Por Sérgio Corrêa Amaro –maio/2024
O Estado de São Paulo conta, atualmente, com 645 municípios e algumas dezenas destes têm mais de um distrito. Batatais conta apenas com o chamado distrito-sede, outros municípios chegam a ter até 8 distritos, a exemplo de Sertãozinho, têm o distrito de Cruz das Posses.
Mas nem sempre foi assim… A Capitania de São Paulo e Minas do Ouro foi criada em 1709, por compra do Rei de Portugal das capitanias de São Vicente e Paranaguá, no contexto da Guerra dos Emboabas e englobava um território imenso, ligado administrativamente ao Rio de Janeiro.
Esse enorme território chamado de Capitania de São Paulo e Minas do Ouro abrangia os sertões de São Paulo, Paraná e Santa Catarina, para o sul, e de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso para oeste. Estes ‘sertões’ de definição quase sempre incerta pela historiografia, foram desbravados pelos bandeirantes e no contexto da União Ibérica (1580-1640), pois para todos os efeitos não tinha sentido, naquela época, respeitar a linha traçada pelo Tratado de Tordesilhas, se por um lado os espanhóis não tinham interesse ou braços para ocupação do território que lhes cabia, a União Ibérica praticamente eliminou a fronteira do Tratado, e os ‘paulistas’ como eram chamados, foram adentrando e tomando posse daquele enorme território.
Para o Sul, os mesmos bandeirantes tomaram a região da margem esquerda do Rio da Prata, em frente à Buenos Aires e fundaram a Colônia do Sacramento. Após o término da União Ibérica, a chamada Restauração de 1640 tornou independentes os portugueses do longo período de dominação filipina (espanhola) de 60 anos, pondo no trono uma nova dinastia, a de Bragança, sob o comando do Rei dom João IV. Aquela região do Sacramento gerou inúmeros conflitos armados, tentativas de tratado que nunca davam certo, chegando ao fim apenas em 1750, com o Tratado de Madri, quando, finalmente, aquela região voltava a ser definitivamente espanhola.
Retornando ao caso paulista, a situação durou pouco, pois a Capitania de São Paulo foi sendo desmembrada ao sabor da política portuguesa de controle do território, tanto para fins militares, quanto de ocupação de freguesias, vilas e arraiais e de cobrança de impostos, como nos registros (passagens obrigatórias do ouro e diamantes), capitação (sobre o número de escravos) e a mais rica, o famoso Quinto do Ouro (20% sobre toda a produção).
Em 1720, Dom João V ordenou a cisão de Minas Gerais, com capital em Vila Rica (atual Ouro Preto), este rei, que governou Portugal de 1707 a 1750, filho de D. Pedro III e pai do futuro D. José I (reinado de 1750 a 177), fez uma administração gigantesca que atingia os confins do Oriente e pode ter sido o rei que mais se beneficiou das riquezas extraídas da colônia do Brasil, seu reinado foi uma constante tentativa de reinserção de Portugal nos quadros da política internacional, desde a construção de jóias arquitetônicas como o Palácio Real de Mafra, até hoje um dos mais belos palácios do mundo, o Museu dos Coches, a Biblioteca Joanina, os Aquedutos das Águas Livres, em Lisboa; intromissão na Guerra de Sucessão Espanhola, as famosas ‘embaixadas’ junto às cortes da França e da Santa Sé, várias vezes e de um luxo desmedido.
A Capitania de São Paulo foi extinta em 1748 (era chamada de formosa e pobre) e só voltaria a existir oficialmente em 1765, com controle do Rio de Janeiro. Aos Reis de Portugal interessava, por razões econômicas e políticas, estender e manter o poder em regiões de potencial econômico, de extração de outro e pedras preciosas. Junto com a extinção de São Paulo em 1748 houve os desmembramentos das capitanias de Goiás, com capital em Vila Bela (hoje Cidade de Goiás), Mato Grosso, com capital em Vila Bela, o chamado Sertão da Farinha Podre (Triângulo Mineiro) fazia parte da Capitania de Goiás.
Pouco antes da Independência, em 1821, o Conselho Ultramarino do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves fez mudanças administrativas e uma delas foi que as capitanias tiveram seu nome mudado para províncias.
Ao longo do século XIX, São Paulo foi sofrendo mais desmembramentos, perdendo para sempre os territórios atualmente ocupados pelos Estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
E internamente? Bem, a primeira cidade do Brasil, como todos sabem, foi São Vicente, fundada em 1532, por Martim Afonso de Souza, no litoral paulista.
Para os portugueses, uma vez enfrentado o mar-oceano, outro oceano lhes surgira: as imensas massas verdes do Brasil, povoadas de índios, feras, plantas e animais desconhecidos, porém havia potencialmente a riqueza em forma de pau-brasil, nativo e hoje quase extinto, a cana-de-açúcar, a fertilidade do solo, o ouro e as pedras preciosas, sempre alvo da cobiça de reis, nobres e homens e mulheres comuns. As dificuldades de transporte e comunicação eram quase intransponíveis, mas pouco a pouco, a Coroa Portuguesa, por seus agentes ou por bandeirantes e mamelucos ia tomando posse do território.
Em rápido parêntese, para toda a gente, a palavra ‘sertão’ tanto podia significar lugar deserto, sem nada ou lugar ainda não colonizado ou pouco habitado, daí as expressões ‘sertão desconhecido’, ‘sertão da Farinha Podre’ ou ‘boca-do-sertão’ que era dado ao final de uma linha férrea.
O mapa da província de São Paulo, confeccionado em Paris em 1841, mostra um imenso ‘sertão desconhecido’, é como se no Oeste paulista nem índios houvesse e sabemos que havia muitos, terras que só seriam ocupadas por brancos muito mais tarde e hoje são regiões densamente povoadas e enriquecidas.
A IGREJA CATÓLICA NO BRASIL COLONIAL: INTERESSES E CONFLITOS COM A COROA PORTUGUESA
Até aqui tratamos de divisões administrativas, por assim, dizer, aquelas que vinham de cima para baixo, da Coroa Portuguesa, como foi o caso das capitanias hereditárias, tentativa frustrada de transferir para particulares o ônus de colonizar povoar e catequizar os índios; a criação de vilas e cidades, as divisões territoriais, um emaranhado complexo e às vezes conflituoso de leis e provisões, portarias e decretos, autoridades régias versus autoridades locais.
Muito cedo a Igreja Católica se estabeleceu no Brasil, tendo vindo com os descobridores, não nos esqueçamos que o ‘descobrimento’ ou ‘achamento’ do Brasil se deu sob a Cruz da Ordem de Avis, cujo principal titular era o Rei de Portugal. Muito cedo a Igreja se posicionou a favor dos índios, que considerava ‘puros’ mas dotados de alma, portanto capazes de aceitarem o cristianismo, mas quanto aos negros africanos, a posição era de legitimação do cativeiro e catequese dos africanos e seus descendentes, a mentalidade da época (especialmente no século XVII) era de hierarquia social, onde cada elemento tinha uma razão de ser e aos escravos cabia trabalhar e obedecer, uma conjugação de pecado e salvação, daí a constante invocação de santos ‘pretos’ como Santo Elesbão ou Santa Ifigênia e a devoção a Nossa Senhora do Rosário, protetora dos ‘homens de cor’.
A Igreja e o Estado Português se complementavam nesse pensamento e modo de agir, Portugal chegou a ser proclamado Reino Fidelíssimo, isto é, o Papado considerava o pequeno reino ultracatólico.
No Brasil colonial, a Igreja era o braço do Estado, atuando tanto no plano administrativo e civil (registro de nascimentos, casamentos, óbitos) quanto no plano religioso propriamente dito, e, claro, houve conflitos de toda sorte, especialmente discussões sobre as fronteiras dos territórios eclesiásticos e temporais (do governo real).
De forma geral, até chegar a ter status de vila ou cidade, as povoações na colônia do Brasil tinham que cumprir certas regras e dependia muito da ‘força’ dos moradores a elevação dos status de um ponto a outro: um povoado podia se tornar um arraial, o arraial construía uma capela, a capela podia ser curada ou não, se fosse uma Igreja maior, para se constituir em freguesia, era preciso um patrimônio (ou chão de Deus), um ou vários moradores doavam um patrimônio em honra de um santo ou santa de devoção e pedia-se ao bispo a ereção da freguesia.
A freguesia de Batatais derivou de um longo processo junto à Mesa de Consciência e Ordens no Rio de Janeiro, uma instituição que ajudava o rei ou regente, no caso Dom João, futuro dom João VI. A petição dos moradores de Batatais e de Casa Branca seguiu para o Rio de Janeiro e foram precisos alguns anos até que Casa Branca foi elevada a freguesia em 1814 e Batatais elevada a freguesia por alvará régio de 25 de fevereiro de 1815. E o patrimônio? Foi todo doado por Germano Moreira e sua mulher Ana Luíza Constância ou da Conceição, ambos meus avós de 5ª. Geração.
A ‘briga’ entre o Padre Bento José Pereira e os consogros Antônio José Dias e Manoel Bernardes do Nascimento já foi cantada em verso e prosa pela mudança da matriz em 1823 para as paragens do Campo Lindo das Araras. Na queda de braço, ganhou o Padre Bento: o Bispo de São Paulo escolhera o padroeiro Bom Jesus da Cana Verde para Batatais, santo de sua especial devoção. Foi escolhido o lugar para construção da matriz, em lugar alto e decente, longe de construções particulares. Finalmente, o Padre Bento tinha o ‘seu’ território e tratou de ir concedendo ‘datas’ ou terrenos no sistema de enfiteuse ou aforamento, ou seja, quem quisesse um lugar para construir uma residência, pedia ao padre, e pagava anualmente o foro. Ao padre cabia, ainda, quando da elevação da vila, que cedesse um terreno para o rossio, a sede da vereança e o pelourinho, as prefeituras só viriam mais tarde, quem governava a vila era o vereador com mais votos, simples assim.
A elevação de Batatais a vila se deu por força da lei provincial número 7, de 14 de março de 1839, com poucas linhas o Presidente da Província dispôs:
LEI N. 7, DE 14 DE MARÇO DE 1839.
O Dr. Venancio José Lisboa, Presidente etc.
Art. 1.° – Haverá nesta província mais uma comarca composta de dous termos, o de Mogy-mirim e o da villa Franca do Imperador: a freguezia de Batataes pertencente a este termo fica elevada á cathegoria de villa, e sendo a cabeça do dito termo; a residencia porem do juiz de direito será na villa Franca do Imperador, com o vencimento de um conto e quatrocentos mil reis de ordenado.
Art.2° – O termo da Constituição fará parte da terceira comarca.
Art.3° – Esta lei obrigará, e terá execução desde sua publicação, independente do prazo de trinta dias marcado pela lei de 4 de abril de 1835.
Art.4° – Ficão derrogadas todas as disposições em contrário.
Observação: mantivemos a ortografia antiga, dá um ‘sabor’ a mais. Detalhe: o tal ‘Termo da Constituição’ se refere à atual Piracicaba.
DESMEMBRAMENTOS
Na criação da freguesia de Batatais, em 1815, o alvará régio dizia que as confrontações seriam o rio Sapucaí Mirim (um afluente do Sapucaí ‘verdadeiro’) e o rio Pardo, sob jurisdição de Mogi-Mirim, um território imenso!
Franca (1821) → Batatais (1839) → Cajuru (1865) → Casa Branca (1841) → São Simão (1865)
Por portaria de 1821, Batatais foi transferida para o município de Franca. Ao longo do século XIX e até começos do século XX (1918), Batatais foi perdendo território para arraiais que eram elevados a freguesia ou freguesias que eram elevadas a vilas ou municípios. E assim, Batatais foi sendo desmembrada, a fila começava por Cajuru (orago São Bento Abade), que significa ‘boca do mato’, seguida de Santana dos Olhos D’Água (atual Ipuã), Santo Antônio da Alegria (Capela do Cuscuzeiro, onde ocorriam muitas festas, daí o título Alegria para o Santo Antônio de Pádua), Nuporanga (arraial da Desidéria ou Espírito Santo), Morro Agudo (São José do Morro Agudo), Jardinópolis (Ilha Grande, capela de Nossa Senhora Aparecida), e já em começos do século XX (1913 e 1918 respectivamente), Brodowski (Engenheiro Brodowski) e Altinópolis (Nossa Senhora da Piedade do Mato Grosso). À exceção, talvez, de Brodowski, que teve início com terras doadas em torno da estação ferroviária, as demais tiveram por início a doação de patrimônio para construção de capelas para um santo ou santa.
O município de Batatais conta atualmente com 850,72 km2, já foi grande, muito grande, seu território foi continuamente sofrendo desmembramentos, mas cá entre nós, nossa Batatais continua grande! Grande por sua história, grande por suas riquezas, grande por seus personagens ilustres, grande por seus monumentos e, principalmente, grande por sua gente, amiga e hospitaleira, uma vez batataense, para sempre batataense!