Em uma península, vivia sozinha uma menina. Ela tomava conta de um farol que sinalizava aquela região para algumas embarcações que perdidas por ali passavam. A cada 15 dias um barco deixava para ela água e comida. No mais era o mar estourando nas pedras, esculpindo-as e deixando suas marcas na história da Terra.
Nas noites vazias, a menina tinha como parceira a lua e as estrelas, eternas confidentes, o firmamento parecia descer no horizonte para ouvi-la, por vezes em alegria, outras em melancolia. Em noites de tempestades os raios iluminavam seu cômodo solitário sem assustá-la e os trovões pareciam admoestá-la por alguma fraqueza que fora acometida.
Invariavelmente, ao anoitecer ela acendia o farol, para no dia seguinte seu primeiro ofício, apagá-lo.
Depois de cumprida a obrigação a menina caminhava pelas areias em meio a conchas e pedrinhas até esticar-se em uma rocha que parecia ter sido feita para ela. Era lisa de boa largura, elevada com certo destaque, chegava-se até lá com tranquilidade, apenas um equilíbrio para mover um passo e outro e pronto, lá era o seu lugar favorito, tanto nas manhãs quanto nos finais de tarde.
Era acomodada ali que avistava o mar, o céu, o sol e os pássaros, um deles seu amigo, que todos os dias chegava até ela para contar as novidades de suas voltas pelo mundo. Nas longas migrações o pássaro estendia suas asas e voltava cheio de notícias e as contava com sabedoria, a menina ouvia encantada. Muitas viagens, muitas estórias e grande fascinação.
Um dia o pássaro já velho preparava-se para aquela que seria a última migração. A viagem era longa e ele temeu fazê-la, suas forças estavam no limite, a idade avançada o impedia de seguir os mais jovens. A menina sabendo das dificuldades, tratou de encorajá-lo dizendo que ele ia conseguir e ela queria ouvir mais essa estória que seria a última.
E assim se fez, o pássaro bateu asas e voou longe, muito longe, foi para além do Oriente, contornou o sol, atravessou a lua crescente, acompanhou meteoros, sobrevoou cordilheiras, atravessou imensos desertos, cruzou oceanos em dias e noites de fortes tempestades
sem um único lugar para descansar. Estava exausto, mas sempre pensava na menina e na mais bela estória que ele estava preparando. Era a odisseia de sua vida.
Depois de muito tempo voando, finalmente avistou o arquipélago de sua amiga, reunindo suas últimas forças, chegou garboso, realizado e cheio de aventuras a contar para a menina. Mas para sua surpresa ela não estava lá, estranhou sua ausência, ali era o cenário de suas vidas! Inquieto na pedra plana, outro pássaro percebendo incômodo disse-lhe que a menina havia partido. Foi embora no
último barco, pois o farol fora desativado. O pássaro caiu em profunda tristeza, bem nessa última viagem que ele tinha tantas maravilhas para contar!?
Apertou-se em lembrança e a solidão caiu pesada e poderosa sobre suas asas cansadas e velhas. Era o crepúsculo de sua vida. Enquanto isso, longe dali a menina lembrava o amigo e pensando refletia sobre a amizade, gostamos dos outros não porque eles fizeram algo por nós, mas sobretudo porque fizemos algo por eles. As nuvens no horizonte em movimento formou seu rosto alegre, observando aquele sorriso amigo, sabendo que era para ele, o pássaro descansou em paz.
Nesses tempos de temor, uma breve estória de amizade e amor.