Houve um período na história que uma linhagem divina vestiu-se com trajes mortais e assim viveram entre nós. Isso aconteceu há muito tempo na Europa.
Por lá viveram Leonardo da Vinci, Michelangelo, Camões, Bach, Shakespeare, Galileu entre muitos outros, suas idéias eram formidáveis, suas obras geniais, o espaço europeu tornou-se pequeno demais para tantos e tamanhos encantos. Ansiavam por desafiar o Atlântico: “Quase tão forte quanto a força do homem” dizia o poeta reforçando a razão antropocêntrica. A conquista do Novo Mundo estava anunciada.
Era 09 de Março de 1500, treze naus e cerca de 1200 homens zarparam dos portos ibéricos e no dia 22 de Abril deu-se o “achamento” do Brasil. Criaturas feias, fétidas e infectas saíram das embarcações para o espanto dos tupiniquins que aqui moravam, mas para o seu azar ninguém sabia. No dia 26 de Abril rezou-se a primeira missa e Cabral, nosso almirante, zarpou no dia seguinte rumo a Índia deixando aqui quatro elementos de reputação duvidosa, cabendo-lhes entre outras coisas a responsabilidade direta ou indireta de dar origem a um povo.
Assim surgiu o mameluco, filho da índia com o branco, ele não queria saber da paternidade e ela também não fez muita questão. O nosso ancestral foi criado livre por aí, correndo pelas matas, banhando-se nos rios, carregando as bagagens dos jesuítas, abrindo picadas para os bandeirantes, virando refeição para os tamoios que acreditavam adquirir as virtudes dos devorados. Era o brasileirinho achando seu lugar no mundo.
Sobreviveu, foi forte o suficiente, venceu a aspereza e o dissabor, miscigenou e foi se tornando um ser cada vez mais complexo e profundo, vindo à tona pelo advento da criação a mais variada estirpe, semblante e caráter irrepetíveis como que provenientes de um Deus bondoso, caprichando na sua imagem e semelhança.
Indiferente o tempo passa, deixando as marcas que foram cravadas em suas estações.
O espectro apavorante da escravidão foi um sinal sombrio que durou quase 350 anos dos nossos 519 anos ( mais de 70% da nossa jovem história). O Império agonizou com o fim do modelo escravocrata que em muitos aspectos o sustentava. Em 1889, veio a República, nascida de um golpe elaborado pelo Marechal Deodoro sobre D. Pedro II. As oligarquias do café-com-leite através de seus coronéis vão segurar o cabo do açoite até 1930 para demonstrar que a República era boa, mas para poucos, uma elite fria e calculista objetivando interesses próprios em sacrifício do seu povo.
Derrubando o regime, Getúlio Vargas revolucionou o país, foi dos braços do povo ao suicídio, deixando em seu currículo duas constituições, as leis trabalhistas, o desenvolvimento e a certeza do crescimento econômico. Nascia em 1953 a Petrobrás, nossa maior empresa. Em Agosto de 1954 o Brasil acorda estarrecido, Getúlio Vargas estava morto. Logo depois veio Juscelino Kubitschek, jovem presidente “bossa nova”, expandiu o país modernizou-o, construiu Brasília e deu ares de colosso e jovialidade nesta Patriamada. Grande parte dos investimentos deram-se pelas mãos do capital internacional. Desse período, inflação e dívida externa começaram a fazer parte do vocabulário do nosso brasileirinho médio.
Jânio e Jango apenas abriram as portas para os generais desfilarem com seus coturnos sobre nossas cabeças, esmagando nossas idéias e ferindo de morte o sonho da tropicália. O brasileirinho, agora já maduro teve que fazer de volta o caminho do Atlântico, a bandeira do exílio tremulava nos portos e aeroportos do país. Uma voz solene e metálica bradava por todos os cantos: ” Brasil Ame-o ou Deixe-o”. Brava gente brasileira, nesse período sucumbiu.
1984, ao clamor das “Diretas Já”, o Brasil como um titã adormecido nas profundezas, acorda para uma nova era. As feições demonstram no novo despertar a Novíssima República, uma nova nau que tiveram como timoneiros Tancredo Neves e Ulysses Guimarães. Depois vieram neoliberais e esquerdistas com seus planos e ações que tantas desconfianças trouxeram aos brasileiros.
Eles ficaram pelo caminho, como todos nós ficaremos um dia, mas com a certeza que a história não acabará aqui, pois se ela começou com o nosso mameluco, lá também começou o moto-contínuo, porque em nossos corações brilha o sol da liberdade que nos aponta para o horizonte eterno de nossas vidas.