Em 2018, Bolsonaro chegou à vitória na eleição presidencial tendo, basicamente, um único discurso resumido em: “No meu governo, não haverá corrupção!”.
Fazia todo sentido naquele momento. O Brasil vivia o ápice da operação “Lava Jato”, o PT estava enroscado com o mega-esquema de corrupção na Petrobrás, Lula estava preso e grande parcela da população queria algo diferente do PT e do PSDB no Palácio do Planalto. O Capitão não precisou de muito esforço para encaixar sua retórica nessa direção, e as redes sociais e uma facada de um doido fizeram o restante do trabalho.
Pois bem, desde sua posse estamos acompanhando com o passar dos dias a queda de outras bandeiras secundárias do discurso do então “candidato” Bolsonaro, solenemente abandonadas pelo “presidente” Bolsonaro, como por exemplo: as metas liberais na economia, a austeridade fiscal, a promessa de autonomia das estatais e autarquias, o descaso com o meio ambiente, a aliança com o Centrão (que ele sempre nominou de “velha política”), e o respeito às instituições democráticas que ele, jurando sob a nossa Constituição, prometeu defender.
Mas tem uma baliza do seu discurso que Bolsonaro sabe que não pode deixar de lado, e que mantém a fidelidade cega do eleitor bolsonarista, identificada com a frase em negrito do primeiro parágrafo deste artigo. Se aparecer corrupção no seu governo, e comprovar-se que ele não agiu para coibir sua consumação, cairá o principal pilar de sustentação da sua credibilidade, em queda livre desde meados do ano passado, quando desdenhou das vacinas e começou a viajar na onda furada da cloroquina.
Vamos combinar que o “rolo” das vacinas – usando um termo utilizado pelo próprio presidente – com o envolvimento do líder do seu governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (lembrando que esse deputado é membro de longa data do Centrão, foi vice-líder do governo Lula na Câmara dos Deputados em 2007, e Ministro da Saúde do governo Temer de 2016 a 2018), era mais do que previsível, uma vez que o Centrão sempre trabalhou com base no velho esquema do toma-lá-dá-cá, e o apoio ao governo Bolsonaro certamente não sairia de graça. O problema é que as suspeitas de que o presidente já sabia destes “rolos” e não tomou nenhuma atitude para investigar as irregularidades vem crescendo e ganhando ingredientes mais concretos à cada dia, e quanto mais explicações seus auxiliares fornecem, mais incoerências vão aparecendo, e mais personagens vão dando corpo e subsídios às denúncias de corrupção no coração do governo. Bolsonaro se complica cada dia mais, e perde a paciência quando questionado pelos jornalistas, numa atitude auto-explicativa e sintomática do nível de seu envolvimento com as denúncias apresentadas.
Ainda estamos distantes da eleição presidencial do ano que vem, mas se a mancha da corrupção grudar na roupa do governo, ou mesmo a dúvida sobre essas irregularidades e a falta de um esclarecimento coerênte, crescerá a cada dia a possibilidade de termos uma eleição sem Bolsonaro no segundo turno no ano que vem. Ou ainda, uma eleição de um turno só. À conferir.