Não, definitivamente não teremos uma moeda comum na América Latina nos moldes do “euro”, moeda forte adotada na maioria dos países da Europa.
A ideia foi ressuscitada, mais uma vez, pelo presidente Lula e o presidente da Argentina, Alberto Fernández, nessa semana em Buenos Aires, quando revelaram que estavam em negociações iniciais para estabelecer uma unidade de valor compartilhada para o comércio bilateral, o que não substitui o real ou o peso. Pois que fique bem claro que a intenção seria criar uma moeda comum para transações comerciais e financeiras, e não uma moeda corrente única que substituiria as nacionais. Isso levaria muito tempo, décadas talvez, tendo como base artigos de conceituados economistas que li ao longo dessa semana.
A ideia não é nova nem criativa. No governo Sarney, em 1987, iniciou-se a discussão para a criação do “gaúcho”, uma moeda para o comércio Argentina-Brasil, proposta que nem chegou ao Congresso. O ex-ministro Paulo Guedes, por exemplo, em artigo publicado em 2008, há uma década meia, portanto, já falava nas “vantagens” do “peso-real”. Em 2019, em encontro com o então presidente argentino Maurício Macri, o ex-presidente Jair Bolsonaro também anunciou que estava em discussão a criação futura do “peso-real”.
A tal moeda comum seria um meio de pagamento, hoje em dia muito mais digital certamente, que poderia ser utilizada, principalmente por exportadores e importadores, em transações comerciais e financeiras. A ideia principal, segundo escutei da boca do Ministro da Fazenda Fernando Haddad em entrevista na última segunda-feira, é a de substituir o dólar no comércio direto entre os países envolvidos, poupando divisas em moedas fortes para cada lado.
Portanto, a moeda comum pode até ser encarada como primeiro passo, mas está longe de se confundir com moeda única. Moeda única é, como já me referi, como o “euro”, que circularia em um bloco de países, e é usada por toda a população em substituição às moedas locais, enquanto a moeda comum circularia em paralelo, e com fins específicos, de comércio internacional, por exemplo, sem substituir as moedas locais.
E sabem como se deu a “gestação” da moeda única europeia? Da criação do primeiro bloco econômico na Europa, em 1957, até o início da adoção do euro como moeda local, em 2002, se passaram 45 anos… Enquanto uma moeda comum, para comércio e finanças, depende basicamente de segurança jurídica, que assegure sua aceitação nas trocas diretas, a implantação de uma moeda única exige forte alinhamento nas contas públicas e na gestão monetária dos países envolvidos.
Uma moeda única, segundo analistas econômicos, precisaria de estruturas e instituições políticas compartilhadas que levariam décadas para serem estabelecidas, além de os países da América do Sul terem situações econômicas muito diferentes —a Argentina, por exemplo, luta contra a inflação há muito tempo e atualmente está com uma taxa anual de quase 100%, a Venezuela sofre com uma hiperinflação ainda maior e com o colapso econômico, e outros como Uruguai e Chile, estão mais estáveis há muito tempo.
Pra mim essa história tem cara de cortina de fumaça, principalmente para o governo Argentino, que terá uma difícil eleição presidencial no segundo semestre desse ano. E Lula com certeza tem outras coisas mais importantes em que se concentrar, incluindo seus planos econômico e fiscal. E com o Congresso que virá, o trabalho será redobrado!