‘O Milagre da manutenção da vida’ por tratamento inédito contra o câncer no Brasil
A notícia do funcionário público aposentado, paciente que tinha linfoma em fase terminal e agora está livre da doença, tomou conta dos noticiários de todo o país e colocou o trabalho de pesquisadores, em especial do batataense Dimas Tadeu Covas, em evidência. O tratamento, inédito na América Latina, baseado em uma técnica de terapia genética, conhecida como CART-Cell, foi realizado pelo Centro de Terapia Celular (CTC-Fapesp-USP) do Hemocentro no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto. Os pesquisadores da USP – apoiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e pelo Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq) – desenvolveram um procedimento próprio de aplicação da técnica CART-Cell, que consiste na manipulação de células do sistema imunológico para que elas possam combater as células causadoras do câncer.
Dimas Tadeu Covas, que coordena o Centro de Terapia Celular do HC de Ribeirão Preto, de forma muito atenciosa respondeu a algumas perguntas por nós formuladas e, deixamos o agradecimento da nossa equipe e os cumprimentos pelo trabalho de tamanha importância na área da saúde.
JC – Bem Dimas, tivemos a divulgação nacional, e para orgulho de todos nós, esse trabalho oferecendo um tratamento contra o câncer, feito com células reprogramadas do próprio paciente, tem a frente um batataense. Como foi toda essa ação para validar e iniciar o tratamento inédito na America Latina?
Dimas Tadeu Covas – Foi o resultado de muitos anos de investimentos e preparação. Montei nosso primeiro laboratório para cultura de células em 2001. Foi ainda necessário treinar pessoas em técnicas de biologia molecular e celular, desenvolver capacidade de manipulação genética e adquirir tecnologia para produção de células em condições de boas práticas de fabricação certificada pela ANVISA. Especificamente, o projeto que resultou no tratamento começou a quatro anos e meio, quando definimos o câncer como uma das nossas prioridades de pesquisa, principalmente os novos tratamentos baseados em imunoterapia celular e a produção das células CAR-T. Foi necessário o desenvolvimento de modelos animais e certificação da qualidade do produto. Enfim, um trabalho de muita dedicação da nossa equipe que conta com mais de 20 pesquisadores dedicados exclusivamente para este tratamento, incluindo médicos, biólogos celulares e moleculares, engenheiros, farmacêuticos e enfermeiros. Um trabalho em equipe integrado e liderado por mim que sou o Coordenador Geral do Centro e desta pesquisa em especial.
JC – A pergunta que muitos fazem é: esse tratamento é indicado para outros tipos de câncer?
Dimas Tadeu Covas – NÃO! É importante enfatizar. O tratamento em questão é um tratamento personalizado que usa as células do próprio paciente, modificadas em laboratório, para combater o seu câncer. No caso específico, o tratamento foi desenvolvido para tratar de uma forma especial de câncer que acomete as células do sistema de defesa, chamadas de linfócitos B. O câncer que pode ser tratado é o linfoma do tipo não-Hodgkin em pacientes que não responderam aos tratamentos convencionais, ou seja, que não tem opção terapêutica, que já tentaram todos os tratamentos clássicos que não funcionaram. Por este motivo, o tratamento é denominado de ‘compassivo’, por compaixão, como último recurso para salvar a vida do paciente. O tratamento não serve para os chamados ‘tumores sólidos’, como câncer de mama, de pulmão, de intestino, do fígado ou da pele. Para estes tipos de cânceres o tratamento não funciona.
JC – É uma tecnologia recente que coloca o Brasil em igualdade com países desenvolvidos, mas com investimento infinitamente menores. Qual o planejamento que vocês estabeleceram para seguir avançando nessa grande conquista?
Dimas Tadeu Covas – O tratamento que desenvolvemos é totalmente brasileiro. Não depende de conhecimentos patenteados ou proprietários de alguma companhia. No exterior, este tipo de tratamento é disponível ao custo de 5 milhões de reais para cada paciente. Aqui no Brasil, o tratamento foi desenvolvido por nós no Hemocentro de Ribeirão Preto que é um órgão público, com dinheiro público o que permitirá que o tratamento seja, no futuro, oferecido aos pacientes do SUS de forma gratuita. Para que isso aconteça, serão necessários investimentos em infraestrutura para ampliação da nossa capacidade produtiva, bem como na ampliação do numero de leitos hospitalares disponíveis para esse tratamento. Estimamos que investimentos da ordem de 15 milhões de reais permitiriam a ampliação de nossa capacidade, hoje limitada ao tratamento de 1 paciente a cada 40 dias, para 4 a 6 pacientes por mês no prazo de 6 meses. Esperamos ter o apoio das nossas autoridades da área da saúde e do governo de forma geral para viabilizar estes investimentos.
JC – Como tem sido a sua rotina após essa divulgação, que gera ansiedade e muita expectativa por pacientes de todo o Brasil, e por que não dizer, do mundo?
Dimas Tadeu Covas – Num primeiro momento a solicitação da mídia foi intensa. Gravações para as televisões e rádios, entrevistas para jornais, revistas e sites noticiosos. Os primeiros levantamentos indicam que esta noticia já foi a mais divulgada e comentada na última década na área de saude. Desde a divulgação dos resultados no último dia 10 até hoje a procura da mídia nacional e internacional tem sido muito intensa e tem demandado tempo considerável. Outra demanda importante é representada pelos questionamentos de pacientes com câncer e por seus familiares. Recebemos, até o momento, mais de 1000 solicitações de ajuda ou de esclarecimentos. Pessoalmente no meu email ou nas minhas redes sociais recebi mais de 200 mensagens solicitando ajuda. Respondi a todas individualmente e faço questão de responder a todas que recebo.
JC – Já existem outros pacientes recebendo ou escolhidos para receber o tratamento?
Dimas Tadeu Covas – O tratamento é experimental e compassivo. Quando pensamos em realizar o primeiro tratamento, no ano passado, iniciamos um trabalho de avaliações de possíveis candidatos. O paciente Vamberto foi o primeiro de um pequeno grupo que será tratado na sequencia. Até o inicio do próximo ano, mais quatro pacientes serão tratados. O estudo, no entanto, não será interrompido. Uma vez que você abre a porta da esperança, você não pode mais fechá-la. Queremos ampliar o número de pacientes e também estender o tratamento para outra doenças que a leucemia aguda de células B que não respondeu aos tratamentos convencionais.
JC – Qual sua mensagem para os batataenses, em especial, para os jovens que se sentem motivamos a buscar mais conhecimento, a partir de conquistas da ciência como essa?
Dimas Tadeu Covas – Aqui temos uma história de sucesso que pode servir de inspiração para muita gente interessada em ciência. Fiz todos os meus estudos em Batatais na Escola pública. Comecei meus estudos no Grupo Monsenhor Joaquim Alves Ferreira o ‘Grupo do Castelo’, depois estudei no antigo IESA onde fiz o que era o ginásio e cursei até segundo colegial, mas não concluí. O meu diploma de ensino médio foi obtido na Escola de Comércio, hoje Colégio da ABE. Em todas estas instituições tive grandes professores que me inspiraram a perseguir a carreira médica e dentro desta, a carreira de pesquisador, de cientista. A mensagem que gostaria de passar para os jovens é que a vida é feita de desafios, a ciência é um desafio constante. Nesta área, a receita de sucesso significa dedicação, grandes sacrifícios e principalmente amor ao próximo, mas é possível, mesmo para quem luta com dificuldades para estudar. Em todo esse processo, em todo o desenvolvimento deste tratamento que muitos têm rotulado como milagroso, o que importa no final foi que salvamos um paciente, mudamos a sua perspetiva da morte iminente para uma nova vida. Isto não tem preço, é uma dadiva de Deus e nós fomos apenas os instrumentos. Que esta história inspire outros jovens de batatais a perseguir seus sonhos e algum dia fazer bem à humanidade.