No último dia 08 de maio (Dia da Vitória), o Centro de Documentação da II Guerra Mundial – Cap. Enf. da FEB. Altamira Pereira Valadares, completou 25 anos de funcionamento em anexo construído com recursos da própria Altamira, no Tiro de Guerra 02-047 de Batatais.
Mas esta história começa há 80 anos, quando em 1939, a Polônia foi invadida pelo exército nazista alemão desejoso de retomar suas fronteiras perdidas na I Guerra (1914/1917), sob o comando por Adolf Hitler e com o apoio do governo fascista da Itália e da antiga URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas).
A anexação da Polônia ao estado alemão fez com que a Inglaterra declarasse guerra à Alemanha em 3 de setembro de 1939, dando início a uma guerra, inicialmente europeia, mas que pouco a pouco se estendeu pela Ásia, África e até a América, perdurando até o ano de 1945.
Para entender o que Batatais tem a ver com estes fatos, vale a pena visitar o Centro de Documentação e a nova exposição “Tijolo por Tijolo: trechos da história mundial” que apresenta os bastidores do esforço da capitão Altamira para deixar em nossa cidade registros importantes sobre a II Guerra Mundial e a participação do Brasil, principalmente em relação às enfermeiras brasileiras e aos expedicionários batataenses.
Altamira nasceu em Batatais no dia 15 de julho de 1910 e aqui residiu por toda sua infância e adolescência até que, em finais da década de 20, um médico da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro que gozava de licença prêmio em Batatais, Dr. Hamlet de Cavalcanti Mello, sabendo de sua vontade em trabalhar na área da saúde, a indicou o curso de enfermagem na Escola Anna Nery, no Rio de Janeiro.
A Escola Anna Nery era uma escola padrão em que parte do custo da formação era paga pelo Governo Federal e a outra parte com os serviços de enfermagem. Os requisitos para entrar no curso eram ter 10 anos de estudos e 20 anos de idade completos. E foi com esta idade que em 1930 Altamira partiu para a então capital do Brasil, Rio de Janeiro, cursando enfermagem de 1931 a 1933.
No mesmo ano em que tem início a II Guerra, Altamira fica viúva de seu esposo Hélio Bastos Valadares, permanecendo na capital e seguindo sua carreira como substituta da chefia em todas as especialidades do Hospital São Francisco, docente da Escola Anna Nery e posteriormente integrando o quadro especial da Saúde Pública Federal.
O presidente do Brasil, Getúlio Vargas, procurou manter o país em posição de neutralidade frente à II Guerra, mas em 1941 passou a fazer acordos internacionais para apoiar os Aliados e em troca conseguir financiamento norte-americano para a construção da Usina Siderúrgica de Volta Redonda, obra de grande importância para a industrialização do país. Em 1942, o Brasil rompe relações diplomáticas e comerciais com os países do Eixo (Alemanha, Itália e Japão) e em represália a essa medida, os alemães afundam nove navios brasileiros, matando cerca de 600 pessoas.
Mediante pressão popular, o presidente do Brasil declara guerra no dia 22 de agosto de 1942 e passa a organizar uma Força Expedicionária Brasileira (FEB) em 1943 para combater em solo italiano sob o comando norte americano.
Quando o Exercito chamou as enfermeiras voluntárias para integrar o corpo das enfermeiras da FEB, Altamira percebeu que era chegado o momento de realizar seu ideal e escreveu:
Sinto em mim chegando o momento de agir, dando larga expansão ao que vinha pressentindo em longa latência, desde os meus primeiros anos de vida. Prova é que abracei de há muito a profissão de enfermagem, uma vez que não me fora possível a de medicina, para como irmã caminhar ao seu lado paralelamente.
Sei que serei útil ao meu país e a todos que sofrem nesta hedionda fase de iniquidade. Também sei que não morrerei e ainda viverei muitos anos na terra, antes de chegar a hora bendita de algar as paragens siderais de Deus!
E assim foi. Vivendo até seus 94 anos, Altamira dedicou grande parte de sua vida a contar esta e outras histórias da guerra através de fotos, reportagens, livros, condecorações, objetos, uniformes e outros registros, os quais buscou junto às enfermeiras, expedicionários e embaixadas de vários países. Também deixou escrito um diário que está sendo digitalizado pelo CEDAPH (Centro de Documentação e Apoio à Pesquisa Histórica) da Unesp e estudado por um grupo de 15 pesquisadores das mais diferentes áreas de atuação das cidades de Franca, Ribeirão Preto, Rio de Janeiro, Porto Velho, Brasília e Batatais, com o intuito de lançar um livro até o final deste ano
Todo este acervo está à disposição do público para visitas e pesquisas mediante agendamento pelo telefone 3761 2642.
E o 13 de maio?
Em épocas tão controversas, onde se trocam direitos por privilégios, resolvemos tratar de uma data comemorativa e a força do seu significado há 100 anos percebida com a leitura dos jornais locais. Que data é essa? O 13 de maio, data comemorativa, à época conhecida como Dia da Fraternidade dos Brasileiros e nos dias atuais, a data é conhecida como Dia da Abolição da Escravidão ou Lei Áurea, ou seja, celebra-se o fim oficial da escravidão no Brasil para temor de alguns grupos sociais e econômicos que se viam dependentes desta forma desumana de trabalho que por 3 séculos forçou a vinda de aproximadamente 5,8 milhões de pessoas, provenientes de diversas de etnias e regiões africanas para o trabalho forçado.
Os jornais do Museu Histórico e Pedagógico “Dr. Washington Luis”, ao menos os das duas primeiras décadas do século XX, trazem a informação de que na data em questão era feriado. A um século atrás a data era tida como feriado no calendário de eventos da cidade (não apenas no calendário escolar). Conforme nos indicam os jornais de nossa cidade naquela época, no 13 de maio, as repartições públicas fechavam, o comércio funcionava até as 14 horas e no período da noite no coreto do Jardim Público se apresentava a banda local, no caso, a Euterpe Batataense.
Hoje, o 13 de maio perdeu um pouco de sua significação e importância, deixando inclusive, de ser feriado, muito em função do crescimento e fortalecimento da luta e dos movimentos negros organizados que instituíram o dia 20 de novembro – data provável da morte de um dos mais fortes líderes da resistência negra: Zumbi do Quilombo dos Palmares – como representação da resistência do povo negro frente a uma série de desigualdades e preconceitos sofridos por esta população no Brasil até os dias atuais.
Uma data que deveria ser dedicada à reflexão de todos sobre a realidade do povo negro no Brasil. Infelizmente, ainda, é difícil para muitos a aceitação da existência do dia 20 de novembro e a instituição de um feriado, para somar à luta, que é de todo brasileiro.
Não temos condições de perceber se existiram discussões contrárias sobre ser feriado há 100 anos. Porém, pareceu-nos tranquila a instituição do 13 de maio como feriado, levando em consideração que como hoje, esse tipo de embate era levado a sério, a ponto de chegar à mídia impressa da cidade. Seria ingenuidade nossa, se não percebermos os motivos que levavam a aceitação da data com mais facilidade: era uma data oficializada pelo recém implantado regime republicano, instituído pela elite, e, por consequência, a população ‘aceitava’ com mais facilidade aquilo que lhe era imposto e mesmo semelhante.
E o que temos no Museu que remete de forma direta o período da escravidão e mesmo a luta da população negra em Batatais?
Uma observação que deve ser feita antes da apresentação dos objetos foi a nossa percepção inicial de que o negro não se faz representado de forma direta nas peças do Museu. Pouco ou nada se sabe sobre o modo de vida, de moradia, alimentação, sociabilidades, sistemas de crenças e hábitos de higiene e saúde desses trabalhadores cativos, na nossa região, dada a escassez e falta de peças ou seriação de documentos para o período.
Estudar o negro nos museus brasileiros é, portanto, uma tarefa arriscada e audaciosa. A primeira questão que se coloca é a relação dos Museus com a tradição, ou seja, a maioria dos acervos e coleções são elitistas, eurocêntricas e conservadoras, portanto, de objetos utilizados pela elite da época; e, a segunda questão é a gama de representações (nem sempre positivas) do negro na cultura e imaginários brasileiros.
Para o período da escravidão, que existiu sim na nossa região, mesmo que em número reduzido se comparado com outras regiões economicamente mais rentáveis, temos no Museu o que chamamos de objeto de suplício ou sofrimento: uma gargalheira. A gargalheira, parecida com uma coleira, feita em ferro fundido (confeccionado provavelmente por um negro escravizado, afinal eram eles que dominavam e exerciam este ofício de ferreiro), colocada ao redor do pescoço ou ao redor da cabeça do escravizado. Utilizada principalmente quando o escravo era transportado de uma região para outra para evitar fugas ou mesmo para demonstrar que o escravo era ‘rebelde’ ao cometer algum delito aos olhos de seu proprietário contra o mesmo. Seu uso dificultava a alimentação do escravizado e/ou seu uso prolongado provocava feridas em carne viva no pescoço do escravo. Não temos informações sobre quando exatamente ele foi utilizado ou mesmo de seu doador.
Para um período mais recente, representativo da luta da população negra em Batatais temos uma fotografia de 1939, que retrata inúmeros frequentadores de uma sociedade local, o Clube 13 de Maio, conhecido também por clube dos ‘homens de cor’ que antecedeu o Clube Princesa Isabel, que surgiu na década de 50 do século XX. Esses clubes, é muito certo, na cidade, existiram em função da proibição da presença negra no quadro de associados de outros clubes da cidade, conforme estatutos. Essa realidade se estendeu até o final da década de 90.