Lula calado é um poeta”. Essa frase já foi dita em várias outras oportunidades, por diferentes agentes, e pelos mais variados motivos. O certo é que, para um político da grandeza de Lula, que vive de seus discursos, e se envolve em campanhas políticas a cada 2 anos, a probabilidade de falar demais (e o que não deveria) é muito grande, em especial no caso dele, que adora o tal do improviso.
Nessa fase de pré-candidatura à presidência ele fez questão de manter a escrita em algumas oportunidades, o que já causou estrago na equipe que coordenará a comunicação de sua campanha, com a troca do marqueteiro e do chefe da equipe, o ex-ministro Franklin Martins, pessoa de confiança do ex-presidente.
Uma fala de suas falas que causou alvoroço em Brasília, em especial junto à base do presidente Bolsonaro no Congresso Nacional, ocorreu durante evento da CUT (Central Única dos Trabalhadores) em 4 de abril passado, quando defendeu que a militância sindical procure deputados e seus familiares na casa deles para pressionar a favor de propostas que interessam ao setor em um eventual governo petista, a partir de 2023. “Se a gente mapeasse o endereço de cada deputado e fossem 50 pessoas na casa, não é para xingar não, é para conversar com ele, com a mulher dele, com o filho dele, incomodar a tranquilidade dele, surte muito mais efeito do que fazer a manifestação em Brasília”, disse. Vários deputados bolsonaristas prometeram receber “à bala” quem aparecesse para pressionar sobre qualquer assunto, em frente às suas casas. Foi, no mínimo, muito infeliz no que disse.
Mas não foi só isso. Para melhor ilustrar esse artigo, vou listar algumas “caneladas” verbais de Lula que recentemente mais repercutiram negativamente junto ao eleitor:
– Aborto: “Mulheres pobres morrem tentando fazer aborto, porque o aborto é proibido, é ilegal. […]. na verdade, deveria ser transformado em uma questão de saúde pública e todo mundo ter direito, e não vergonha”. Diante da má repercussão, Lula recuou, dizendo posteriormente ser contra o aborto, mas manteve a defesa para que a questão seja tratada como problema de saúde pública.
– Policiais: “Ele [Bolsonaro] não gosta de gente, ele gosta de policial”. Depois Lula disse ter se enganado, e se desculpou. “Eu ontem cometi um erro quando quis dizer que Bolsonaro não gosta de gente, só de polícia. Gostaria de pedir desculpas aos profissionais da segurança”.
– Privatização da Eletrobrás: “Eu espero que os empresários sérios que querem investir no setor elétrico brasileiro não embarquem nesse arranjo esquisito que os vendilhões da pátria do governo atual estão preparando para a Eletrobrás”. Depois, amenizou sua fala: “Os empresários que vão comprar essa empresa, tomem cuidado. Porque se o PT ganhar as eleições a gente vai querer rediscutir o papel soberano no Brasil em ser dono do seu nariz e ser dono da sua energia”.
– Guerra na Ucrânia: “Fico vendo o presidente da Ucrânia (Zelensky) na televisão como se estivesse festejando, sendo aplaudido em pé por todos os parlamentos, sabe? Esse cara é tão responsável quanto o Putin. Porque numa guerra não tem apenas um culpado. […]. “Eu não conheço o presidente da Ucrânia. Agora, o comportamento dele é um comportamento um pouco esquisito, porque parece que ele faz parte de um espetáculo. Era preciso que ele estivesse mais preocupado com a mesa de negociação”. (4/mai/2022, em entrevista à revista TIME).
É de conhecimento público que, mesmo com os discursos sendo cuidadosamente escritos pela assessoria, e entregues na mão de Lula, o petista costuma deixá-los de lado para improvisar, o que torna imprevisível o resultado do discurso. Por isso, há um consenso na sua cúpula da campanha de que, à partir de agora, Lula precisa seguir o roteiro combinado para escapar das provocações que virão dos adversários, em especial dos bolsonaristas. A orientação é focar em assuntos do dia a dia que atinjam o atual governo, como inflação, desemprego e alta de combustíveis, por exemplo. Essa mudança já foi percebida no sábado 07 de maio, quando Lula leu, sem improvisos, seu discurso de lançamento da dobradinha com Geraldo Alckmin, sem maiores sustos. O foco agora é conquistar o maior número possível de eleitores de centro, que possam migrar para Ciro ou mesmo para Bolsonaro. Por esse motivo, Alckmin foi chamado para ser o vice, e para isso, Lula tem que se mostrar mais ponderado e conciliador em seus discursos.
Ficou claro que, com o crescimento de Bolsonaro nas pesquisas, o sinal amarelo acendeu no QG petista, e o consenso é que o discurso de Lula vai mudar, e suas falas serão milimétricamente ensaiadas (o tanto quanto for possível, claro). Até porque, Lula sabe muito bem (e também aqueles que acompanham o processo eleitoral atual): presidente candidato à reeleição, não pode ser considerado carta fora do baralho. Nunca subestimem o poder de uma caneta presidencial. E Bolsonaro também sabe disso!