta pedagógica. Fico triste em saber que o prédio será devolvido para o Estado. Políticas Públicas numa hora dessa e de suma importância, acho que o nosso município na pessoa de nosso prefeito pode fazer algo, alguém precisa intervir a favor da educação. Que o prédio está em processo de tombo sabemos, resta saber se o Estado vai cuidar como os mantenedores mantiveram por anos. Uma escola acolhedora e um lugar de vida e muitos sonhos, dai saíram muitos profissionais, dentre eles meus três filhos, que tiveram formação integral, hoje engenheiro agrônomo, administrador de empresas e enfermeira. Algo precisa ser feito. Deixo uma pergunta: Qual real interesse do estado nesta altura do campeonato? Culturais realmente! Vamos aguardar o desfecho de tudo isso”, Professor Evandro L. Baviera Silva, ex-professor da ABE.
“A implantação de uma nova Escola da Rede Pública Estadual certamente é de fundamental importância para o município de Batatais. Ao longo das décadas o Colégio ABE se tornou patrimônio educacional, neste sentido, a alteração do endereço do Colégio consequentemente perderá um pouco da essência, o brilho, o encanto que é reconhecido e caracterizado durante anos. Uma escola incrível, com formação em técnico contabilidade, coordenação de docentes qualificados, estrutura física para atender a todos os alunos(as). Como ex-aluno, fico triste pelas mudanças que estão sendo ocorridas, mas feliz pelo município de Batatais estar recebendo mais uma escola da rede pública do estado em tempo integral. Espero que se resolva da melhor maneira, e que o Colégio ABE consigam encontrar uma nova estrutura que atendam todas as exigências do órgãos competentes”, Guilherme Veloso, ex-aluno, Supervisor de Polo.
“É muito chato esta situação, pois a ABE tem um legado. Meu pai estudou lá, depois eu estudei e o prédio tem bastante história. Foram várias gerações que passaram por lá, é uma tradição para a cidade. É muito triste saber que essa história esta sendo ‘destruída’. Mas, ao mesmo tempo isso pode ser uma nova chance para recomeçar, uma nova visão, um novo desafio para a ABE, e como eles são ótimos profissionais, tenho certeza que eles vão conseguir fazer uma nova história”, Tainá Vitório, ex-aluna, Médica Veterinária.
“Infelizmente, se isto realmente ocorrer, será uma enorme perda para nosso município. Ministrei aulas na década de 90 e conheço muitas pessoas que estudaram lá e se tornaram grandes profissionais, principalmente na área contábil. Agora, precisamos torcer para que eles não fechem as portas dessa tão estimada escola que tanto contribuiu para formação de pessoas de Batatais e região”, Ennio César Fantacini – empresário, presidente da ACE Batatais.
“Vejo com muita tristeza essa possibilidade, sobretudo por ter feito parte de minha formação. Porém, creio que não devemos creditar as dificuldades de continuidade da ABE apenas à perca de suas instalações. Nos últimos anos todas as instituições de ensino médio particulares estão passando por dificuldades e o mesmo também deve estar ocorrendo com a ABE e, portanto, qualquer alternativa para a continuidade da ABE não se resolverá apenas resgatando suas instalações, o que não significa que não se deve somar todos os esforços na busca de uma solução”, Antônio dos Santos Moraes Júnior – empresário e professor.
O que espera a direção da ABE e o posicionamento do estado
Depois de décadas formando cidadãos de nossa cidade a escola da ABE – Associação Batataense de Ensino, que sempre foi referência de profissionalismo e qualidade nos serviços prestados, simplesmente recebeu a informação de que o estado vai utilizar o prédio histórico da Praça Anita Garibaldi e que tem prazo para sair, ‘dezembro de 2021’. Entramos em contato com o Governo do Estado de São Paulo que respondeu, por meio do subsecretário de Articulação Regional da Secretaria de Educação, Patrick Tranjan, que a cessão do imóvel para a ABE, se deu em 1981, com um decreto do governo do estado, pré Constituição de 88, que permitia a utilização de prédio pela Prefeitura de Batatais, que fez o decreto local de permissão de uso para a escola, o que estaria irregular há muito tempo. “Acontece que após Constituição de 88 fica vedada a utilização de prédios públicos para fins privados, inclusive neste caso, além de privado existe o interesse financeiro em jogo. Há fins lucrativos na ABE. Ainda aconteceu da instituição que estava no prédio fazer a cessão para um terceiro. É um caso bem complexo, ele é ilegal, já aconteceu da Procuradoria do Estado se manifestar e solicitar a devolução imediata do imóvel. A Secretaria de Educação já notificou a Prefeitura para que fosse feita a devolução, mas a Prefeitura entende que há de ser revogado esse decreto de 81 e, apesar de nada se sobrepor a constituição, a procuradoria foi acionada para a reedição do decreto. O que é importante dizer é que para 2022 a ABE não estará neste prédio. O imóvel será utilizado por escola de tempo integral da rede pública estadual, inclusive a cidade já havia sido informada neste ano durante visita do secretário a cidade. É um processo que se estende há muitos anos e a Secretaria resolveu dar um fim nisso por conta da legalidade por parte do Governo do Estado”, afirmou o subsecretário. A nossa equipe de reportagem entrevistou o presidente da ABE, Professor João Edno Garcia, que destacou o entendimento da escola neste processo.
JC – João Edno, como a escola recebe essa decisão do governo de despejar uma instituição que tanto contribui com a comunidade?
João Edno: sempre pensamos estarmos amparados por um Decreto Estadual e também Municipal, assinados pelas autoridades máximas em cada ente, que estão em vigor. Então, a instituição procurou se preocupar em realizar a sua atividade educacional, proporcionando ensino de qualidade e de forma acessível, sem imaginar que o Governo do Estado iria pedir a retomada do prédio. E assim o fizemos ao longo de quase 7 décadas, formando pessoas que fazem a diferença em nossa cidade e até mesmo em nosso país.
JC – Afinal a ABE é uma escola sem fins lucrativos?
João Edno: sim. A Associação Batataense de Ensino, desde a sua fundação em 07 de setembro de 1953, onde 14 benfeitores se juntaram, fundaram a associação com seus próprios recursos. E foi criada sem fins lucrativos. Tudo o que se arrecada volta em benefício dos alunos e do funcionamento da entidade. Nunca existiu a situação de finalidade lucrativa. E facultando às famílias o acesso aos cursos, com bolsas, descontos e muitas formas de ajuda. A Associação não recebe nenhum auxílio ou subvenção, precisa sobreviver com os recursos arrecadados. A escola devolve ao município este trabalho educacional de formar cidadãos de bem e de qualidade profissional, que constituirão suas famílias ou suas empresas, contribuindo com o progresso da cidade. Temos nossos ex-alunos inseridos nas grandes empresas e em todos os escritórios da cidade, como colaboradores e em sua maioria como os proprietários das organizações contábeis.
JC – Vocês já tentaram argumentar com o município e com o estado para, pelo menos, ganhar mais tempo?
João Edno: foi feita uma solicitação através da procuradoria do município, para a procuradoria do estado, mas até o momento o que se conseguiu foi até o final do ano letivo em dezembro.
JC – Porque antes podia e agora não mais ocupar o prédio?
João Edno: ao nosso entendimento e de muitas outras pessoas que analisam a situação, é a de que a escola está amparada por decretos que autorizaram, e que estão em vigor. Pensamos que pode haver um bom senso da parte do estado em atender o município, se assim as autoridades locais entenderem também, para que a escola permaneça onde está, sempre cuidando do prédio, e mantendo seus cursos regularmente, continuando a sua missão de formar pessoas que vem ao longo dos anos contribuindo com o progresso de nossas empresas e do próprio município.
JC – Se tiver que sair já existe algum lugar para mudança?
João Edno: estamos em busca de um novo local. Mas não é tão simples assim. Além de se ter um local, a mudança que já é difícil, também se faz necessário cumprir diversas exigências da legislação, obter autorizações e licenças do município e passar pela aprovação da comissão regional da Secretaria da Educação que nos autoriza o funcionamento.
JC – Quantos alunos estão hoje matriculados na escola?
João Edno: vivemos desde o ano passado com a situação de pandemia, assim como diversas outras escolas, uma redução do número de alunos. E como neste ano optamos por não abrir o Fundamental I, atendemos cerca de 85 alunos. Mas como já temos autorização, já estamos ofertando novamente para o ano letivo de 2022, também este ciclo do Fundamental I – do 1º ao 5º Ano, além da sequência dos cursos do Ensino Fundamental II, do 6º ao 9º Ano e também do Ensino Médio com Técnico em Contabilidade, o que elevará este número.