Caro leitor, você sabia que a primeira edificação pública de Batatais foi um Teatro Municipal?
Tal informação pode falar muito de nossa gente, que sempre esteve envolvida com movimentos culturais nos mais diferentes seguimentos, ao ponto de sermos uma estância turística principalmente em função de nossos atrativos artísticos, arquitetônicos e eventos culturais.
De acordo com Jean de Frans (pseudônimo de José Augusto Fernandes) em seu artigo para “O Jornal” de 22 de dezembro de 1918, o primeiro teatro de Batatais foi denominado de Teatro São João, datado de 1850 e localizado próximo ao Mercado Municipal (onde hoje está a Agência de Correios do centro) e Igreja do Rosário (demolida para a construção da Câmara Municipal), na esquina da Rua Sete de Setembro com a Rua Santos Dumont. Por sinal, esta rua era denominada de Rua do Theatro em homenagem a esta edificação que deveria ser um marco na paisagem da cidade e ponto de referência para os moradores.
Começava o anno da graça de 1850, quando uma associação, composta dos velhos batataenses Antônio Garcia de Figueiredo, José Umbelino Fernandes, Manoel Pereira e Manoel do Carmo, projectou e levou a effeito a construcção de um theatro, que recebeu desde logo a denominação de Theatro São João. No vasto casarão, verdadeira jóia de architectura colonial, por largo tempo reboaram as palmas trovejantes com que o público apotheosava as celebridades da epocha e os amadores de antanho. (Jean de Frans – O JORNAL 22/12/1918)
Ainda segundo o autor, com o passar dos anos o Teatro São João foi ficando abandonado e subutilizado, ao ponto que em 1878 seus proprietários foram intimados pela Câmara Municipal a reformá-lo dentro de um prazo curto e improrrogável.
Terminado o prazo e sem o cumprimento das ordens, o poder público municipal realizou as reformas e benfeitorias como o fechamento dos buracos, construção de telhado mais firme, colocação de fechadura nas portas e de um pano de boca de cena branco com riscos pretos (pintados por Tonico Gusmão), mudando o nome da edificação para Teatro Municipal.
Talvez o prazo dado aos proprietários não tenha sido tão curto assim, pois nos arquivos da Câmara Municipal de Batatais encontramos um documento datado de 13 de abril de 1882 (quatro anos após a intimação), em que o fiscal Francisco de Almeida Mattos relatou que oficiou os proprietários do teatro e poucos deles responderam à intimação, cujas respostas eram entregues para que a Câmara procedesse aos consertos que eram necessários.
Em outro documento do arquivo da Câmara, de acordo com o relatório do fiscal Antônio Luiz dos Santos, em julho de 1886, “O Theatro existente nesta cidade ameaça desabar se achando bom que a câmara o mande por hasta publica sendo o seu producto recolhido ao cofre municipal para mais tarde ser reclamado pelos interessados.”
Passados alguns anos, o Teatro Municipal já estava necessitando de novas reformas e novos melhoramentos que foram conquistados por meio de donativos, com a construção dos camarotes de segunda ordem e do piso em madeira da platéia em 1889.
Em 28 de dezembro de 1892, Manoel Theodolindo do Carmo foi nomeado zelador do teatro em virtude do artigo 1º da Lei Municipal n°2, abrindo mão de referido cargo em 12 de janeiro de 1896, apresentando um relatório com os seguintes dizeres:
“aceitei tal encargo levado somente pelo desejo de concorrer o quanto em mim estivesse, para o desenvolvimento do gosto pelo Theatro, como escola, onde rindo-se, se corrigem os defeitos, digo, os costumes. Não sendo emprego remunerado, só este sentimento podia fazer resolver-me a tomar sobre meus hombros o peso de uma posição tão encommoda, como maçante e importuna. Era assim que facilitava o ingresso à companhias de fora, influía e me esforçava em seu benefício. É assim também, que, não poupando-me, me empenho na conservação da companhia local “Joaquim Augusto”. Hoje, porém, sinto-me cançado e como que inutilisado para continuar no esforço que tal posição demanda. Por isso, resolvi vir à vossa presença resignar o emprego a que me refiro e depositar em vossas mãos a chave do edifício.”
Apesar da edificação ser pública, tudo indica que sua gestão e manutenção eram feitas pela iniciativa privada e voluntariado, como por exemplo, um abaixo assinado (arquivo da Câmara) com donativos recolhidos por Camilo Lopes para a pintura de um pano de boca em 1895.
Durante a gestão do intendente Washington Luís (1897-1900), o mesmo encarregou novamente Manoel Theodolindo do Carmo, que ocupava cargo de vereador, para cuidar dos melhoramentos do Teatro Municipal com a reforma da platéia, vestíbulo, palco, porão e fachada em 1897.
De acordo com Robson Mendonça Pereira em seu livro Washington Luís e a Modernização de Batatais, “a reforma do Teatro, único imóvel municipal próprio, foi considerada prioritária, em vista tanto de um investimento cultural, como de um local que também servisse às sessões legislativas da Câmara e judiciárias”. (2005, p.102).
Também em 1897, a Sociedade Dramática Infantil 20 de Dezembro realizou campanhas e espetáculos para a aquisição e doação de cadeiras, bancos e outros mobiliários ao teatro. A entrega foi feita pelo Dr. Altino Arantes, que proferiu eloquente discurso. Outra parte do mobiliário foi doada pela Comissão da Sociedade de Mútuo Socorro e Beneficência Italiana.
Em 1900 a Sociedade Recreativa Lyrio Batataense solicitou para a Câmara Municipal a reforma do cenário do Teatro Municipal, o qual o poder público alegou não possuir recursos.
Em fevereiro de 1903, de acordo com Jean de Frans, foi inaugurada a iluminação do teatro a gás acetileno, mais tarde substituído pela luz elétrica.
Já em 1910, o relatório de Anselmo Tambellini para o prefeito Nelson Pereira Vianna, assim descrevia o Teatro Municipal: “Apezar de ser um estabelecimento impróprio não offerecendo commodidade nem garantia alguma aos emprezarios e frequantadores, tem como sempre continuado a funcionar, sendo que a única diversão que ahi se realiza é o cinematographo; está há muito occupado pela empresa local de Guilherme Corsine e Irmão. É de necessidade tratar a Câmara da construção de um theatro que participa do progresso de um povo.”
Todavia, um novo Teatro Municipal demorou a ser construído. Porém, em 07 de setembro de 1911 foi inaugurado o Teatro Santa Cecília de propriedade do Monsenhor Joaquim Alves Ferreira.
De acordo com a professora Clotilde de S. C. Medina Cardoso, em artigo publicado na Revista Amicus Nº5, o Santa Cecília possuía “fachada clássica, com quase nenhum detalhe, tinha, porém, seu interior requintado, com piso revestido de ladrilhos. Colunas de ferro sustentavam camarotes de frente e laterais. Belíssima pintura, com motivos florais, revestia suas paredes. No palco havia tela própria para projeções cinematográficas”. (2002, p.36).
No ano de 1913 o Teatro Municipal foi colocado à venda, sendo adquirido pela empresa de Ernesto Corsini, passando a ser denominado Teatro São Carlos. Já em 1916, o espaço foi colocado à venda ou aluguel a longo prazo. Em agosto de 1917, o Teatro São Carlos passou a ser mantido pelos empresários Menezes & Marques, que ao que tudo indica, tiveram problemas iniciais na gestão de tal empreendimento, pois em 26 de agosto de 1917, a “Gazeta de Batataes” publicou a seguinte nota:
“A pedido dos srs. Menezes e Marques, actuaes emprezarios do theatro ‘S. Carlos’, communicamos ao público que os espectaculos daquella casa serão absolutamente moraes, não se admitindo alli a mínima falta de consideração e respeito para com as exmas famílias. A empreza reserva-se o direito de vedar a entrada a quem julgar conveniente e exercerá severa fiscalização no salão de espetáculos, onde não permitirá a permanência de qualquer pessoa que não se porte com a devida compostura.”
Neste período, décadas de 10 e 20, os teatros deixam praticamente de apresentar peças teatrais e passam a exibir quase tão somente películas de filmes mudos ao som de bandas de música.
Ainda segundo Cardoso (Revista Amicus, Nº 5) em seu artigo A sociedade se reúne e se diverte – teatros, cinemas e clubes em Batatais nos inícios do século XX pontuou que “em 2 de julho de 1928, foi inaugurado o Cine-Theatro Santa Helena, situado à rua Coronel Joaquim Alves. Pertencia à Empresa Teatral Santa Helena Ltda., de propriedade dos senhores Carlos Anselmo e Guilherme Tambellini, Arturo Scatena, Antônio, Adelino e Gustavo Simioni, Marcelo e Zeferino Girardi, Alberto Micheli e Rômulo Rigotto”. Aliás, este último foi o autor do projeto do Santa Helena.
As perspectivas de um novo teatro público para Batatais só reaparecem nos anos 60 na gestão do prefeito José Olímpio da Freiria (1964-1968), período este marcado pelos movimentos de teatros amadores e pela realização das edições do Festival de Teatro Amador do Estado de São Paulo (FEATESP) pela Comissão Estadual de Teatro (CET), com a distribuição do respeitado Prêmio Governador do Estado aos grupos amadores nas áreas de espetáculo, direção, atuação, cenário e figurino.
De acordo com a tese de doutorado em História Social (PUC-São Paulo) de Mauriney Eduardo Vilela, intitulada Teatro Amador Paulista (1963-1975): Organização Federativa, Fazer Teatral e Resistência à Ditadura escreveu: “Visando enfrentar a falta de casas de espetáculos no interior do estado, a CET inseriu, em seu Plano, a formação de convênios com as prefeituras para a construção de teatros. Para enfrentar a questão dos custos, decidiu-se dividir as responsabilidades entre o estado e os municípios beneficiados. Nove cidades realizaram convênios e a CET despendeu Cr$125 milhões no triênio 1963-65.” (2018, p.52)
O teatro amador de Batatais foi selecionado para participar nas três primeiras edições do festival, sendo o I FETAESP em Campinas (1963), o II FETAESP em Botucatu (1964) e o III FETAESP em Ribeirão Preto (1965). Neste último, o grupo de Teatro Amador de Batatais, T.A.B.A., se consagrou campeão com a apresentação da peça Espectros, do dramaturgo norueguês Henrik Ibsen; recebendo o Prêmio Governador do Estado de melhor espetáculo e melhor atriz.
O destaque cultural do T.A.B.A. abriu as portas para que a cidade fosse contemplada pelo Estado para o convênio de construção do Teatro Municipal. O terreno de 3.307 m² para a construção do teatro com 1.034 m² foi doado pelo prefeito José Olímpio da Freiria, pelo vice José Alves do Nascimento, juntamente com Anselmo Testa e João Freiria.
O projeto do Teatro Municipal é de autoria do arquiteto batataense Durval Suave (o mesmo autor da Casa de Cultura de Ribeirão Preto, no Morro São Bento) e a sua construção ficou a cargo do chefe do departamento de engenharia da prefeitura da época, o engenheiro Carlos Zamboni.
Dependente dos recursos do governo estadual, a obra do Teatro Municipal ficou por muitos anos paralisada, sendo concluída apenas em 1979, já na gestão do prefeito Claret Dal Picolo, com algumas alterações do projeto original.
Em setembro de 1979, o “O Jornal” assim noticiou: “O Grupo de Teatro Amador GRUTA, muito bem estruturado vem ensaiando condignamente e seus principais astros, por sinal muito modestos, estão otimistas e confiantes na inauguração do nosso teatro para breve, uma vez que, o Senhor Prefeito tem se esforçado o máximo para o término das obras. Os nossos cumprimentos ao GRUTA: o povo vai colaborar com os espetáculos.”
Na placa de inauguração do Teatro, merece destaque a frase: FRUTO DA PERSERVERANÇA E DA TRADIÇÃO CULTURAL DO POVO DE BATATAIS, o que reforça a importância da gestão com a participação popular.
Merecem destaque nesta conquista do Teatro Municipal para Batatais, o artista plástico, poeta e dramaturgo Gilberto Ribeiro Alves e o professor José Carlos Cintra de Sousa referenciados pela escritora Regina Maura em artigo publicado na “Revista Qualitá” de 26/11/2017: “o desejo de ver a cidade equipada com um prédio dedicado às atividades artísticas, à altura das suas expectativas, jamais abandonou os batataenses, até que, graças ao empenho de dois professores do EEPG “Sílvio de Almeida” junto ao poder público, José Carlos Cintra e Gilberto Ribeiro Alves, ocupantes, respectivamente, das cadeiras de Português e Educação Artística e organizadores do grupo teatral TABA, a cidade foi contemplada com a doação de um teatro, após a vitoriosa participação do citado grupo num concurso de âmbito estadual.”
Nosso artigo, apesar do título proposto, não pretende esgotar o tema do teatro público em Batatais, mas fazer uma homenagem aos 40 anos do Teatro Municipal Fausto Bellini Degani completados neste último dia 15 de dezembro, transcorrendo um pouco sobre a trajetória destes espaços de cultura e lazer em nossa cidade e as mudanças pelas quais passaram ao longo dos tempos.